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Diretor dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA pede fim das 'manferences'

Expressão se refere à presença maciça de homens em conferências científicas; pesquisador Francis Collins, que chefiou o projeto Genoma Humano, anunciou que não mais participará de eventos que não mostrem comprometimento com diversidade

13 jun 2019 - 18h13
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A palavra "cientista" não especifica gênero. No entanto, há eras - ou, pelo menos desde que as conferências e simpósios emergiram do caldo primordial acadêmico -, a maioria dos conferencistas e painelistas de destaque que falam sobre ciência tem sido de homens.

O fenômeno está documentado em muitos estudos e já gerou inúmeras expressões de deboche, como: manference (conferência de homens), himposium (simpósio 'deles'), manel (painel masculino). Muita gente vem tentando entender por que o cromossomo Y domina tanto o palco e defende que deveria haver mais participação do cromossomo X.

Agora, o esforço para se chegar a mais equilíbrio de gênero no setor ganhou um novo defensor de peso: Francis S. Collins, diretor dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), uma agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA.

Em declaração intitulada "É Hora de Pôr fim à Tradição do Manel", Collins, que chefiou o Projeto do Genoma Humano e dirige os NIH há um década, disse nesta quarta-feira, 12, que não falará mais em conferências que não mostrem um forte comprometimento com a diversificação na composição dos painéis.

"Quero mandar uma mensagem clara: é tempo de acabar com a tradição na ciência de painéis de debates constituídos só de homens", escreveu ele.

E acrescentou: "A começar de hoje quando receber convites para falar, espero que a composição dos conferencistas seja equilibrada. Se a inclusão não ficar evidente na agenda, não participarei. Conclamo outros cientistas do campo biomédico a fazerem o mesmo".

A declaração foi aplaudida por cientistas que há muito pedem a diversificação de palestrantes em conferências. "Fiquei espantada e feliz por ele ter feito tal anúncio", disse Yael Niv, uma neurocientista de Princeton, criadora do site biaswatchmeuro.com, que mapeia o equilíbrio de gênero entre palestrantes de conferências de neurociência e calcula a porcentagem de mulheres participantes.

"Estamos trabalhando nisso há anos é ótimo contar com uma figura de destaque, e homem, fazendo a mesma coisa", disse Niv. "As pessoas querem ver Collins em conferências - ele traz público. Então, se ele diz: 'Não falarei em sua conferência porque não considero a representação adequada', isso é muito positivo."

Alguns homens proeminentes no campo da ciência já atenderam ao chamado de Collins.

Jeremy Farrar, diretor do Wellcome Trust, uma importante organização global sem fins lucrativos no campo da saúde, disse que ele e outros do grupo "concordaram e assumiram o compromisso de se recusar a participar de painéis ou falar em eventos que não tiverem o mesmo comprometimento com o equilíbrio".

Em entrevista após sua declaração ser divulgada, Collins disse: "Certamente que homens brancos contribuem muito para as ciências biomédicas - eu sou um deles. Mas, ao mesmo tempo, há uma tendência a neglicienciar o fato de que muitos outros contribuem para as pesquisas".

Collins também se disse "profundamente preocupado com as crescentes evidências de que o assédio sexual tornou hostil para as mulheres o ambiente de trabalho na biomedicina". Em fevereiro, o NIH anunciou, após examinar acusações feitas em duas dezenas de instituições cujos cientistas recebem fundos da agência, que 14 pesquisadores de alto escalão foram substituídos e 21 foram demitidos ou sofreram punições de suas instituições. A agência também tomou medidas disciplinares contra 20 de seus próprios funcionários.

Niv disse que o problema do equilíbrio de gênero em conferências é frequentemente de falta de conscientização e empenho. Mesmo mulheres que organizam conferências nem sempre convidam mais mulheres para falar, disse ela. E assinalou que seu site começou em resposta a uma conferência organizada por duas mulheres que convidaram 22 homens e nenhuma mulher para participar.

Niv disse ainda que costuma enviar a organizadores de conferências listas de cientistas mulheres tão experientes e qualificadas quanto alguns dos cientistas homens convidados a falar.

Enquanto isso, Collins informou que, de agora em diante, sempre que for convidado a dar palestras vai dizer: "Quero saber exatamente como vocês vão tratar do problema da falta de inclusão. Por favor, me informem o que está sendo feito a respeito". E acrescentou que quer ver a lista final de participantes 30 dias antes do evento.

Collins disse que não vai estabelecer cotas de conferencistas mulheres nem exigir de outros cientistas do NIH que sigam seu exemplo, porque não quer "ninguém fazendo isso por ter sido forçado".

Ele admitiu ainda que em algumas áreas pode ser difícil reunir um número significativo de mulheres. "Serei bastante razoável sobre isso", afirmou, "mas quero ver todo mundo se esforçando." / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

Estadão
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