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Rosa Luxemburgo contra o reformismo

Caso de revolucionária de origem judaico-polonesa serve de exemplo dos efeitos dramáticos que sofre um partido socialista

7 jan 2019 - 10h32
(atualizado às 10h36)
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“Foi na Alemanha que se operou primeiro a fusão do movimento operário com o socialismo; ... foi na Alemanha que a democracia socialista se implantou primeiro.” — Karl Kautsky: comentário ao programa do SPD de Erfurt, 1892.

Rosa Luxemburgo (1871-1919)
Rosa Luxemburgo (1871-1919)
Foto: Reprodução

Os partidos socialistas europeus, desde a sua fundação no século XIX, sempre oscilaram entre lutar por uma revolução social igualitária, pondo fim ao injusto mundo burguês, e a obrigação de conquistar posições políticas por meio de eleições. Presos entre os tumultos da revolução e comodismo do parlamentarismo. Seja como for, os social-democratas se sentiam obrigados a disputá-las na intenção de reverter as leis em favor de um benefício concreto para os trabalhadores e para os sindicatos. O caso de Rosa Luxemburgo, revolucionária de origem judaico-polonesa, assassinada em 1919, serve como perfeita exemplificação dos efeitos dramáticos que sofre um partido socialista ao ter que escolher o caminho da reforma ao invés da via revolucionária.

Rosa vs Edouard Berstein

Mal desembarcando em Berlim em maio de 1898, vinda de Varsóvia, onde nascera em 1871, Rosa Luxemburgo tratou de apresentar-se ao Partido Social-democrata Alemão (SPD), o maior e mais bem organizado partido socialista da Europa. Pequena, ativa, enérgica, carismática e inteligentíssima, Rosa logo revelou-se uma agitadora ímpar. Em pouco tempo apelidaram-na de Die Rotte Rose, Rosa “a vermelha”, não só devido a sua verve apaixonada mas também por seu temperamento harmonizar perfume e espinhos. Logo assumiu-se como uma grande tribuna da revolução social européia.

E. Bernstein (1850-1932)
E. Bernstein (1850-1932)
Foto: Reprodução

A sua origem judaica-polonesa não foi obstáculo para que ela galgasse altos postos na imprensa do partido socialista alemão. Rosa Luxemburgo não demorou em mergulhar fundo na polêmica que abalava os socialistas por ocasião daquela importante ano eleitoral. Entre 1897-8, Eduard Bernstein, um dos mais eminentes teóricos do partido, numa série de artigos controversos publicados no Die Neue Zeit, simplesmente propôs a revisão completa do marxismo. Para ele, era evidente que o progresso material do final do século XIX indicava que não haveria derrubada nenhuma do capitalismo, e que estava muito longe de dar-se a tal catástrofe do sistema burguês prevista por Marx anos atrás. Se é que tal desastre social ocorreria algum dia. 

A vida do trabalhador melhorara

Antes pelo contrário. Forrado em estatísticas e estudos monográficos da situação econômica e social dos países industrializados, especialmente sobre a Alemanha do IIº Reich, Bernstein concluiu que esperar por uma crise final, definitiva, acreditar na Teoria da Catástrofe Final de Marx, não passava de um novo mito, de uma fantasia de militantes radicais que servia apenas para criar uma falsa ilusão revolucionária entre as lideranças sindicais e os operários. Se, de fato, havia concentração de renda, nada indicava, diziam os estudos, que fatalmente iria ocorrer a perversa relação dialética que afirmava que a riqueza de alguns gerava a miséria dos restantes. O capitalista, ao acumular, promovia também o bem-estar dos trabalhadores. Bernstein nem mesmo acreditava que as massas estivessem dispostas a insurgir-se algum dia, de armas na mão, contra a ordem socio-política existente, como era crença comum nos meios social-democratas de então.

O mérito do movimento socialista, para ele, era apenas ético. Tratava-se de melhorar objetivamente as relações sociais e estabelecer um padrão de vida mais humano e digno para os operários e para a gente do campo dentro da ordem capitalista e burguesa. Os socialistas deviam contentar-se com a luta eleitoral-parlamentar, pois a tão desprezada democracia, dita “ burguesa”, além de ser “a grande lei geral do processo histórico geral”, era, para Bernstein, um instrumento extraordinário para promover a igualdade, e distribuir a renda com liberdade. Almejar a esperada revolução era apenas uma quimera.

As raízes sociais do reformismo

Rosa indignou-se com tais teses derrotistas. Aquilo tudo, para ela, nada mais era do que uma capitulação de parte da social-democracia alemã frente ao capitalismo e ao domínio burguês. A resposta que ela deu ao revisionismo surgiu publicada em setembro de 1898 no Leipziger Volkszeitung, com o título de Reforma social ou Revolução, abrindo assim a longa guerra civil ideológica dentro da organização que levou, vinte anos depois, à formação do Movimento Espartaquista e, em seguida, à fundação do Partido Comunista Alemão, inimigo dos social-democratas. Consideraram o texto de impecável erudição. O mínimo que ela chamou Bernstein foi de “oportunista”. Para Rosa, a idéia de que o socialismo não tinha nenhum fim em si, como advogou o defensor do reformismo, reduzia o movimento a ser uma espécie de filantropia política, algo assim como um assistencialismo moral aos trabalhadores e não a alavanca para que chegassem ao poder, mudando as relações sociais para sempre. Toda a mística de revolucionar a sociedade, de introduzir a igualdade social por meio da abolição da propriedade privada, resultado de um movimento espontâneo e saudável das massas destituídas, desapareceria em favor da luta eleitoral e do que ele chamava com desprezo de “cretinismo parlamentar”. 

O peso da máquina partidária

Rosa e Liebcknecht assassinados em 16 de janeiro de 1919
Rosa e Liebcknecht assassinados em 16 de janeiro de 1919
Foto: Reprodução

Como eximia marxista Rosa Luxemburgo não via na teoria revisionista apenas o resultado do desânimo pessoal, subjetivo, de Bernstein, frente as tarefas imensas exigidas pela história. Entendeu-a decorrente do peso cada vez maior exercido pelo aparato burocrático-partidário, da enorme e lerda máquina política formada por funcionários, sindicalistas, políticos parlamentares e administradores que o partido social-democrata dispunha, resultado do seu impressionante crescimento eleitoral (em 1890 os socialistas alemães atingiram a marca de um milhão e meio de votos, 100% a mais do que três anos antes, o que fez com que a via das urnas parecesse-lhes bem mais atrativa do que a via das armas). Além disso, a social-democracia alemã formara em todo o II Reich alemão um verdadeiro estado dentro do estado, editando os seus jornais, as suas revistas, mantendo as suas escolas e até dando-se o luxo de fundar uma Universidade do Trabalhador, onde Rosa Luxemburgo, Franz Mehring, e outros intelectuais, davam conferências e ministravam cursos de liderança. A conclusão extraída daquilo é que quanto maior tornava-se o partido, nas mãos de uma crescente burocracia, mais acomodado e pacifico ele ficava. Quem se arriscaria a perder tudo aquilo, toda influencia e poder amealhado ao longo daqueles anos de luta para lançar-se numa aventura revolucionária que teria poucas chances de sucesso? 

O sucesso histórico dos reformistas

O reformismo, porém, só foi inteiramente assumido pelos socialistas em 1921, quando o próprio Bernstein redigiu o Programa de Görlitz. Dois anos antes, em janeiro de 1919, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo foram assassinados por um pelotão de corpos-francos da direita após o fracasso do levante armado liderado pelo Spartakusbund, a organização dos espartaquistas, a facção de extrema esquerda da social-democracia alemã em Berlim. Crime político no qual os socialistas moderados estavam comprometidos por terem colocado os extremistas, seus antigos companheiros, como foras-da-lei, oferendo até prêmios em dinheiro para quem os capturasse ou mesmo os abatesse. Anos depois, divididos entre revolucionários e reformistas, os socialistas deixaram-se soterrar pela avalancha nazista em 1933. 

No pós-guerra, os militantes social-democratas que ficaram pelo lado leste da Alemanha foram engolidos pelos comunistas, formando o SED (O partido socialista unificado), que assumiu o controle sobre a RDA (República Democrática Alemã) enquanto que os que permaneceram no lado ocidental abandonaram oficialmente o marxismo no Grundsatzprogramm, as proposições fundamentais de Bad Godesberg, de 1959. 

Rosa Luxemburgo chamava depreciativamente de Die bonzen, os bonzos, os integrantes da máquina partidária da social-democracia, gente pragmática, eficiente mas acomodada, destituída dos vôos ideológicos que davam sabor especal ao socialismo. Foram eles , entretanto, (mesmo sendo a Alemanha Ocidental regida  pelos conservadores da CDU) que terminaram por modelar a Alemanha do após-2ª Guerra como um Estado de Bem-estar Social exemplar. 

Veja também:

Castelo de Hambach, um dos símbolos da democracia alemã:
Fonte: Especial para Terra
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