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Manifestantes anti-PT, que tal abolir as ofensas machistas?

Xingamentos à presidenta Dilma Rousseff que marcaram os últimos protestos contra o governo podem aparecer novamente neste domingo, quando acontece mais uma onda de atos. Para feministas, todos saem perdendo – até os próprios manifestantes, cujas reivindicações acabam sendo reduzidas pelas agressões

10 abr 2015 - 11h13
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As duas últimas manifestações populares realizadas contra o governo da presidenta Dilma Rousseff – os panelaços do dia 8 e os protestos do dia 15 de março – tiveram, além da temática, outro ponto em comum: o teor machista presente no discurso de alguns participantes. Gritos de “vagabunda”, “vadia”, “gorda”, “vaca” e “p***” ecoaram nas varandas (em pleno Dia Internacional da Mulher) e cartazes com as mesmas ofensas foram carregados pelas ruas, reduzindo o espaço de reivindicações que poderiam ter sido melhor exploradas. É isso que as feministas não gostariam de encontrar no próximo domingo (12), quando acontecerá mais uma onda nacional de atos anti-PT.

Google: autocompletar ‘chama’ Dilma de vaca; Hitler é gênio

“Algumas demandas são relevantes. Não é porque a presidenta é mulher que as pessoas não podem ficar insatisfeitas. Todos têm direito a qualquer momento de se manifestar contra qualquer governo. O problema é que muitos comentários não se baseiam em crise econômica ou supostos indícios de corrupção, mas à aparência, ao jeito, à vida sexual dela”, disse ao Terra a blogueira e militante feminista Nádia Lapa. “E são comentários feitos não só nos protestos, mas também na rua, no mercado, no cabeleireiro, nas redes sociais”, completou.

De acordo com ela, para entender basta fazer algumas comparações. No dia da posse de Dilma, por exemplo, os comentários predominantes dos espectadores foram a respeito de sua roupa e sua forma física. Michel Temer, vice-presidente, que estava ao lado da petista, por sua vez, não recebeu nenhum ataque semelhante. Ele foi assunto apenas porque estava acompanhado da “atraente” esposa, Marcela Temer.

“Podemos comparar também com o Eduardo Cunha (PMDB-RJ, presidente da Câmara dos Deputados). Ele está envolvido em algumas denúncias recentes, mas não ouvimos uma palavra sobre sua aparência física. E ele tem um cargo importantíssimo no Legislativo. Essas comparações são históricas, o tipo de agressão dirigido a uma mulher que ocupa um cargo de poder é sempre diferente do que é dirigido a um homem”, explicou.  

<p>Manifestante carrega cartaz com ofensa à presidenta na Avenida Paulista, São Paulo, no protesto do dia 15</p>
Manifestante carrega cartaz com ofensa à presidenta na Avenida Paulista, São Paulo, no protesto do dia 15
Foto: Elisa Feres / Terra

Nalu Faria, integrante da coordenação da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) no Brasil, concorda. Para ela, o assunto não é novidade, já que diversas mulheres ao redor do mundo passam por essas situações frequentemente. O que os ataques à presidenta mostram, na verdade, é que nenhuma mulher, independente do espaço que ocupa, está imune à misoginia (demonstração de ódio e desqualificação de mulheres).

“Sempre que se quer criticar uma mulher, faz-se alusão a aspectos de seu corpo, de sua idade, e colocam-nas como seres não-pensantes. Cotidianamente vivemos situações em que não somos consideradas pessoas por inteiro, como se fossemos de segunda categoria. O que assusta agora é que inclusive com a presidenta se faz o mesmo. Não importa onde as mulheres estão, os primeiros elementos de referência sempre são os mesmos. Isso tem repercussão para o conjunto das mulheres. Quando elas veem esse tipo de coisa acontecendo, cria-se um constrangimento geral”, afirmou à reportagem.

“Mulher no poder rompe quadro de exclusão”

Nalu acredita que a chegada da primeira mulher à Presidência da República no Brasil foi uma grande conquista para o movimento feminista. A existência de mulheres em espaços de poder, segundo ela, significa uma ruptura do quadro de exclusão que o Estado moderno criou e impediu, por muito tempo, que elas tivessem participação política. Além disso, o histórico da petista – que atuou na luta contra abusos da ditadura militar e se comprometeu com a garantia de direitos democráticos, por exemplo – dá um tempero especial a esse avanço.

Alguns dados citados por Nádia exemplificam o cenário. Lançado no início desse ano, um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostrou que apenas 5% dos postos de chefia e de CEO das empresas mundiais são ocupados por mulheres. Nas companhias brasileiras, a quantidade varia entre 5% e 10%, sendo que, em números absolutos, as mulheres são maioria no País. Em relação à política, levantamentos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que elas ocupam somente 10% dos cargos eletivos.

“É por isso que, em questão de representatividade, é importante ter uma presidenta. Assim, a mulher consegue ver que pode chegar a um lugar em que sempre foi dita que não poderia. A Dilma ultrapassou obstáculos que nenhum homem teria que enfrentar. É bacana ver isso. Mas uma mulher no poder não vai necessariamente ajudar outras mulheres”, pontuou a blogueira, que diz enxergar tanto erros como acertos no governo da petista. “Como erro, eu citaria a obrigatoriedade da guarda compartilhada e o fato de ela não colocar em debate a questão do aborto. Como acerto, a continuidade da Secretaria de Políticas para as Mulheres, a lei do feminicidio e a humanização a vítimas de assédio. Estou em cima do muro com a Dilma em relação à pauta das mulheres”.  

“Pessoas não superam quem foge do estereotipo”

As entrevistadas concordam que, além de ser mulher, a presidenta não se adequa aos “padrões de feminilidade” – o que faz aumentar ainda mais, conscientemente ou não, a antipatia que parte da população desenvolveu por ela. E sabe quando esse cenário vai mudar? Quando todos (todos mesmo, independente de sexo, orientação sexual, cor, classe social, religião e partidarismo político) começarem a exigir transformações.

“A Dilma dá um nó em pessoas com cabeça pequena, que não conseguem entender como uma mulher que não é capa de revista feminina conseguiu alcançar uma série de coisas. A gente é socializada para entender que só vai conseguir as coisas na vida se for ‘enfeite do mundo’. Se tiver um marido, se subir na carreira, se for magra, se se submeter a algumas coisas... E ela não se submete. Ela foge do estereótipo de mulher padrão, as pessoas ainda não conseguem superar isso”, declarou Nádia.

“Para mudar, precisaria haver uma reação geral da sociedade. A motivação desses xingamentos é o mesmo das piadas, das publicidades e das músicas machistas que as pessoas continuam consumindo, pois são ideias dominantes na sociedade brasileira. Temos que fazer nossos protestos, dizer ‘não’ a tudo isso, mas só vamos conseguir mudar de fato quando as pessoas que se utilizam desses mecanismos forem constrangidas e se convençam de que essas não são as melhores formas de se expressar. Enquanto souberem que ninguém vai criticá-las, continuarão fazendo tudo igual”, finalizou Nalu.

Fonte: Terra
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