Memórias Sentimentais de João Miramar: resumo da obra de Oswald de Andrade
Primeiro romance moderno da literatura brasileira privilegia técnicas de pintura como a colagem, a prosa telegráfica e a sátira à burguesia paulista
Oswald de Andrade (1890-1954), enfant terrible do modernismo brasileiro, bem que tentou seguir pela trilha da ficção realista tradicional, em que se valorizam elementos de descrição psicológica, na sua " Trilogia do Exílio", que se inicia em 1922, com " Os Condenados", e continua, em 1927 e 1934, com "A Estrela de Absinto" e "A Escada Vermelha". O problema dessas ficções, porém, é a caracterização dos personagens, em que se desenham "heróis tremendamente falsos, dum convencionalismo de folhetim", segundo o crítico Antonio Candido.
O escritor nunca foi bom na composição de personagens. O melhor de sua prosa esteve no modo como a aproximou, tanto nestas " Memórias Sentimentais de João Miramar" (1924) quanto em " Serafim Ponte Grande" (1933), das conquistas técnicas do modernismo, com o empréstimo de procedimentos típicos da poesia e da pintura. Oswald procurou construir uma prosa sem curvas, formada de ângulos retos, em que várias perspectivas desfilassem simultâneas diante do leitor. Para isso, aboliu muitos dos nexos discursivos, a pontuação costumeira, sobretudo entre os substantivos, e usou um estilo telegráfico, formado de frases curtas. Veja estes exemplos:
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60. Namoros
Vinham motivos como gafanhotos para eu e Célia comermos amoras e moitas de bocas.
Requeijões fartavam mesas de sequilhos.
Destinos calmos como vacas quietavam nos campos de sol parado. [...]
61. Casa da Parrarroxa
A noite
O sapo o cachorro o galo e o grilo
Triste tris-tris-tris-te
Uberaba aba-aba
Ataque aos relógios taque-taque
Saias gordas e cigarros
Os capítulos prosseguem assim, muito curtos também. Na verdade, nem mais capítulos, mas capítulos-relâmpago, capítulos-sensação, flashes. Por meio da colagem desses instantâneos, bastante visuais e quase fotográficos, o leitor vai formando a vaga noção de um enredo " a trajetória de um playboy endinheirado pelas várias etapas de sua vida: a infância, a adolescência, o namoro, o casamento, as escapadas, o desquite, o projeto literário, as dificuldades financeiras. Como para o futurismo (outro movimento de vanguarda que preconizava uma visão dinâmica da vida), o que interessa é a justaposição veloz dos signos. Claramente, a técnica se avizinha com os processos da poesia, principalmente aqueles veiculados nos manifestos Pau-Brasil e Antropofágico.
Outro elemento importante a ser destacado é a sátira que Oswald, por intermédio de João Miramar, empreende da burguesia paulista. Trata-se de um espicaçar bem-humorado da aristocracia cafeeira, a qual, a despeito da ironia ferina, não deixa de se enlevar pelo mundanismo e pela modernidade que o próprio dinheiro do café pôde proporcionar: esse era o dinheiro que sustentava muitos dos expoentes de nosso modernismo e que ajudou a financiar a célebre Semana de 22. No dizer de Mário de Andrade: "E é sátira que fixou com exatidão o ambiente paulista de nosso tempo, de modo especial o conflito quotidiano entre a [...] agilidade estrangeira e a estúpida moleza almofadada em sacas do paulista sem bandeiras".
Título: Memórias Sentimentais de João Miramar
Autor: Oswald de Andrade
Esse texto faz parte do especial "100 Livros Essenciais da Literatura Brasileira", publicado em 2009 pela revista Bravo!