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Política

Tensão Brasil-EUA por espionagem será superada pois há muito em jogo

6 set 2013 - 21h04
(atualizado às 23h38)
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<p>Dilma Rousseff conversa com Barack Obama na chegada de ambos para a foto oficial dos chefes de Estado do G20, em São Petersburgo, onde se reuniram a sós</p>
Dilma Rousseff conversa com Barack Obama na chegada de ambos para a foto oficial dos chefes de Estado do G20, em São Petersburgo, onde se reuniram a sós
Foto: Grigory Dukor / Reuters

A tensão pelas denúncias de espionagem dos Estados Unidos sobre o Brasil, a maior desde 2010, quando Brasília tentou servir de mediador com o Irã sobre seu programa nuclear, será superada porque ambos têm muito em jogo. É o que afirmam analistas consultados pela AFP. "A maior tensão foi a crise com o Irã", disse Rubens Barbosa, ex-embaixador brasileiro em Washington, referindo-se à tentativa de mediação realizada junto com a Turquia pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). A iniciativa foi rejeitada por EUA e Europa.

"Isto não é uma crise, vai se resolver. É uma divergência que será superada (...) A espionagem existe na França, na Inglaterra, na China (...) Todo o mundo espiona todo o mundo", acrescentou.

A presidente Dilma Rousseff, que deve realizar uma visita de Estado a Washington em 23 de outubro, disse nesta sexta que está "indignada" com as "gravíssimas" denúncias de que os EUA espionaram suas comunicações, as de vários de seus assessores e de milhões de cidadãos brasileiros. Ela disse que pode não ir ao país caso não haja desculpas formais americanas.

As denúncias se baseiam em documentos vazados pelo ex-consultor de inteligência da NSA, o americano Edward Snowden, ao repórter do jornal britânico The Guardian Glenn Greenwald, que vive no Rio de Janeiro. Snowden obteve asilo temporário de um ano na Rússia.

Obama se reuniu com Dilma, em paralelo à cúpula do G20, em São Petersburgo, na Rússia. O presidente dos EUA garantiu que leva as denúncias "muito a sério" e que Dilma terá uma resposta na quarta-feira.

"O que irritou muito a Dilma foram as revelações de que ela era vigiada, mas, se Obama entrega por via diplomática uma resposta considerada adequada, a visita de outubro continuará de pé", comentou o analista político David Fleischer, da Universidade de Brasília. Uma missão técnica preparatória para a visita de Dilma aos EUA já foi cancelada.

Para o ex-presidente Lula, Obama deve pedir desculpas. "A resposta americana não pode ser via diplomacia, porque a espionagem não foi via diplomacia. Cabe a Obama, humildemente, pedir desculpas à presidente Dilma e ao Brasil", declarou Lula, na quinta-feira, acrescentando que "os Estados Unidos não foram designados para ser o xerife do mundo, ninguém pediu".

Segundo o diplomata Rubens Barbosa, Dilma "fará como fizeram todos os países da Europa: protestaram muito e, depois, acomodaram para defender seus interesses".

Um documento vazado por Snowden e divulgado pela TV Globo revela que, entre os desafios dos EUA para o período 2014-2019, aparece o surgimento de Brasil e Turquia no cenário global como um "risco" para a "estabilidade regional". Brasil e México, cujo presidente Enrique Peña Nieto também teria sido espionado antes de assumir, aparecem num grupo de países - junto com Egito, Índia, Irã e Turquia - que a diplomacia americana não sabe em qual categoria classificar: "amigo, inimigo, ou problema".

O Brasil, que aspira a um posto permanente num Conselho de Segurança da ONU reformado, ergueu-se como líder regional, aproveitando uma tendência cada vez mais forte na América Latina de autonomia em relação aos EUA. Este, por sua vez, diminuiu seu interesse pela região. Nesse quadro, o Brasil impulsionou a criação de organismos como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), ou a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), nas quais Washington foi deixada de fora.

Brasil e EUA tiveram relações cordiais, mas distantes durante o governo Lula, que não chegou a ser convidado para uma visita de Estado a Washington. Já o governo de Dilma se mostrou, na avaliação dos especialistas, menos ideológico e mais pragmático do que o de seu antecessor.

"São dois países grandes, com muito a ganhar" de uma boa relação bilateral, do ponto de vista comercial, de investimentos e tecnológico, disse Barbosa, que acredita que a visita de Dilma aos EUA será mantida. Hoje, os EUA são o segundo sócio comercial do Brasil, atrás da China, que assumiu o primeiro lugar em 2010.

Segundo o especialista em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) Christian Lohbauer, Dilma está "superdimensionando" a espionagem para ganhar apoio político, após a perda de popularidade sofrida com os maciços protestos nas ruas, em junho. "Os americanos erraram. Ponto", afirmou. Ainda assim, Dilma "exagera um pouco", já que, "com toda franqueza, não há nada para espionar no Brasil" e, por isso, "o País não tem um controle das suas comunicações", completou Lohbauer.

"Não é um tema para romper relações diplomáticas. (Dilma) usa isso para ganhar popularidade e coesão interna", insistiu o analista. 

Espionagem americana no Brasil

Matéria do jornal O Globo de 6 de julho denunciou que brasileiros, pessoas em trânsito pelo Brasil e também empresas podem ter sido espionados pela Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (National Security Agency - NSA, na sigla em inglês), que virou alvo de polêmicas após denúncias do ex-técnico da inteligência americana Edward Snowden. A NSA teria utilizado um programa chamado Fairview, em parceria com uma empresa de telefonia americana, que fornece dados de redes de comunicação ao governo do país. Com relações comerciais com empresas de diversos países, a empresa oferece também informações sobre usuários de redes de comunicação de outras nações, ampliando o alcance da espionagem da inteligência do governo dos EUA.

Ainda segundo o jornal, uma das estações de espionagem utilizadas por agentes da NSA, em parceria com a Agência Central de Inteligência (CIA) funcionou em Brasília, pelo menos até 2002. Outros documentos apontam que escritórios da Embaixada do Brasil em Washington e da missão brasileira nas Nações Unidas, em Nova York, teriam sido alvos da agência.

Logo após a denúncia, a diplomacia brasileira cobrou explicações do governo americano. O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, afirmou que o País reagiu com “preocupação” ao caso.

O embaixador dos Estados Unidos, Thomas Shannon negou que o governo americano colete dados em território brasileiro e afirmou também que não houve a cooperação de empresas brasileiras com o serviço secreto americano.

Por conta do caso, o governo brasileiro determinou que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) verifique se empresas de telecomunicações sediadas no País violaram o sigilo de dados e de comunicação telefônica. A Polícia Federal também instaurou inquérito para apurar as informações sobre o caso.

Após as revelações, a ministra responsável pela articulação política do governo, Ideli Salvatti (Relações Institucionais), afirmou que vai pedir urgência na aprovação do marco civil da internet. O projeto tramita no Congresso Nacional desde 2011 e hoje está em apreciação pela Câmara dos Deputados.

AFP Todos os direitos de reprodução e representação reservados. 
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