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Influenciador cresce como carreira, mas remuneração ainda é na base do brinde

Marcas oferecem parcerias e produtos como pagamento a marketing de influência; para quem recebe dinheiro, valores oscilam e não há regulação; professora vê risco de saturação do mercado

13 nov 2021 - 05h11
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Recebidos do dia, publis, parcerias, mimos. Os termos já fazem parte do vocabulário não apenas dos influenciadores digitais, mas também de quem costuma acompanhá-los nas redes sociais, afinal, não é novidade que o marketing de influência veio para ficar. De acordo com a pesquisa ROI e Influência 2021, realizada pela consultoria Youpix em parceria com a AlgoritmCOM, 94% das 94 empresas entrevistadas realizam ações remuneradas com influenciadores. No entanto, em meio a tantas ações e marcas, um tópico ainda segue mal explicado: a remuneração desse tipo de trabalho.

"Quando eu comecei, só aceitei o que veio. Saí do zero para ganhar alguma coisa, então estava feliz. Acho que muita gente começa dessa forma, fazendo muita permuta e coisas de graça", diz Ana Xisdê, especialista em games e criadora de conteúdo, que possui mais de 400 mil seguidores no Instagram e mais de 360 mil no TikTok. Para Ana, que trocou a carreira de pedagoga pelo mundo dos games, o lado influencer surgiu como uma extensão do trabalho como apresentadora, pois o público passou a segui-la nas redes.

Hoje, três anos após seu primeiro contrato profissional com uma marca, a criadora de conteúdo é agenciada por uma empresa, que fica responsável pela precificação e pelo contato com as marcas que conversam com o universo gamer.

"É muito ilusório acreditar que fazendo permuta você vai criar um relacionamento com a marca que eventualmente vai querer te pagar. Isso funciona muito bem na teoria, mas nunca vi funcionar na prática", diz ela, ressaltando que, apesar de válido para quem está começando, chega um momento em que é necessário negar trabalhos que oferecem apenas visibilidade ou permuta.

Para Leandro Bravo, fundador da Cely, startup de marketing de influência que conecta marcas e influenciadores, quando a proposta se baseia em permuta é importante que exista afinidade entre a oferta e o produtor de conteúdo. "O problema é que muitas marcas mandam produtos para pessoas aleatórias, e produtos que não têm a ver nem com a pessoa nem com o valor que ela cobra", comenta.

Bravo afirma que, quando as marcas chegam com esse tipo de proposta, ele busca negociar uma diversificação de pagamentos. "Tentamos dar um pouco de dinheiro para o influencer para ele entender que está sendo valorizado pela produção que está fazendo."

Apesar de existir uma grande diferença nos valores cobrados por influenciadores com maior e menor visibilidade, o fundador da Cely afirma que não usa a quantidade de seguidores como base para os cálculos. "Em linhas gerais, estimamos que um influencer com mais de 15 milhões de seguidores pode cobrar, em um único post, a partir de R$ 80 mil. Já um microinfluenciador que tem de 3 a 10 mil seguidores pode se encaixar numa faixa de R$ 500 a R$ 3 mil, por exemplo. Mas isso é bastante genérico e não pode ser usado como métrica."

Dinheiro extra nas redes sociais

Ainda que exista uma falsa sensação de que quem faz um post patrocinado ganha rios de dinheiro, a realidade não é bem assim. Nos bastidores, principalmente dos microinfluenciadores, é necessário ser criativo e original para sair do óbvio e conquistar seguidores. Muitas vezes, o objetivo não é viver da renda da publicidade, mas ganhar um dinheiro extra para ajudar nas contas do mês.

Esse é o caso da Flávia Akemi, publicitária e microinfluenciadora de 29 anos. Com pouco mais de 6 mil seguidores no Instagram, Flávia cria conteúdo para marcas na agência em que trabalha e passou a utilizar seu perfil pessoal para ganhar uma renda extra.

"Foi uma coisa meio natural para mim. Como já trabalhei como repórter de moda e beleza, é um assunto de que eu gostava muito de falar, então comecei a levar isso para o meu perfil. Acabou virando essa renda extra, mas não é o meu foco principal", afirma a publicitária.

Em relação às publicações pagas que faz, Flávia considera que sua experiência na área é essencial para saber como as coisas funcionam. "É muito doido porque não tem uma tabela de precificação, então às vezes você vê gente cobrando R$ 1 mil e gente cobrando R$ 20 mil (por um post), sendo que tem o mesmo número de seguidores", diz. Para ela, o pagamento em permuta é válido dependendo da situação, já que muitas propostas não fazem sentido e outras são interessantes.

Carlos Scappini, sócio da Mynd, agência especializada em marketing de influência e entretenimento, explica que a precificação de cada influenciador condiz com o posicionamento e a relevância do tema a ser abordado.

"O preço muda de acordo com a proposta de valor do influenciador, com a mensagem que a marca vai passar, com o tempo e a intensidade da campanha, se tem exclusividade no segmento ou não. É claro que o valor do post de uma influenciadora com 500 mil seguidores vai ser maior do que o de uma com 10 mil, mas não necessariamente vai ser 50 vezes maior."

Ainda segundo a pesquisa da Youpix, 82% das marcas consideram o alcance e o engajamento dos influenciadores na hora de mensurar a campanha. De acordo com Scappini, a Mynd, que é uma das maiores agências de influenciadores do País, cuida de toda a negociação comercial de seus clientes, desde a curadoria até o pós-venda. Para ele, se a marca não tem relação com o influencer, o valor negociado não importa tanto quanto o engajamento do público, que nesse caso será baixo.

Ainda sobre os valores, ele explicita que "não há regulação pelo lado financeiro (na publicidade brasileira), valendo a livre negociação entre as partes, porque estamos falando de pessoas físicas cobrando pela inserção de marca ou de conteúdos ligados à marca dentro de seus perfis pessoais."

Formada em Publicidade e Gastronomia, Lena Mattar começou a olhar profissionalmente para as redes sociais após começar a produzir sua newsletter gastronômica. Hoje, possui mais de 30 mil seguidores no Instagram, 15 mil assinantes na newsletter e trabalha com comunicação gastronômica para restaurantes e chefs de cozinha em São Paulo.

Ao contrário de muitos jovens que buscam alcançar o sucesso com milhares de seguidores, a produtora de conteúdo diz que nunca teve a intenção de ser influenciadora e que isso veio como consequência de sua profissão.

"O que eu faço é trabalhar com comunicação gastronômica, que é a minha expertise. A minha produção de conteúdo sempre vai se dar dentro do mundo da gastronomia", afirma. Assim como Flávia, Lena também considera a renda da publicidade como um extra e defende uma remuneração justa para os produtores de conteúdo.

Além disso, a comunicadora se preocupa com a qualidade do conteúdo que seus seguidores vão receber. "Eu tento respeitar muito as pessoas que escolheram me seguir, não quero que meu Instagram vire um almanaque de publicidade, acho muito chato. Quando sigo alguém, fico feliz se a pessoa começa a ganhar dinheiro produzindo conteúdo, mas acho que algumas pessoas às vezes perdem a mão na publicidade."

Risco de saturação do mercado

Quem concorda com essa ideia é a consultora de mídias sociais e professora da Esalq/USP, Liliane Ferrari. Segundo ela, as marcas foram atrás dos influenciadores porque as pessoas estão cansadas da publicidade mas, agora, corre-se o risco de saturar o mercado.

"As pessoas que são mais autênticas, que fazem aquilo com envolvimento, com um pouco mais de carinho, costumam ter mais resultados, então deveriam pensar em precificar a partir dos resultados", pontua.

Outra questão que a consultora levanta é a distorção que as pessoas fazem quando consideram que ser influenciador é uma carreira, ainda mais quando não diz respeito ao seu universo profissional. "Qual o objetivo de uma carreira? Desenvolver talentos, originalidades. Então, um ator que usa esse espaço para desenvolver a sua arte será acompanhado pelas pessoas porque tem alguma coisa interessante a dizer. O que a gente tem também é uma distorção de casos isolados que parecem ser a regra."

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Ainda em relação ao conteúdo que busca oferecer aos seus seguidores, Lena conta que só aceita trabalhos publicitários de marcas em que ela genuinamente acredita. Ela acrescenta que, mesmo sem depender dessa renda, se incomoda quando não há a compreensão de que a produção de conteúdo dá trabalho. "Isso é tempo de vida das pessoas que produziram um bom conteúdo, um conteúdo bonito, decente. Por mais publicitário que seja, dá trabalho, então as pessoas precisam ser remuneradas por isso."

A professora Liliane ressalta que, se os influenciadores querem viver disso, eles têm que receber dinheiro. "Não vai adiantar receber um pacote de biscoito, um pacote de sabão em pó, um perfume, uma coisa assim. É muito pouco perante o que ele está entregando", diz. Na visão dela, o valor agregado na comunidade que o produtor de conteúdo criou é muito maior do que o número de seguidores que ele possui.

Estadão
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