Brasil tem quantos mestres e doutores? Busca por títulos cresceu em 20 anos
Levantamento de 2001 a 2021 feito pelo MEC e Capes aponta perfil dos mestrandos e doutorandos, na modalidade acadêmica e profissional
O Brasil teve um crescimento de 271% no seu número de doutores e de 210% no de mestres entre 2001 e 2021, mostra a pesquisa mais recente sobre a pós-graduação stricto sensu no País, desenvolvida pelo Ministério da Educação (MEC) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A ampliação e interiorização do número de programas ofertados, aliada ao aumento da escolaridade dos brasileiros no período e valorização desses títulos pelo mercado de trabalho, contribuíram para este cenário.
Os dados apontam que o maior crescimento se deu no número de programas de mestrado profissional, que cresceu impressionantes 2.700% no período, saltando de 30 para 811. Além disso, com um aumento de quase 300%, os programas de mestrado e doutorado acadêmicos foram os que mais ganharam espaço em números absolutos: foram de 800 programas em 2001 para 2.390 em 2021.
Outros dados relevantes da pesquisa mostram que a maioria dos mestres e doutores brasileiros ainda é branca (são 34,3 mil brancos, contra 14,8 mil pardos, 4,4 mil pretos e menos de mil amarelos e indígenas). Em contraponto, as mulheres têm ganhado espaço a cada ano e já superam com folga o número de homens: com título de mestrado, eram mais de 33 mil em 2021, ante 25 mil homens.
A ampliação das universidades federais e particulares pode ajudar a explicar o aumento, já que intensificou a demanda por professores universitários e abriu novos programas de pesquisa. “Eu vislumbrei essa possibilidade de mudança de realidade”, diz Emerson Faria, ex-aluno de baixa renda pelo Programa Universidade para Todos (Prouni) e atualmente professor pesquisador de Química na Universidade de Franca (Unifran), no interior de São Paulo.
“Eu só poderia continuar valorizando a educação que eu tive, na minha perspectiva, se eu seguisse na carreira de mestrado e doutorado”, afirma o professor, nascido em uma cidade no interior de Minas Gerais com cerca de 30 mil habitantes. “Hoje, já tenho uma vida muito melhor que a dos meus pais e consigo pagar uma escola de qualidade para os meus dois filhos. Então, foi uma possibilidade de mudança financeira”, diz.
Para além da área acadêmica, há necessidade cada vez maior de alinhar pesquisa científica ao desenvolvimento de produtos, serviços e conhecimentos específicos para negócios, o que justifica a ampliação da modalidade profissional. Foi o que levou Gabriel Vasconcellos, jornalista que atua com inovação e financiamento de startups, a optar pelo mestrado profissional em Gestão para Competitividade da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
“Era uma demanda profissional e eu não me via tão acadêmico, porque, apesar de gostar de dar aula, eu adoro estar no mercado”, diz Vasconcellos. “Nesse momento, com dez anos de formado, já com uma atuação mais consistente de prática de mercado, eu falei: acho que agora é o momento de me dedicar a estudar um pouco mais, a refletir sobre essa prática. E é isso que os pesquisadores estão fazendo, produzindo conhecimento. A ideia é que isso volte para as empresas como melhores práticas”, afirma.
Segundo Katia Jorge Ciuffi, pró-reitora de Pesquisa e Pós-graduação Stricto Sensu da Cruzeiro do Sul Educacional, de maneira geral, muitas empresas já procuram universidades para desenvolver parcerias e aumentar o número dos seus funcionários com mestrado e doutorado, tanto profissional, quanto acadêmico. “Nesse período de competitividade, as empresas estão vendo que inovar só se dá aliando a uma universidade, uma formação específica”, diz.
Mesmo assim, o presidente do Fórum Nacional de Pró-Reitoras e Pró-Reitores de Pesquisa de Pós-Graduação (FOPROP), Charles Morphy Santos, aponta que há um caminho longo a seguir até que o Brasil atinja patamares desejáveis. “Hoje, a gente tem um sistema de pós-graduação muito robusto e menos centralizado nas regiões Sul e no Sudeste, como era no início, mas ainda há espaço para crescimento, especialmente nas regiões mais interiorizadas”, afirma. “Existem lacunas em áreas importantes, como na de engenharias.”
Segundo o pró-reitor de Ensino, Pesquisa e Pós-Graduação da FGV e ex-membro do Conselho do Ministério da Educação, Antonio Freitas, o Brasil só vai conseguir superar essa insuficiência de mestres e doutores investindo na educação básica, desenvolvendo o interesse dos jovens em estudar. Além disso, defende que é preciso priorizar bolsas e recursos para cursos de pós-graduação nas áreas de maior demanda. “Um governo que quer dar bolsa para todo mundo, não atende a ninguém”, diz.
Perfil dos mestres e doutores no País
A maior parte dos mestres e doutores do Brasil estão em áreas multidisciplinares, ciências sociais aplicadas e ciências exatas e da terra. Já os com título em ciências biológicas, ciências agrárias e engenharias são em menor quantidade e correspondem a entre 5% e 13% do total de mestres profissionais, por exemplo.
Houve um aumento exponencial, no entanto, nos programas na área da ciência da saúde - em relação ao doutorado, este já é o setor com o maior número de programas. “Há uma demanda grande de contribuição em projetos de impacto na melhoria da saúde das pessoas”, diz Luciane Alarcão Dias-Melicio, presidente da Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
“No momento da pandemia, foram implementados editais específicos para seleção de alunos especificamente na área de covid, por exemplo”, diz Luciane. Além disso, em áreas como de enfermagem e fisioterapia, muitos profissionais buscam a especialização para conseguir progressão de cargo, que em parte das instituições de saúde só acontece via adição de título.
Qual a diferença do stricto sensu acadêmico para o profissional?
A pós-graduação stricto sensu, que embarca mestrado e doutorado, é qualquer uma que envolve uma pesquisa científica. A partir disso, pode ser profissional (mais focada no mercado) ou acadêmica (voltada para a academia, universidades).
“Quando foram criados os mestrados e doutorados profissionais, na época em que o Fernando Haddad era ministro da Educação, o objetivo era substituir os MBAs (programas de pós-graduação que não necessariamente envolvem pesquisa), mas obviamente não conseguiram“, explica o pró-reitor de Ensino, Pesquisa e Pós-Graduação da FGV, Antonio Freitas.
Para adquirir título de doutor, o pesquisador precisa desenvolver uma tese original, ou seja, um ponto de vista ou conhecimento relativamente novo àquela área de conhecimento. Já no mestrado, é demandada uma pesquisa mais aprofundada do que na iniciação científica, feita por graduandos, mas ela pode ser apenas uma análise sobre um saber já estabelecido.