Autoexílio, duas fugas e ex-presidente preso: políticos enfrentam problemas judiciais
Ao Terra, especialistas avaliam que situação de políticos 'enroscados' na Justiça é consequência do fortalecimento da democracia
O Brasil enfrenta um momento de impacto político com a prisão de um ex-presidente, autoexílio e fuga de parlamentares. Para especialistas, isso é um reflexo do amadurecimento democrático e da cobrança popular contra a impunidade.
O ano de 2025 termina com dois deputados federais fugindo para o exterior, um ex-presidente preso – o 4º desde a redemocratização – e um parlamentar em autoexílio. Para especialistas consultados pelo Terra, esse cenário é reflexo da democracia frágil do país, ao mesmo tempo em que certa parte da população entendeu que é preciso que os políticos paguem por seus erros.
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Para o cientista político Gustavo Menon, professor na Universidade Católica de Brasília (UCB) e no Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (PROLAM-USP), esse cenário mostra que o Brasil ainda tem uma "democracia bastante frágil e de baixa intensidade". Ele cita como exemplo o processo de articulação do processo de anistia na época da ditadura militar, em que houve uma série de flexibilizações que repercutem até os dias de hoje, e mexem com a nossa estrutura política.
Quem são os políticos com problemas judiciais?
- Jair Bolsonaro (PL): condenado a 27 anos e três meses de prisão pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado;
- Carla Zambelli (PL-SP): condenada a 10 anos de prisão pela invasão de sistemas e pela adulteração de documentos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); também foi condenada a 5 anos e 3 meses de prisão por porte ilegal de arma de fogo e constrangimento ilegal;
- Alexandre Ramagem (PL- RJ): condenado a 16 anos, um mês e 15 dias por organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado;
- Eduardo Bolsonaro (PL-SP): investigado por coação no curso do processo que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro pela tentativa de golpe. Ele teria pressionado o Supremo Tribunal Federal por meio da articulação de sanções do governo Donald Trump ao Brasil.
Em todos esses casos, o mesmo cargo que deu poder e os holofotes para esses políticos também revelou ou até mesmo trouxe problemas com a Justiça. Alguns desses personagens chegaram a ser presos, como o caso do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e da agora ex-deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) -- ela renunciou ao cargo em meados de dezembro.
Outros condenados e investigados
No mesmo processo do ex-presidente, o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e o agora ex-deputado federal Alexandre Ramagem (cassado em 18 de dezembro) foi sentenciado a 16 anos de detenção, além da perda do mandato. No entanto, antes mesmo de começar a cumprir a pena, ele deixou o País ilegalmente e foi para os Estados Unidos, onde está desde setembro. Ele é considerado foragido.
Ele não é o único a tentar escapar da prisão. Carla Zambelli (PL-SP) também rumou para fora do Brasil, em junho, buscando fugir da condenação de dez anos de prisão pela invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Também ficou determinado que ela perderia o cargo na Câmara dos Deputados. A parlamentar foi presa na Itália, em 29 de julho, e aguarda para saber se vai ser extraditada.
Já Eduardo Bolsonaro (PL-SP) é o único da lista que não possui condenação ou determinação de prisão, pelo menos não até o momento. Ele está em autoexílio nos Estados Unidos e responde a processo por atuar junto ao governo estrangeiro para forçar a aprovação da anistia às penas dos envolvidos nos atos do 8 de janeiro, nas sedes dos Três Poderes, incluindo os condenados pela trama golpista, como seu pai. Ele foi cassado no último dia 18 por causa das faltas.
Todos eles tiveram os holofotes voltados para si, em partes por causa de Bolsonaro, mas também porque o interesse da população parece ter mudado. Se antes quem estava no comando do Executivo era quem tinha a atenção, como a figura mais importante do Estado, agora, essa atenção é dividida com outros protagonistas, conforme aponta o cientísta político José Álvaro Moisés, professor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP).
“Agora, eu acho que começa a haver uma preocupação que se expande, no sentido de perceber que a qualidade dos representantes tem que mudar. O acesso à justiça é muito limitado nos mais pobres que só conseguem se defender aqueles que têm advogados caros. Então, todas essas coisas, de alguma maneira, acho que são consequências desses fatos que levaram esses políticos a chegarem ao ponto em que chegaram”, alega.
Como essas prisões e investigações impactam a nossa política
O professor atribui a condenação deles, por exemplo, a setores da população que amadureceram ao longo dos anos para a ideia de que a impunidade é um obstáculo, não só para a democracia, mas também para o desenvolvimento econômico e social. E que, portanto, pressionaram para que a tradição histórica de impunidade não seguisse.
“Eu sustento a hipótese de que foi havendo um progressivo amadurecimento de um aspecto da cultura política dos brasileiros, no sentido de maior exigência, maior cobrança da expectativa que os eleitores têm dos políticos, das lideranças políticas, e, ao mesmo tempo, uma indignação, uma não aceitação mais dos episódios de impunidade”, cita ao mencionar a ditadura militar e esquemas de corrupção como o Mensalão e Petrolão, com PT e PL envolvidos.
A exigência de punir aqueles que lesam a Pátria foi o que levou Bolsonaro à condenação de 27 anos e três meses de prisão pela trama golpista. Esta é a primeira vez na história do Brasil que um ex-chefe de Estado é condenado por crimes dessa natureza.
“É a primeira vez na história em que, portanto, você tem um passo na direção de aceitar, transformar, incluir a noção de que o império da lei é fundamental para uma sociedade que quer viver livre, segura, sem conflitos e, de alguma maneira, punindo quem quer que seja independente do seu poder quando cometem crimes contra a sociedade como um todo", explica Álvaro Moisés.
Ao mesmo tempo em que temos políticos presos por atos ilícitos dentro do País e uma tentativa de fortalecer a democracia brasileira, fica o questionamento: todos esses casos, atuais ou antigos, podem levar a população ao descrédito com relação à política?
Menon acredita que não. Para a resposta, ele usa como exemplo o julgamento da trama golpista – assim como o professor Álvaro Moisés –, apontando uma tentativa de maturidade da frágil e incipiente democracia brasileira.
“Ouso dizer que, nesse momento, nós damos uma lição de democracia com independência dos poderes, com a plena separação desses poderes, onde não houve sequer uma tentativa do governo em tentar, digamos, interferir no devido processo legal”, salienta.
Ao ser questionado sobre os ânimos do próximo pleito, com os políticos mencionados presos, e Eduardo fora do país, ele aponta para um discurso radicalizado da extrema-direita, como já acontece há alguns anos. E isso ocorrerá não só com relação à campanha presidencial, mas também com relação à renovação do Congresso Nacional e na correlação de forças do Senado Federal.
Esse eixo, conforme o especialista, deve colocar em xeque e rechaçar o sistema judicial do país, já que, para muitos desses atores, há uma perseguição, uma supremocracia vigente. Portanto, é de se esperar que tensionem o sistema judicial durante a campanha, trazendo a pauta para áreas de sua maior afinidade e condenando as iniciativas e projetos do atual governo.
"Acredito que será uma eleição extremamente disputada e com essa tendência de acirramento dessa conjuntura de cruzamento de crise”, finaliza.