Galípolo diz que debate sobre fiscal no Brasil é positivo e que 'conversa muito' com Haddad
Para presidente do Banco Central, discussões sobre as questões fiscais acontecem com 'avanços e bloqueios, próprios do processo democrático'
BRASÍLIA E SÃO PAULO - O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, disse nesta quinta-feira, 26, que, no Brasil, é positivo que ocorram debates sobre medidas estruturantes para a sustentabilidade da evolução da dívida pública — algo que nem sempre ocorre internacionalmente.
Galípolo reiterou que algumas vezes esses debates sobre fiscal acontecem com avanços e bloqueios, próprios do processo democrático. "Prefiro o processo democrático. Essas dores do processo democrático parecem ser bem-vindas", disse.
O presidente do BC disse que, em todas as oportunidades de interlocução com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com Legislativo, encontrou "disposição muito grande" para construir propostas estruturais para os temas fiscais.
Entre exemplos de interlocução, Galípolo citou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o presidente Lula, e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Ele também enfatizou que o BC consome informações sobre fiscal a fim de realizar o trabalho de perseguir a meta e demonstrar compromisso com ela.
Segundo o presidente do BC, há um tema global sobre desequilíbrio entre oferta e demanda em títulos públicos nos últimos anos. "Houve oferta crescente, dado todo esforço fiscal nos últimos anos por questões excepcionais", disse, como a Segunda Guerra, crise de 2008 e choque da pandemia de covid-19. Já do lado da demanda, tem uma série de discussões regulatórias, de reduzir participação de bancos enquanto demandantes de títulos públicos; ou atuarial, de envelhecimento da população.
Ele afirmou ainda que, no Brasil, pode haver confusão entre o que é a taxa de juros mais de longo prazo, e o que é a taxa de juros que corresponde à política monetária. "Confusão sobre essas duas taxas talvez seja intensificada no Brasil porque há títulos públicos que são 'Selicados', que têm correlação com a Selic, e acaba juntando o que é juros pago pelo setor público com o que é a Selic", explica o presidente do BC.
Segundo Galípolo, a taxa de juros de médio e longo prazo tende a responder mais a fatores que correspondem ao fiscal — até pela dinâmica de oferta e demanda de títulos públicos — do que a política monetária em si. Os comentários foram feitos durante entrevista à imprensa para comentar o Relatório de Política Monetária (RPM) do segundo trimestre.
Conversas com Haddad
O presidente do Banco Central reforçou que conversa "muito" com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e ao se referir a uma declaração do ministro que disse estar "absolutamente de acordo" com todas as decisões recentes do Comitê de Política Monetária (Copom).
Recentemente, Haddad declarou que o ciclo de alta da Selic, que sofreu mais um ajuste de 0,25 ponto porcentual na semana passada, para 15% ao ano, foi contratado pelo antecessor de Galípolo, Roberto Campos Neto, que foi indicado pelo então presidente Jair Bolsonaro.
"Do ponto de vista da fala do ministro Fernando Haddad, eu acho que eu já respondi isso em vários outros momentos. O Fernando e eu conversamos muito e trocamos muitas impressões e ideias mesmo. Estamos trabalhando muito, temos afinidade, e acho que talvez reflita aí um pouco desse diálogo e da compreensão do que está sendo o trabalho lado a lado", disse.
Galípolo voltou a comentar sobre a reunião de dezembro, quando Campos Neto ainda presidia o BC, mas Galípolo já era indicado como substituto e nesse encontro foram contratadas, além de uma alta de 1 ponto porcentual da Selic, mais duas sinalizações da mesma magnitude.
"O Roberto foi muito generoso, não só pelo fato de eu ter votado junto com todos os demais, mas naquele momento especificamente, já de transição, de como ele permitiu que eu tivesse o protagonismo maior no processo", lembrou.
Alta da Selic
O presidente do BC disse que as projeções do banco incorporam alguns dados do Focus, inclusive a curva de juros. Ele também reiterou que o foco da autoridade monetária é atingir o centro da meta de inflação.
"Existem vários caminhos para atingir o centro da meta, que é, obviamente, a meta. Nós somos completamente comprometidos com ela. Acho que nossas ações falam por si só, pelo tamanho da intensidade que tivemos do ajuste restritivo na política monetária feito nos últimos meses", disse.
Galípolo menciona que, quando o BC coloca em sua comunicação, na ata, que os efeitos da política monetária restritiva ainda estão por vir, trata-se de algo factual. Segundo ele, é preciso ser "bastante agnóstico, transparente" sobre o que a autoridade consegue prever e esperar.
"O juro que a economia está sentindo hoje não é o juro que está colocado no patamar da Selic, dado as defasagens e a velocidade e intensidade. Então isso justifica pausa (no ciclo de aperto), para entender se patamar de juros atual está suficientemente restritivo", acrescentou.
Conjunto de dados
De acordo com Galípolo, o BC olha para uma gama de indicadores para tomar suas decisões de política monetária, e não apenas um dado. Sobre a operação de swap reverso, anunciada esta semana, o presidente considerou que se tratou de uma atuação "pontual".
"Não existe um indicador específico. O Banco Central vai analisar um conjunto de indicadores, como a gente sempre vem analisando, e vai seguir fazendo essa análise de todo o conjunto de indicadores. Então, não há um indicador específico que vá produzir na gente uma reação mecânica, vamos chamar assim, para continuar analisando o conjunto de indicadores", afirmou.
Sobre a mudança de atuação no câmbio, Galípolo afirmou que o monitoramento desse mercado é uma constante pela autoridade monetária e que função de reação do BC é a mesma. "O que aconteceu esta semana foi uma questão totalmente pontual, isolada. A gente fica sempre observando os preços", disse.