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Polícia

Prisão de morador de rua nos protestos completa um ano

20 jun 2014 - 19h11
(atualizado às 20h28)
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Preso durante protesto no Rio de Janeiro em 2013, Rafael Braga Vieira diz que não participou de manifestações
Preso durante protesto no Rio de Janeiro em 2013, Rafael Braga Vieira diz que não participou de manifestações
Foto: Daniel Ramalho / Terra

Rafael Braga Vieira, de 25 anos, completa nesta sexta-feira um ano de prisão. Até hoje, ele é a única pessoa julgada e condenada por crime relacionado a protestos no Brasil. Vieira é negro, morava na rua e usava crack.

Sua detenção ocorreu após a manifestação do dia 20 de junho de 2013, quando milhares de pessoas tomaram o centro do Rio de Janeiro no embalo dos protestos contra o aumento das passagens de ônibus.

Ele levava consigo duas garrafas de produtos de limpeza - água sanitária e desinfetante Pinho Sol - consideradas "artefato explosivo ou incendiário" pela polícia e pelo juiz responsável pelo caso.

Ele afirma que não participava do protesto e não tinha relação com os manifestantes.

De acordo com sua sentença, ele deve cumprir ainda mais quatro anos no presídio de Bangu 5, no Rio de Janeiro, onde divide cela com outros 70 detentos. Por dia, tem direito a duas horas de sol no pátio da prisão.

Procurado, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, responsável pelo caso, não respondeu aos chamados da BBC Brasil por telefone e e-mail.

A Polícia Militar do Estado, em nota, informou que "está presente em toda e qualquer manifestação garantindo o direito constitucional. Se houver atos de vandalismo, dano ao patrimônio público ou qualquer ação criminosa, as pessoas serão detidas e conduzidas para as delegacias".

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'Moleque'

Em seu depoimento, Vieira disse que estava a caminho de encontrar uma tia quando teria sido abordado por dez policiais. A abordagem, segundo ele, teria ocorrido assim:

"Vêm cá, ô moleque"

"Aí neguinho... ô moleque. O que você tem aí?"

"Ah, cara, você tá com coquetel molotov?"

"Você tá ferrado, neguinho".

Vieira diz ter respondido que não sabia o que era coquetel molotov. Na sequência, afirma ter sido agredido no estacionamento da delegacia.

A história é narrada no relatório "Proteção do direito de protesto no Brasil", divulgado pela Anistia Internacional.

Agora, a ONG decidiu usar o caso do jovem como símbolo para uma campanha, compartilhando nas redes sociais sua foto, junto à hashtag #ProtestoNãoÉCrime!.

Junto a elas, são divulgadas imagens de outros possíveis abusos policiais e links para o relatório "Eles usam a tática do medo - Proteção ao Direito de Protesto no Brasil".

'Semi-aberto'

Renata Nader, assessora de direitos humanos da Anistia Internacional e uma das criadoras da campanha, esteve com Vieira em abril deste ano.

"Ele passa 22 horas por dia dentro de uma cela com outras 70 pessoas. Como ele foi atendido inicialmente pela Defensoria Pública, que tem muitas demandas, não conseguiram provar sua inocência. Agora, nosso trabalho é reverter essa condenação e mostrar a injustiça cometida contra esse rapaz", afirma.

O advogado Carlos Eduardo Martins, do Instituto de Defensores de Direitos Humanos, acompanha o caso de perto.

"A decisão de transferir o Rafael para o regime semi-aberto acaba de ser proferida", afirma.

"Mas ainda há percalços burocráticos. É importante deixar claro que conseguir o regime semi-aberto não significa que ele irá para a rua."

Trabalho ou estudo

Para passar o dia fora de Bangu 5, Vieira precisa conseguir uma bolsa de estudos ou um emprego.

"Queremos viabilizar um curso técnico ou um trabalho para que ele consiga o beneficio do regime semi-aberto. Paralelamente, temos que apressar o julgamento da apelação", diz Martins

Os advogados querem reverter a decisão num novo julgamento.

"A perícia foi inconclusiva. Precisamos que ela seja refeita. O laudo fala em ínfima possibilidade de o material apreendido funcionar como coquetel molotov."

Segundo Martins, o judiciário interpretou os termos "ínfima" e "mínima" como "sim, o material serve como explosivo".

"O resultado não foi claro e criou-se uma brecha para considerá-lo culpado. O caso é de uma tremenda injustiça e uma ilegalidade sob todos os aspectos", diz o advogado.

Reincindência

Martins afirma que o fato de Vieira ser considerado reincidente foi um catalizador para a prisão de "um homem pobre, morador de rua, como bode expiatório".

"Ele havia cometido dois roubos sem arma de fogo. Foram praticamente furtos. Ele tem problemas com drogas, tem uma vida extremamente precária e não pode ser penalizado por isso."

Segundo o advogado,. Vieira "não tinha nenhuma relação com qualquer manifestação", havia cumprido as penas anteriores e estava solto em liberdade condicional, faltando "pouquíssimo tempo para a prescrição".

Para Martins, por não haver se passado cinco anos desde sua liberdade, ele foi considerado reincidente e preso novamente.

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