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Polícia

Polícia Civil faz operação surpresa na Cracolândia; moradores relatam excesso

Moradores e dependentes químicos relataram uso de gás lacrimogêneo, balas de borracha e spray de pimenta contra usuários; polícia informou que ação foi de rotina

23 jan 2014 - 18h52
(atualizado às 23h31)
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De acordo com dois dependentes químicos, os policiais abordaram parte dos frequentadores da Cracolândia exigindo que deitassem ao chão e colocassem as mãos na cabeça
De acordo com dois dependentes químicos, os policiais abordaram parte dos frequentadores da Cracolândia exigindo que deitassem ao chão e colocassem as mãos na cabeça
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra

Moradores e usuários de crack da rua Barão de Piracicaba, na região da Cracolândia, em São Paulo, relataram suposto uso excessivo de força por parte da Polícia Civil na tarde desta quinta-feira. 

Em entrevista ao Terra, sob condição de anonimato, eles disseram que ao menos 10 viaturas da Polícia Civil chegaram ao local por volta das 15h, utilizaram balas de borracha, spray de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo durante a abordagem.

Uma moradora relatou ter visto uma usuária de crack sair ferida durante a ação. "Moro aqui há nove anos e os dependentes nunca me fizeram mal. Hoje a polícia chegou dando tiros e usando bombas. Corri para dentro de casa, para me esconder. Tive mais medo da polícia do que dos usuários", relatou.

De acordo com dois dependentes químicos, os policiais abordaram parte dos frequentadores da Cracolândia exigindo que deitassem ao chão e colocassem as mãos na cabeça.

"Soltaram bombas; teve muito tiro. Deitaram a gente com a mão na cabeça aqui na calçada", disse uma usuária de crack de 40 anos, há seis anos na Cracolândia. "Jogaram spray de pimenta na nossa cara. A bomba comeu solta: parecia o duende verde do Homem Aranha", completou um rapaz de 19 anos, há três meses na Cracolândia.

Outros moradores da região também se disseram amedrontados com a movimentação da polícia durante a tarde. "Policial chega aqui, muitas vezes, escrachando as famílias. Hoje não foi diferente", disse outro morador, sem se identificar.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, ficou surpreso com a operação e deixou às pressas um evento com o pré-candidato do PT à eleição estadual e ministro da Saúde, Alexandre Padilha.

A assessoria de imprensa do Denarc informou que a ação na Cracolândia ocorreu para a prisão de dois traficantes investigados. Nesta tarde, foram detidas 30 pessoas, cinco delas por flagrante de tráfico de drogas - um dos dois procurados conseguiu fugir.

A assessoria negou que os policiais tenham usado balas de borracha e gás lacrimogêneo, mas admitiu o uso de spray de pimenta e afirmou que três viaturas foram danificadas e um policial ferido. A operação foi feita pela 6ª delegacia do Denarc e começou por volta do meio-dia. O órgão negou que ação tenha sido surpresa e informou que a ação foi de rotina. Também defendeu que Prefeitura de São Paulo não deveria ter sido avisada, mesmo com o projeto Braços Abertos em andamento. 

Desde a terça-feira, dia 14, as secretarias de Saúde, Trabalho, Assistência Social e Segurança Urbana estão ajudando os usuários a desmontar os barracos construídos nas ruas Helvetia e Dino Bueno e encaminhando as pessoas a hotéis da região. Esses dependentes receberão alimentação, trabalho e R$15,00 por dia. A Polícia Civil informou que de dezembro para cá foram 65 presos na Cracolândia. 

Prefeitura repudia ação

Por meio de nota, a prefeitura de São Paulo se disse surpreendida com a ação e repudiou a ação da polícia. De acordo com, a nota, esse tipo de postura pode comprometer a continuidade do programa Braços Abertos.

Em um trecho do documento, disse que a prisão de traficantes deve ser feita sem o uso desproporcional da força. "A prefeitura repudia esse tipo de intervenção, que fez uso de balas de borracha e bombas de efeito moral contra uma multidão formada por trabalhadores, agentes públicos de saúde e assistência e pessoas em situação de rua, miséria, exclusão social e grave dependência química. A Operação de Braços Abertos é uma política pública municipal pactuada com o governo estadual, que preconiza a não-violência e na qual a prisão de traficantes deve ser feita sem uso desproporcional de força."

A nota informa que agentes da prefeitura trabalham há seis meses para conquistar a confiança e obter a colaboração das pessoas atendidas. "A administração reafirma seu empenho na solução deste problema da cidade e manifesta sua preocupação com este tipo de incidente, que pode comprometer a continuidade do programa. E expressou essa posição diretamente ao Governo do Estado."

Governo e prefeitura debateram apoio a usuários mais cedo

Apesar de adotarem abordagens diferentes no atendimento a usuários de drogas, a prefeitura da capital paulista e o governo estadual dizem esperar trabalhar juntos no enfrentamento à dependência do crack. Enquanto o município investe em ações de redução de danos no Programa Braços Abertos, o Estado investe na criação de leitos em hospitais e comunidades terapêuticas para possibilitar a internação dos usuários. A integração foi debatida na manhã de hoje em um seminário para agentes de saúde que trabalham  nas ruas de São Paulo. Para os gestores, as ações são complementares.

“Não dá para fugir de dizer que a política de álcool e drogas no município é para redução de danos. Não significa que o município não precise de internação. Precisa, sim, mas deve ser curta”, avaliou a médica Myres Maria Cavalcante, coordenadora da área de Saúde Mental, Álcool e Drogas da Secretaria de Saúde do município. Ela destacou que os protocolos médicos orientam que, quanto menos tempo o paciente ficar em hospital, melhor. “Isso vale para qualquer área, doenças físicas, como câncer, e para a mente”, reforçou.

A coordenadora da área na secretaria de Saúde do estado, Rosangela Elias, concorda que o trabalho conjunto é conflituoso. “A diferença conceitual está vinculada à forma do atendimento, à metodologia da atenção, mas o foco da gente é o cuidado com o indivíduo. Temos que nos preocupar em criar consensos”, apontou.

Fonte: Terra
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