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Varíola dos macacos: a quem deve se destinar a vacina e como o País pode agir?

Ministério diz estar em negociação para aquisição do imunizante. Especialistas destacam que vacinação não deverá abranger toda a população

26 jul 2022 - 05h11
(atualizado às 07h57)
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Mulher com lesões provocadas pela varíola dos macacos
Mulher com lesões provocadas pela varíola dos macacos
Foto: Reuters

O processo de imunização contra a varíola dos macacos deve prezar pela agilidade, focar nos contactantes e ser acompanhando de uma ampla campanha de informação e treinamento, apontaram especialistas ouvidos pelo Estadão. O que os profissionais ponderam é que, ao contrário do cenário da covid-19, a vacinação em massa em um primeiro momento é algo que não deve ser exigido no combate ao avanço da doença, mas o País precisa correr para acessar as doses o quanto antes.

O governo federal informou nesta segunda-feira, 25, que negocia com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) a aquisição de, aproximadamente, 50 mil doses iniciais para o Brasil.

No último sábado, 23, a OMS decretou a varíola dos macacos como uma doença de emergência global. O alerta máximo foi acionado para que os países adotem ações coordenadas para combater os surtos da enfermidade que já somam, no mundo, mais de 16,8 mil contaminações notificadas em 74 países diferentes, segundo dados do Centro para Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês).

Para Gonzalo Vecina, médico sanitarista e docente da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), uma coisa é certa: "Não é preciso fazer campanha de vacinação em massa contra a monkeypox". Apesar disso, o especialista reforça que a prioridade, no momento, é proteger profissionais da saúde e também os contactantes, isto é, pessoas que tiveram contato com quem está contaminado com o vírus.

De acordo com dados do próprio Ministério, divulgados na última segunda-feira, 25, o País soma 813 pessoas contaminadas com a varíola dos macacos e 363 casos suspeitos que estão em investigação.

Vecina e demais especialistas explicam que a menor transmissibilidade, letalidade e a baixa capacidade de mutação do vírus monkeypox em novas variantes, por se tratar de um vírus DNA e não RNA como na covid-19, ajudam a evitar a necessidade de um programa de vacinação em larga escala. O que não significa que as ações não devam ser rápidas.

"Temos que avançar rapidamente nisso, como outros países. Precisamos retomar a confecção da vacina de varíola e colocá-la em grupos específicos. Mas, não acho que tenha que ser uma vacina para a população total, como é a covid-19", ponderou o médico Carlos Antônio Bandeira, coordenador do serviço de infectologia do Hospital Aeroporto, em Salvador (BA), e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

Bandeira concorda com Vecina. Para ele, a vacinação daqueles que estiveram em contato com as pessoas contaminadas não significa apenas a proteção contra a varíola dos macacos, mas também um freio no aumento de casos da doença. "A gente consegue reduzir o aparecimento de novos casos, fazendo uma extensa vacinação dos contactantes."

"Hoje, temos cerca de 600 casos no Brasil (o dado mais atualizado aponta 813 casos), se cada uma delas entrou em contato com dez pessoas, então temos hoje um total de 6 mil contactantes que devem ser vacinados, sem contar os casos subnotificados. Ou seja (o número) pode ser ainda muito maior", alertou o médico, que também é professor universitário no Centro Universitário UniFTC

Atualmente, não há vacina disponível que atue diretamente contra a varíola dos macacos. As que existem, e que já estão sendo usadas em alguns países pelo mundo contra o vírus monkeypox, como nos Estados Unidos, são imunizantes contra a varíola humana.

Essas medicações são produzidas por dois grupos farmacêuticos. Um deles é o Bavarian Nordic, da Dinamarca, que nesta segunda-feira recebeu aprovação da Comissão Europeia para usar o imunizante feito para combater a varíola humana, a Imvanex, contra a varíola dos macacos. A Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla em inglês), órgão que regula a política sanitária no continente, também já tinha autorizado a extensão do uso da vacina na última sexta-feira.

As autorizações foram concedidas pela semelhança entre os dois vírus, que pertencem à mesma família, a poxvirus.

O epidemiologista Jesem Orellana, pesquisador da Fiocruz Amazonas, segue na mesma linha de Bandeira e Vecina. "Certamente, precisaremos de uma vacina contra a monkeypox no Brasil, mas para grupos vulneráveis, e não como rotina na população geral", afirmou.

Contudo, ele entende que, a curto prazo, é importante que as autoridades adotem medidas de prevenção, como aperfeiçoamento no diagnóstico laboratorial de ponta em regiões mais vulneráveis, como na Amazônia e na região Nordeste do Brasil; e investimentos para campanhas de prevenção, treinamento de trabalhadores de saúde, além do rastreamento de casos confirmados e suspeitos em locais como aeroportos e rodoviárias.

"É necessário ter uma avaliação criteriosa da viabilidade de eventos em massa que geram contato próximo ou íntimo, como aqueles com viés mais "festivo", por exemplo", afirma o pesquisador da Fiocruz Amazonas.

Quem já tomou a vacina da varíola está seguro?

Desde o início da década de 80, depois que a varíola foi erradicada, que o Brasil não imuniza a sua população contra a doença. O que significa que uma grande parcela das pessoas, sobretudo os que estão abaixo da faixa dos 45 anos, não está protegida contra o vírus. E as que estão, segundo os especialistas, não se pode afirmar com certeza se o imunizante adquirido há décadas vai funcionar nos dias de hoje.

"Todo mundo que nasceu antes de 1980, provavelmente tomou a vacina. Não se sabe. É provável que elas tenham alguma proteção contra a varíola. Mas será que meu corpo tem essa lembrança imunológica?", questionou Vecina.

"A monkeypox é outra doença e não é correto assumir que ambas as doenças são igualmente combatidas pela vacina contra a varíola humana", diz Jesem Orellana. "Em teoria, a vacina contra a varíola humana confere algum grau de proteção contra a monkeypox, mas ainda há muitas dúvidas. O caso é que não há ensaios clínicos de fase 2 ou 3 mostrando a eficácia e a segurança de qualquer vacina contra varíola dos macacos em humanos.

Quais são os medicamentos indicados contra a varíola dos macacos?

Os especialistas ouvidos pelo Estadão afirmam também que existem pelo menos três antivirais que poderiam ser adquiridos pelo Brasil para ajudar no tratamento de pacientes diagnosticados com a varíola dos macacos. São eles: Tecovirimat, Cidofovir, e Brincidofovir.

"Isso é importante, principalmente, para as pessoas imunocomprometidas. O remédio cura", afirma Gonzalo Vecina, da USP. "Para os casos mais graves e que de pessoas que estão hospitalizadas, os remédios seriam importantes para melhorar o quadro clínico", diz o infectologia Renato Kfouri, da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm)

Os remédios, porém, não estão disponíveis para serem comercializados no Brasil porque não estão registrados e aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que inviabiliza uma importação direta dos medicamentos para o uso no País. "Precisa agilizar todo esse procedimento de registro do produto para conseguir importar e ter um estoque estratégico para situações específicas", explica Kfouri.

Quais são os tratamentos

Questionado pela reportagem se o governo estuda a possibilidade de importar essa medicação, o Ministério da Saúde não respondeu as perguntas até o fechamento da matéria.

No comunicado emitido nesta segunda que concentra informações e orientações sobre a varíola dos macacos, a pasta informa que o tratamento da doença se faz por "tratamento de suporte". "Geralmente, o paciente precisa de uma boa hidratação, se estiver com dor de cabeça tomar um remédio analgésico, se estiver com febre, tomar um antifebril e, fundamentalmente, a higienização das lesões."

Estadão
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