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Cota de 15% para mulheres no Legislativo divide lideranças femininas

Tema é discutido na reforma eleitoral na Câmara; entidades citam risco de redução da presença de mulheres na política e propõem 30%

30 jun 2021 - 05h12
(atualizado às 10h50)
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A reserva de 15% das vagas no Legislativo para mulheres - proposta na reforma eleitoral em debate na Câmara dos Deputados - provocou um embate entre entidades da sociedade civil e lideranças feministas no Congresso. Movimentos que atuam para fortalecer a participação política das mulheres apontam o risco de retrocesso na representação feminina caso o texto seja aprovado. A reivindicação é pela ampliação dessa cota para pelo menos 30%.

O mínimo de 15% das cadeiras nas Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e na Câmara dos Deputados para mulheres está previsto no parecer da relatora da reforma eleitoral na Câmara, deputada Renata Abreu (Podemos-SP).

A ideia da relatora é ampliar progressivamente esse piso de 15%, que seria válido já nas eleições de 2022, para 17%, em 2024, e 20% em 2026. "Apresento o texto nas próximas semanas, antes do recesso parlamentar (em julho)", afirmou Renata, que também é presidente do Podemos.

A Frente pelo Avanço dos Direitos Políticos das Mulheres, formada por 135 entidades políticas, associações, ONGS, grupos de pesquisa e movimentos sociais, lançou um manifesto definindo a reserva mínima de 15% "como retrocesso por já ser a média atual". "Uma legislação de cota de assento só é aceitável se partir de 30%", disse Flávia Biroli, professora do Instituto de Ciência Política da UnB, reiterando os argumentos da Frente.

Nas eleições do ano passado, 900 municípios — do total de 5.570 — não elegeram nenhuma vereadora, embora as mulheres sejam 52% do eleitorado. Apesar do número elevado de cidades sem representação feminina, as mulheres ocupam atualmente 16% das cadeiras nas Câmaras Municipais; 15,2% nas Assembleias e 15% na Câmara dos Deputados.

A reserva de vagas para mulheres é comum em outros países. A experiência mundial, porém, adota cotas entre 30% e 40% para garantir uma "minoria crítica", ou seja, capaz de interferir de fato no rumo das decisões.

De acordo com as normas hoje em vigor no Brasil, os partidos são obrigados a destinar 5% do Fundo Partidário (espécie de "mesada" de verba pública para custear as despesas gerais das legendas) para incentivar a atuação das mulheres, além de 30% dos recursos do Fundo Eleitoral (previsto somente em ano de eleições) para candidatas mulheres. No ano passado, por exemplo, foram destinados R$ 2 bilhões aos partidos.

Nas eleições de 2018, as primeiras a valer já com a regra dos 30% do Fundo Eleitoral, foram 9.204 candidatas na disputa por cargos, mas apenas 290 foram eleitas no Executivo e Legislativo. Apesar de o Brasil estar entre os países mais desiguais no ranking internacional (mais informações nesta página), o resultado das eleições de 2018 representa um avanço de 52,6% em relação a 2014.

Essa evolução foi resultado direto da reserva de 30% para as campanhas femininas, avalia a cientista política Michelle Ferrati. Segundo ela, que também é diretora do Instituto Alziras, organização sem fins lucrativos voltada a ampliar e fortalecer a presença de mulheres na política e na gestão pública, à medida que se sugere criar um porcentual de reserva de cadeiras inferior a 30%, abre-se caminho para o questionamento em relação aos recursos para campanhas políticas.

Michelle Ferreti é mestre em Ciências Sociais pelo CPDA/UFRRJ.
Michelle Ferreti é mestre em Ciências Sociais pelo CPDA/UFRRJ.
Foto: Divulgação/Instituto Alziras / Estadão

"Os pequenos avanços conquistados mais recentemente em termos de ampliação da participação das mulheres em sua diversidade na política brasileira se devem ao acesso a mais recursos para as campanhas, tornando-as mais competitivas. Então, qualquer perspectiva de retrocesso a essa conquista tão recente, de 2018, é absolutamente preocupante", disse Michelle.

Na avaliação de Flávia, o debate em torno da reserva de cadeiras é uma reação dos partidos à cota de 30% de financiamento para as candidaturas femininas. "Estamos vendo uma situação de reação ao pouco que se avançou no incremento da nossa legislação de cotas."

Pragmatismo. "É claro que eu e a bancada feminina queremos o mínimo de 30%, mas é muito difícil aprovar essa proposta numa casa com 470 homens", afirmou a relatora Renata Abreu. "Ou vamos avançando progressivamente ou não vamos aprovar nada." De acordo com Renata, é impossível falar em retrocesso se, hoje, não existe, efetivamente, nenhuma cadeira reservada. "O que os homens mais querem aqui (na Câmara) é falar em mínimo de 30%. Isso só vai levar à rejeição de qualquer proposta de reserva", insistiu a relatora, destacando que a cota seria aplicada por Estado, permitindo avanços regionais também. Hoje, por exemplo, o Nordeste não alcança os 15%.

Independentemente do porcentual, a reserva de vagas em si não é consenso absoluto na bancada feminina. Para a deputada Adriana Ventura (Novo-SP), que faz parte da comissão especial que debate a reforma eleitoral, a reserva de assentos é uma afronta à soberania do voto. "A questão não é reservar cadeira, mas, sim, como a gente incentiva de forma prática as mulheres a participarem da política", afirmou Adriana.

Brasil fica entre os últimos na paridade de gênero na região

O Brasil está nas últimas posições na América Latina na paridade de gênero na política, ficando à frente somente do Paraguai - no Haiti, não havia um Parlamento funcionando em 1º de janeiro. Na comparação mundial, o País fica ao lado de nações como Arábia Saudita e Azerbaijão. Em junho, o Brasil passou a ocupar a 140.ª posição do ranking da União Interparlamentar que avalia a participação política de mulheres em 192 países.

"Do ponto de vista da importância das mulheres na sociedade brasileira, esses indicadores são vexatórios para o peso que o Brasil ocupa na geopolítica mundial", comentou a cientista política Flávia Biroli.

A busca pela paridade interna ainda é um desafio para os partidos políticos. Dados divulgados nesta semana pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que até maio, apesar de representarem 51,8% da população brasileira e mais de 52,8% do eleitorado total do País, as mulheres compõem uma fatia de 45,7% do total de filiados a partidos no Brasil. Em relação às candidaturas, segundo Flávia, os partidos políticos, com algumas exceções, "não apresentam uma prática de compromisso com a igualdade de gênero, com a participação política das mulheres e das pessoas negras".

Em termos proporcionais, as siglas com a maior representação feminina são o Partido da Mulher Brasileira (PMB), com 55,3% de filiadas, seguido pelo Republicanos, com 52,2%. Desses, apenas o segundo integra a lista dos dez maiores partidos em relação ao número de filiados no País.

Estadão
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