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Brasil tem 70 milhões de hectares de florestas em propriedades rurais sob ameaça de desmate

Perda vegetal pode levar País a emitir 5,8 bilhões de toneladas de gás carbônico, segundo mapeamento de especialistas

12 nov 2021 - 04h01
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BRASÍLIA - Uma área de floresta nativa que soma 70 milhões de hectares dentro de propriedades rurais, o equivalente ao território dos Estados de Minas Gerais e Pernambuco, está sob risco de ser desmatada para ampliação de produção agrícola e pastagem. Isso ocorre porque essa imensidão verde é um "excedente" das reservas legais de vegetação que cada propriedade rural, por lei, tem de manter intactas para a preservação ambiental. Por serem áreas que extrapolam os limites exigidos, são vulneráveis a pedidos para serem devastadas.

O mapeamento dessas áreas faz parte de um estudo de seis meses realizado por um grupo de nove especialistas ligados à Universidade de São Paulo, Universidade Federal de Minas Gerais, WWF-Brasil, Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e a organização não-governamental Trase, iniciativa da Global Canopy, do Reino Unido. A partir do cruzamento de uma série de dados oficiais de bases do governo, foi possível filtrar as florestas que hoje estão de pé, dentro de 1,1 milhão de estabelecimentos rurais, mas que podem vir abaixo por serem maiores que as reservas legais exigidas em lei.

Hoje, qualquer propriedade localizada no bioma Amazônia é obrigada a garantir a preservação de uma área de 80% de sua vegetação nativa. No Cerrado, Pantanal e Pampa, no entanto, essa exigência de preservação cai para 20%, chegando a, no máximo, 35%, nos casos em que esteja dentro dos nove Estados da Amazônia Legal.

Como a exigência da faixa de preservação é alta na Amazônia, a maior parte das áreas que poderiam, legalmente, ser requisitadas para desmate está concentrada nos demais biomas. A autorização do desmate dessas áreas é decidida pelas secretarias de meio ambiente de cada Estado do País.

O que preocupa os pesquisadores é que, em tese, trata-se de áreas passíveis de serem desmatadas, seguindo as leis atuais, ou seja, elas não entrariam no critério de desmatamento ilegal, como ocorre nos casos de avanços em florestas que são protegidas, como as unidades de conservação ambiental, que hoje somam 43% de todo o território da Amazônia.

"Temos de abrir os olhos sobre os efeitos disso. O desmatamento é a ponto do iceberg. Por trás dele estão problemas como a degradação ecológica, a pobreza, insegurança alimentar, a concentração de renda", diz o pesquisador Tiago Reis, da organização não governamental Trase na América do Sul.

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Os cálculos apontam que o Brasil poderia emitir 5,8 bilhões de toneladas de CO2 se ocorresse o "desmatamento legal" desses 70 milhões de hectares de vegetação nativa.

O fato é que, como admite o próprio governo federal, não é necessário abrir mais nenhum hectare de terra no Brasil para ampliar a produção agropecuária, que é, de longe, o maior causador do desmatamento no País. Um levantamento realizado pelo Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da Universidade Federal de Goiás aponta que o Brasil soma hoje 53,9 milhões hectares de áreas de pastagem com sinais de degradação severa. Trata-se de áreas abertas, mas que estão improdutivas e deveriam ser recuperadas para exploração do agronegócio. Ao todo, o País soma 167,7 milhões de área de pastagens e produção rural.

"Para que desmatar para ter mais pasto, se já há esse volume de terras já abertas? Além disso, é preciso lembrar que o Brasil tem hoje mecanismo legais para favorecer aquele que mais preserva. O código florestal permite que aquele com área maior de preservação possa receber compensação daquele que tem passivo ambiental e precisa cumprir a sua parte da defesa da floresta", comenta Tiago Reis.

Na avaliação dos especialistas, o ideal é que o país passe a defender, efetivamente, a ideia de desmatamento zero, seja este o ilegal ou aquele que vise explorar áreas como essas que se ligam às reservas legais. Esse é um conceito que já foi adotado em legislações de países importadores das commodities brasileiras, mas que ainda não faz parte da realidade nacional.

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Esta recomendação está alinhada ao principal padrão internacional para políticas de desmatamento zero, além da recém assinada Declaração de Florestas da COP-26 , apoiada por governos de mais de 100 países, incluindo o Brasil.

Dos 70 milhões de hectares em situação de risco, uma parcela de 3,25 milhões de hectares - onde estão armazenadas 152,8 milhões de toneladas de emissões potenciais de CO2 - corre sério risco de ser desmatada até 2025. Esse recorte deve-se ao fato de que essas áreas estão submetidas aos principais causadores do desmatamento, como expansão de área de pastagem, proximidade com grandes projetos de infraestrutura e centros urbanos e boas condições de solo e clima para a produção agropecuária. Dessa forma, a probabilidade de essas áreas serem legalmente convertidas até 2025 é alta.

Os biomas Pantanal e Pampa aparecem com o maior risco de perda de vegetação nativa proporcionalmente. Eles contam com menos áreas públicas protegidas, como unidades de conservação e terras indígenas. Também têm relativamente mais propriedades privadas do que a Amazônia, por exemplo.

Nos últimos anos, os principais países e blocos consumidores da produção brasileira, incluindo o Reino Unido e a União Europeia, têm definido medidas legais para combater o desmatamento relacionado às importações de commodities.

Estadão
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