Este CEO trabalha desde os 9 anos, foi boia-fria e engraxate; conheça a trajetória do líder do Assaí
Belmiro Gomes diz adotar gestão versátil, costuma visitar locais públicos e conversar com as pessoas comuns para ouvir suas reclamações sobre o atacarejo
Aos 53 anos, Belmiro Gomes, CEO do Assaí, está prestes a completar 40 de carreira. Começou a trabalhar por necessidade familiar - o pai havia sido diagnosticado com uma grave doença. Ainda na infância, foi boia-fria, engraxate e vendedor de sorvetes. Hoje, a realidade é bem diferente, diz que segue na ativa porque gosta do que faz.
Ao Estadão, afirma se considerar "um carro novo com alta quilometragem". Para manter a longevidade profissional, adotou um estilo de gestão pouco convencional entre muitos CEOs: procura as más notícias e prefere estar cercado de pessoas que discordem dele.
A razão para a estratégia, segundo o executivo, é evitar o que considera ser o maior risco para um líder. "O poder pode ser um grande inimigo para quem chega a posições de liderança. Se você se isola, acaba vivendo a solidão do poder. E o poder pode ser muito solitário", afirma.
Outro hábito do CEO é buscar feedbacks informais de funcionários e clientes. Ele não se contenta com o primeiro "tudo bem" e costuma insistir até encontrar algum ponto de melhoria. Inclusive, antes mesmo desta entrevista começar, ele abordou o fotógrafo do jornal, Werther Santana, em busca de saber qual unidade do Assaí frequentava e se tinha alguma reclamação. E, claro, não aceitou um simples "tudo bem" como resposta.
Confira trechos da entrevista:
Como foi o início da sua carreira?
Nasci em Santo André (SP), mas fui para Maringá (PR) aos 9 anos. Meu pai desenvolveu uma doença imunológica rara. Trabalho desde os 9 anos de idade. Para conseguir pagar o material escolar na 4ª série, fui vender sorvete, pastel. Também fui engraxate.
Brinco que meu primeiro emprego foi bom porque a empresa me deu um carro para trabalhar e pagava 20% de comissão. Vendia sorvete na rua, na sorveteria Beija-Flor, em Maringá (PR).
A gente também comete erros e está sempre buscando aprimoramento nesse sentido. Mas o poder pode ser um grande inimigo para quem chega a posições de liderança. Se você se isola, acaba vivendo a solidão do poder. O poder pode ser muito solitário.
O que busca em um profissional que deseja crescer dentro da empresa? Há características que considera indispensáveis?
Tratamento humano, resiliência, não desistir no primeiro desafio, nem no segundo, nem no terceiro... Na realidade, não desistir nunca. Difícil? Vai ser, com certeza.
A autoavaliação é fundamental para entender se a insatisfação que você sente está realmente no outro ou em você. É a questão da sua percepção sobre si mesmo.
Em uma companhia, assim como na vida pessoal, você será casado, separado, promovido ou demitido com base na percepção que o outro tem de você. Não importa se você acredita estar certo. Claro, não dá para simplesmente aceitar tudo calado, mas é importante avaliar internamente.
Essa progressão não veio necessariamente de uma grande ambição. Foi muito mais no sentido de ser reconhecido pelo que eu fazia. Todo mundo quer ser reconhecido pelo seu esforço. O crescimento, assim como a evolução financeira, acabou sendo consequência do desejo de aprender mais, da curiosidade e da vontade de fazer melhor.
Você considera a resiliência uma das habilidades indispensáveis para um profissional. Como mantém a sua resiliência em meio às mudanças do mercado e da empresa?
Acho que isso também tem um pouco a ver com a minha origem e pelo fato de ter passado por um período difícil, onde os dias eram complicados e o futuro parecia muito tenebroso. Meu pai estava em uma situação muito difícil por causa do quadro de saúde, minha mãe precisou parar de trabalhar para apoiá-lo. Havia uma angústia de poder crescer.
Então, obviamente, isso traz uma bagagem e uma força que segue ao longo dos anos. A vontade de fazer mais, de aprender, de apoiar pessoas e de incentivar o crescimento.
Se eu olhar para boa parte da nossa diretoria, das pessoas que estão aqui, são pessoas que também têm uma trajetória muito similar. Meu VP de operações era office boy comigo lá em Maringá, estamos trabalhando juntos há 30 anos. Nossa diretora de Marketing era operadora de caixa no Atacadão da Vila Maria. Então, tento identificar pessoas que possam crescer.
Não que o objetivo principal seja promover a ascensão social. A ascensão social é consequência se a pessoa tiver as características certas.
Pensando nas discussões mais recentes do mercado de trabalho, a exemplo da jornada 6x1 e o modelo home office. Qual o seu posicionamento a respeito dessas pautas que ganharam mais holofotes nos últimos meses?
Acho que há uma evolução. A CLT precisa ser rediscutida. Chegou a hora dessa revisão, principalmente para as novas gerações, pois talvez já não seja tão aderente. É um tema polêmico. Hoje, você tem uma legislação que talvez nem atenda ao que as empresas querem, e nem ao que o trabalhador deseja.
Se tivéssemos mais flexibilidade para contratar por dia, por exemplo, ou para permitir o trabalho intermitente, com uma legislação menos pesada... Estamos falando de uma legislação da década de 50, o mundo mudou muito desde então. Por um lado, garantiu muitos direitos, mas também criou um custo muito alto para o registro formal.
A diferença entre o custo total de um funcionário e o que ele realmente recebe é muito grande quando você soma todos os encargos. O trabalhador não tem essa percepção. Por isso, muitas pessoas da nova geração preferem trabalhos que não exijam uma jornada fixa.
Mas está chegando o momento de rediscutir tudo isso, de criar contratos mais flexíveis, que permitam, por exemplo, contratar alguém apenas para trabalhar aos finais de semana.
Hoje, o regime é muito rígido, ainda corre o risco de enfrentar ações trabalhistas. É necessário rever isso, ouvindo diferentes setores da sociedade. Basta observar o quanto as pessoas preferem trabalhar como motoristas de Uber ou entregadores do iFood. Mesmo trabalhando bastante, às vezes 12 horas por dia, eles têm a liberdade de decidir: "Hoje não vou trabalhar, vou resolver algo pessoal."
Isso não é possível com o modelo atual. Então, acho que essa discussão precisa acontecer. É pertinente e já está na mesa. Mas não é simples nem fácil.
Pensando na vida pessoal, como você equilibra sua rotina de executivo?
É sempre um esforço. No fim das contas, a verdade é que você nunca consegue tirar nota 10 em tudo. Ao longo da vida, você vai passar com sete em todas as matérias.
Óbvio que a jornada toda acaba impactando muito a vida pessoal. O setor em que trabalho é muito intenso e exigente. Já passei por períodos em que trabalhei sábado e domingo. Hoje reservo o fim de semana para a vida pessoal.
Falta talvez um hobby melhor, mas atualmente tenho uma casa em Bragança (SP), perto da represa, onde gosto de navegar, andar de barco, jet ski.
Sou muito curioso com carros, tenho alguns antigos. Gosto de desmontar. Recentemente estava consertando o freio, desmontei tudo. Acho que distrai, tira um pouco do foco.
Durante a semana tenho tentado caminhar de duas a três vezes, mas confesso que posso estar com a nota 4 nisso. A intenção está sempre lá, mas nem sempre consigo.
Aos finais de semana, tento me desligar do celular. Claro, preciso manter o celular ligado, mas desativo as notificações. As pessoas sabem que, se for uma emergência, podem ligar. Caso contrário, evito ficar olhando o celular, porque a probabilidade de me dispersar é grande. De novo, é uma questão de cuidado.
Qual é o seu conselho profissional?
Talvez seja mais importante se preocupar menos com a meta a ser alcançada, ou seja, com chegar a qualquer custo, e muito mais com a forma de chegar lá. Saber lidar com pessoas, independentemente da sua competência técnica, é essencial.
Entender o ser humano, ouvir o ser humano, considerando obviamente os prós e os contras, acho que é indiscutível.
Buscar sempre aprimoramento e entendimento, cultivar a curiosidade e não ter medo de errar, de fazer movimentos que muitas vezes vão te trazer conhecimento, se você conseguir entregar resultados. E os resultados não se referem apenas ao ponto de vista financeiro - se você entregar, será recompensado.
Obviamente, você também precisa avaliar se o local onde está oferece caminhos. Por isso, insisto muito em dar caminhos, porque, se eu também não fornecer essas opções, as pessoas podem sair.
