México aprova polêmica reforma judicial que prevê eleição de juízes por voto popular
Medida, que também afeta Suprema Corte, faz parte de controversa reforma promovida pelo esquerdista López Obrador. Críticos temem erosão do Estado de Direito. Projeto ainda elimina idade mínima de 35 anos para o cargoO Senado do México eliminou na madrugada desta quarta-feira (11/09) o último obstáculo a uma controversa reforma judicial que prevê a eleição de juízes por voto popular no país, inclusive os da Suprema Corte - uma medida que críticos temem que possa ameaçar o Estado de Direito e prejudicar a economia.
Encampada pelo governo do esquerdista Andrés Manuel López Obrador, a reforma foi aprovada após uma conturbada sessão que durou 12 horas e chegou a ser interrompida e deslocada para a antiga sede do Senado em meio a protestos da oposição e à invasão da Casa por manifestantes.
O que muda com a reforma
As primeiras eleições de juízes devem ser realizadas já em 2025. Mais de 6,5 mil cargos da magistratura serão preenchidos dessa forma - isso inclui a Suprema Corte, o Tribunal Eleitoral e o Tribunal de Disciplina Judicial.
No caso do Tribunal de Disciplina Judicial, trata-se de um órgão disciplinar ainda a ser criado e que terá o papel de fiscalizar sentenças. O novo órgão, com cinco membros e mandatos de seis anos, substituirá o Conselho da Magistratura Federal (CJF), que tem sete integrantes.
Qualquer pessoa formada em direito e com cinco anos de "experiência na área judicial" e uma carta de recomendação poderá submeter seu nome a um comitê de especialistas, que selecionará os candidatos de fato.
A reforma também reduz de 11 para nove o número de ministros na Suprema Corte e diminui a duração de seus mandatos de 15 para 12 anos, além de extinguir a idade mínima de 35 anos para o cargo.
A eleição de juízes é algo incomum. Nas Américas, segundo a agência de notícias Reuters, apenas a Bolívia tem um sistema semelhante.
A reforma também permitirá que julgamentos envolvendo o crime organizado possam ser decididos por juízes anônimos. A medida visa protegê-los de ameaças, mas entidades de defesa dos direitos humanos alertam que esse expediente atenta contra o direito a um julgamento justo, já que sem conhecer a identidade de um juiz não é possível saber se ele tem um eventual conflito de interesse.
O texto impõe ainda um teto de salários ao funcionalismo público do Judiciário, para que nenhum funcionário possa ganhar mais que o presidente da República.
Vitória de Obrador
A reforma é uma grande vitória para Obrador, que entrega o cargo à sua sucessora, Claudia Sheinbaum, em 1º de outubro.
Obrador defende a medida afirmando que ela garante que o Judiciário mexicano vai atender aos interesses do povo, e não à elite ou a criminosos.
Críticos, no entanto, veem a reforma como um ataque à independência do Judiciário e temem um desequilíbrio institucional em favor do partido governista e do crime organizado.
"Juízes deveriam ter um mandato garantido e ser protegidos de influência política, de modo a garantir que eles possam tomar decisões baseados apenas nos fatos de um caso e de acordo com a lei", disse a ONG Human Rights Watch ao criticar a reforma.
Em carta enviada a López Obrador em julho, o relator especial das Nações Unidas para a independência de juízes e advogados alertou que a reforma poderia "aumentar o risco de que candidatos ao Judiciário tentem agradar eleitores ou doadores de campanha a fim de aumentar suas chances de reeleição, em vez de tomar decisões baseadas exclusivamente em normas e padrões judiciais".
No Senado, a aprovação se deu por margem de um único voto, vindo de um senador que furou o bloqueio da oposição à medida. Um outro opositor alegou ter sido impedido de comparecer à votação. Também houve denúncias de que o partido de Obrador, o Morena, teria intimidado os senadores para garantir os 86 votos necessários à reforma - a sigla negou qualquer irregularidade.
Repercussão
Principais parceiros comerciais do México, os Estados Unidos e o Canadá alertaram que a reforma poderia prejudicar o pacto comercial entre os três países e impactar negativamente os investimentos.
A reforma também assustou os mercados, com o peso mexicano perdendo cerca de 17% de seu valor desde as eleições presidenciais de 2 de junho.
A presidente eleita, Claudia Sheinbaum, celebrou a aprovação da reforma nas redes sociais como sinal do "poder do povo" e avanço rumo à "imparcialidade da Justiça". "O regime de corrupção e privilégios se torna cada vez mais uma coisa do passado. Uma verdadeira democracia e Estado de Direito estão sendo construídos", escreveu no X.
ra (efe, afp, reuters, ots)