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Nenhum candidato será "demonizado", diz líder evangélico

Denominação pentecostal tem acordo para apoiar a reeleição do presidente Jair Bolsonaro, mas rechaça fazer campanha contra adversários dele

4 jan 2022 - 05h10
(atualizado às 07h24)
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Abner Ferreira, líder da Assembleia de Deus Ministério de Madureira
Abner Ferreira, líder da Assembleia de Deus Ministério de Madureira
Foto: Alan Santos/PR

Um dos principais líderes religiosos da Assembleia de Deus, o bispo Abner Ferreira diz que a igreja não vai "demonizar" nenhum candidato ao Palácio do Planalto neste ano. A denominação pentecostal tem um acordo para apoiar a reeleição do presidente Jair Bolsonaro, mas rechaça fazer campanha contra outros candidatos.

"Nenhum pastor tem direito de dizer 'Esse é de Deus e esse é do diabo'. E eu descobri que Deus e o diabo estão em todos os partidos", disse Abner Ferreira ao Estadão. O bispo não vê, porém, espaço para a terceira via nas próximas eleições. Na sua avaliação, a disputa será entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O Ministério Madureira, comandado pelo clã Ferreira, é um dos mais poderosos da Assembleia de Deus. O pai de Abner, bispo primaz Manoel Ferreira, é o presidente vitalício da Convenção Nacional das Assembleias de Deus Madureira (Conamad), que vira ponto de romaria de políticos em busca de votos. O irmão, bispo Samuel Ferreira, é o presidente da Assembleia de Deus do Brás, na capital paulista. Os dois conduzem o dia a dia das igrejas e são vice-presidentes da convenção liderada pelo patriarca.

O ex-juiz Sergio Moro quer atrair o segmento evangélico para sua campanha presidencial. Ele tem chances?

Toda candidatura é legítima. Se vai ter apoio ou não é uma outra questão. Hoje nós temos um apoio declarado ao presidente Jair Bolsonaro. Isso não significa que nós vamos desmerecer o Moro ou qualquer outro candidato. Eu sempre digo 'Irmão, você é livre para votar em quem quiser'. O voto é o santuário da democracia. É você, aquela urna e sua consciência com Deus. Ninguém pode interferir nesse processo. Você pode sugerir, conversar, mas voto não pode ser imposto.

Moro procurou os bispos de Madureira? Ele tem porta aberta para conversas?

Nunca conheci o senhor Sérgio Moro. Acho que ele terá muita dificuldade para ter sucesso entre os evangélicos, em razão do apoio a Bolsonaro. Mas nenhum candidato será demonizado na Convenção de Madureira. Nenhum pastor tem direito de dizer 'Esse é de Deus e esse é do diabo'. E eu descobri que Deus e o diabo estão em todos os partidos.

O bispo primaz Manoel Ferreira, seu pai, fez uma reunião com o ex-presidente Lula e posou abraçado com ele. É indicativo de voto?

Foi um encontro de um pastor que foi cumprimentar alguém que já foi presidente da República e com quem tivemos uma relação muito respeitosa. Eu tenho respeito pela história do Lula, não nego jamais.

Foi mais que uma relação respeitosa. Era apoio.

À época, sim. Foi um encontro de duas pessoas que já se conheciam e se respeitavam. Nada mais do que isso.

Se está com Bolsonaro, a igreja vai apoiar apenas candidatos bolsonaristas pelo Brasil?

Lógico que não, nem o presidente pode querer isso. Não tem sentido. Cada Estado tem sua realidade. Eu não acredito em partidos, eu acredito em pessoas.

Institutos de pesquisa indicam certa simpatia pelo ex-presidente Lula entre evangélicos, similar ou até maior que a Bolsonaro. A razão é a economia?

Não é só isso, não. Lula tem um capital político, ninguém tira isso dele. Estamos a menos de um ano da eleição e as pedras começam a ser colocadas. Não vejo lugar para uma terceira via. Os outros candidatos são legítimos, mas acho que temos dois projetos de poder muito claros.

O que a igreja evangélica espera do novo ministro do Supremo Tribunal Federal, André Mendonça, em pautas como aborto, por exemplo?

Que ele seja um excelente ministro do STF e, nos julgamentos, os faça fundamentado na Constituição e nas leis vigentes. Ele não tem cargo político. Ele é magistrado. Tem suas convicções pessoais, como todos nós, mas temos um contrato social chamado Constituição. É por aí que ele tem que se pautar.

O que vai manter o apoio das igrejas a Bolsonaro?

Temor a Deus, amor ao próximo, respeito às instituições.

Mas o presidente ameaçou e agrediu instituições...

A democracia não é um caminho, é o único caminho. O Brasil é um País laico e tem que ser assim. Eu nunca sonhei nem quero para esse País uma República Evangélica. Eu quero uma República laica, em que todas as pessoas têm direito de professar sua fé. E mesmo aqueles que não têm fé sejam respeitados. Acima de tudo respeito às instituições, ao Judiciário, Executivo e Legislativo.

O sr. teme uma campanha eleitoral de 2022 violenta?

Não. É da gênese do Brasil: o povo brasileiro não é de confusão. As esquentações de cabeça são coisa dos políticos. Espero um pleito tranquilo, consciente.

Ministros do Supremo Tribunal Federal estão preocupados. Teme-se um episódio de invasão, por parte de bolsonaristas, como ocorreu nos Estados Unidos.

Não existe chance.

As igrejas endossariam uma contestação do resultado das urnas?

Que conversa é essa? Não tem chance. Zero. O voto tem de ser respeitado. Quem ganhou, ganhou. E quem não ganhou, volte para casa e refaça a sua caminhada.

Se Lula vencer, as igrejas vão fazer oposição?

A Bíblia nos ensina a orar por todas as autoridades constituídas. Depois de proclamado o resultado, aquele que for eleito ou reeleito passará a ter o respeito e as orações da igreja.

A condução do governo durante a pandemia mereceu críticas?

Não só aqui, no mundo inteiro. Todos os governos tiveram acertos e erros. Nós estamos vivendo com um inimigo invisível. Eu fiquei quatro meses pregando para banco, na catedral em Madureira. Eu disse que se o banco não se convertesse agora, eu não converteria mais. Eu só tinha uma câmera na frente e tinha que conversar... Temos hoje uma população de irmãos que ainda não voltou. O grande desafio da igreja agora é ir buscar essas pessoas que ficaram dominadas pelo medo, pelo temor. Foi muito violento mesmo. Mas você vê uma nova onda e pensa: será que vai voltar tudo de novo?

Em 2018, os evangélicos demonstraram preferência por Bolsonaro. Na sua opinião, o que vai ocorrer em 2022?

Naquele momento, no auge da Lava Jato, Bolsonaro representava a possibilidade de ter um governo que não permitiria aquela roubalheira institucionalizada. O sonho de uma parte da sociedade era viver um novo momento. Já tínhamos umas 40 incursões da Lava Jato. Foi naquele contexto que emergiu a candidatura de Jair Messias Bolsonaro. O brasileiro disse 'Não dá mais'. E ainda continua sendo uma bandeira forte. As pessoas ainda acreditam nesse Bolsonaro, que não é perfeito, a gente tem críticas a ser colocadas, mas sempre pautou sua vida pelo respeito. Era aquela história: ele não vai roubar e não vai deixar roubar. O presidente Lula vem agora e tem um capital político que ninguém pode negar. Essas pesquisas podem não ser um retrato fiel, mas são uma fotografia. Não pode brigar com pesquisa. Duas concepções de percepção política serão colocadas e a igreja evangélica está nesse contexto.

Há algo importante para as igrejas que o governo Bolsonaro tenha deixado a desejar?

Estamos vivendo um momento muito difícil. Dos quatro anos de mandato, dois não sabíamos o que ia acontecer no mundo. Tivemos que guardar nossa família e esperar para voltar. O mundo parou. Nessa volta agora estamos enfrentando uma realidade que não sabíamos. A desigualdade aumentou, o desemprego aumentou, as empresas aprenderam que viver em home office é possível.

O nome da igreja foi citado em delação na Lava Jato por suspeita de lavagem de dinheiro do então deputado Eduardo Cunha. O que o sr. pode falar sobre o caso?

Não quero falar sobre isso. A verdade sempre prevalece. Nunca fizemos qualquer tipo de apoio fundado nesse tipo de relação. A igreja trabalha com duas fontes de recurso voluntárias, oferta e dízimo. Não precisamos de nenhum outro tipo de parceria. São as pessoas que acreditam no trabalho que contribuem voluntariamente. O que passa disso é malvadeza, especulação e querer levar a igreja para essa raia miúda. Sou pastor há 37 anos e nunca recebi dinheiro público.

Qual será sua missão como presidente da Comissão Especial de Juristas Evangélicos e Cristãos da OAB?

Diálogo, diálogo e diálogo. A OAB é a casa das liberdades. E abre a possibilidade de juristas cristãos e evangélicos estabelecerem um foro de discussão. Eu aceitei essa tarefa agora para abrir o caminho, mas, logo que puder, vou me desincumbir para colocar gente mais nova. Sou advogado, mas não advogo, não tenho tempo para isso. Vou me voltar para a igreja, minha vocação é eminentemente sacerdotal. Sou realizado nisso. Não tenho ambição política.

O sr. vai apoiar a candidatura do presidente da OAB Felipe Santa Cruz (PSD) ao governo do Rio?

Tenho muito respeito por ele. Ele precisa ser recebido e ouvido. Ele tem suas convicções, é combativo e precisa ser respeitado.

E o governador Cláudio Castro (PL), que é cristão, poderia levar o apoio da igreja?

Ainda não dialogamos sobre isso. Ele assumiu o mandato num momento delicado e tem méritos. Ele é um cristão carismático. Pentecostes não é exclusividade de crente.

Estadão
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