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Tenente: associar gays e fraqueza favorece discriminação

17 mai 2014 - 08h48
(atualizado às 08h51)
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Há seis anos, o tenente da reserva Mateus (nome fictício), 27 anos, conheceu a questão complexa que envolve a abordagem da homossexualidade nas Forças Armadas. No período em que serviu no Rio Grande do Sul, nenhum colega transpareceu ser gay, o que não o impediu de perceber a resistência em tratar do assunto de forma clara, mesmo que internamente.

“Há uma filosofia bastante forte de que o que acontece no quartel deve ser referente apenas ao quartel. Essa separação (vida pessoal e militar) é muito forte. Qualquer demonstração de afeto, seja homo ou heterossexual, não é permitida”, diz. Como exemplo, cita um caso que ocorreu no início de sua carreira: “Uma das primeiras coisas que o comandante nos disse foi: ‘o que vocês são lá fora não importa. Aqui dentro vocês vão ser o que a gente quiser’”.

Apesar de militares gays estarem buscando seus direitos através da Justiça e, por consequência, se expondo mais, o ambiente essencialmente heterossexual e masculino das bases contribui para que a orientação sexual permaneça em segredo na maioria dos casos, segundo Mateus. O medo de sofrer preconceito, de colegas e superiores, seria o principal motivo.

“O treinamento prega a rejeição à fraqueza, para formar combatentes de guerra ‘sem frescura’, como se diz. A associação do homossexual à feminilidade é muito forte na cabeça das pessoas, apesar de sabermos que não é bem assim”, conta.

Quanto a isso, em audiência no Senado em 2010, o atual ministro presidente do Superior Tribunal Militar, general Raymundo Nonato de Cerqueira Filho, declarou que as tropas não obedecem ao comando de homossexuais. Além disso, a vida militar exigiria determinadas características nas quais esses “indivíduos” poderiam não se adequar.

Outro ex-oficial gaúcho, que serviu em Porto Alegre entre os anos de 1989 e 1996, conta que não tomou conhecimento de casos de punição a gays por sua orientação sexual enquanto estava no Exército, mas relata constrangimentos sofridos por aqueles que se declaravam homossexuais. "O que existia muito, e deve existir até hoje, são trotes, aplicados dentro do próprio grupo (de subordinados), entre soldados. Nesse sentido, tinha uma coisa velada, de ‘escantear’, sacanear, às vezes com mais ênfase aquele que era gay, dando banho gelado no inverno, escondendo as roupas no campo (...) Como são muitos homens, passando muito tempo juntos, isso amplifica tanto as coisas boas, como a amizade, a camaradagem, quanto algumas coisas ruins, como atitudes como essas, de discriminação". O tenente da reserva lembra de um soldado gay que, quando ia preso, "apresentava-se no xadrez de calcinha vermelha, e era seguidamente rechaçado pelos colegas de cela".

Apesar da dificuldade de haver posições oficiais quanto ao tema, Mateus entende que as Forças Armadas são formadas por “microuniversos” – unidades, subunidades, pelotões, regimentos –, que são comandados por diferentes tipos de pessoas. “Um tenente de cabeça mais aberta pode permitir certa liberdade de ação em seu pelotão. Assim como pode haver outros que podem reprimir abertamente sua tropa”, diz.

Ainda assim, considera que em ambos os casos há limites. “Se muito reprimido, o subordinado pode ir a público. Se houver muita abertura (pelo comando) – e ela for contra as diretrizes superiores – pode ser considerada uma quebra de hierarquia. É um processo complexo que, de certa forma, contribui para o assunto ser tratado com discrição”, relata.

O que diz o Ministério da Defesa 

Questionado pelo Terra se relacionamentos entre militares homossexuais são permitidos, o Ministério da Defesa afirmou, por e-mail, que, dentro das instalações, a conduta deve ser seguida da mesma forma por ambos os sexos, conforme normas e estatutos estabelecidos. Além disso, as normas administrativas internas não estabeleceriam diferenciação de tratamento quanto a obrigações e prerrogativas.

Quanto às ações judiciais que visam à inclusão de companheiros como dependentes de militares gays, movidas pela ausência de direito claro no Estatuto dos Militares, se limitou a dizer que o cadastro de dependentes de qualquer sexo está previsto para casos de união estável, conforme a legislação civil brasileira. Não esclareceu, por fim, como atitudes homofóbicas são repreendidas em meio ao exercício militar.

Organização italiana reúne militares gays 

Criada em 2005, a organização italiana Polis Aperta (Cidade Aberta) decidiu intervir contra a discriminação de policiais e militares homossexuais. De acordo com ela, havia – e ainda há – preconceito de que essas pessoas deveriam esconder sua orientação sexual, sobretudo na Polícia e Forças Armadas.

“A política do ‘don’t ask, don’t tell’ (não pergunte, não conte) existe na Itália e ainda é difundida. Há generais e políticos que se posicionaram contra os oficiais gays, enquanto que outros disseram que há discriminação contra as suas carreiras militares, ainda que sejam toleradas”.

A criação da Polis Aperta, no entanto, contribui para a aceitação da maioria dos italianos ao exercício militar por homossexuais, de acordo com a entidade. “Hoje se observa uma grande aceitação da população LGBT, e isso também se aplica à Polícia e às Forças Armadas”.

A política “don’t ask, don’t tell” se refere à proibição, nos Estados Unidos, de militares americanos se declararem homossexuais. A lei responsável pela restrição foi revogada em 2010, com assinatura do presidente Barack Obama.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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