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Janot diz que cogitou matar Gilmar Mendes

27 set 2019 - 17h03
(atualizado às 18h56)
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Ex-procurador-geral conta que foi armado ao STF decidido a matar ministro. História narrada em livro aumenta tensão entre a Lava Jato e o Supremo. Gilmar recomenda que Janot "procure ajuda psiquiátrica".O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot adicionou mais um elemento de tensão entre a Operação Lava Jato e o Supremo Tribunal Federal (STF) na noite de quinta-feira (26/09) ao afirmar que, enquanto ocupava o cargo, cogitou assassinar o ministro Gilmar Mendes e se matar em seguida.

Rodrigo Janot chefiou a Procuradoria-Geral da República entre 2013 e 2017
Rodrigo Janot chefiou a Procuradoria-Geral da República entre 2013 e 2017
Foto: DW / Deutsche Welle

A revelação está em um livro de memórias escrito pelo ex-procurador, que chefiou a Procuradoria-Geral da República (PGR) entre 2013 e 2017. Janot não chegou a identificar seu alvo no livro, mas, em entrevistas ao jornal O Estado de S. Paulo e à revista Veja, confirmou que se tratava de Gilmar.

Nesta sexta-feira, após a repercussão das declarações de Janot, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, autorizou uma ação de busca e apreensão da Polícia Federal em endereços ligados ao ex-procurador-geral. A ordem estava sendo cumprida no começo da noite.

O ex-procurador afirma que em maio de 2017 chegou a entrar armado no STF decidido a executar Gilmar, tirou a arma do coldre (que estava sob a beca) e a engatilhou enquanto observava o ministro na antessala do plenário do Supremo.

"Fui armado para o Supremo. Ia dar um tiro na cara dele e depois me suicidaria. Estava movido pela ira. Não havia escrito carta de despedida, não conseguia pensar em mais nada", disse ele à Veja.

"Tirei a minha pistola da cintura, engatilhei, mantive-a encostada à perna e fui para cima dele. Mas algo estranho aconteceu. Quando procurei o gatilho, meu dedo indicador ficou paralisado. Eu sou destro. Mudei de mão. Tentei posicionar a pistola na mão esquerda, mas meu dedo paralisou de novo. Nesse momento, eu estava a menos de dois metros dele. Não erro um tiro nessa distância. Pensei: 'Isso é um sinal'", afirmou.

À época, Janot, que comandava os casos da Lava Jato envolvendo políticos com foro privilegiado, vinha protagonizando mais uma disputa pública com Gilmar, um notório crítico da operação.

Mas o estopim para o plano homicida, segundo Janot, foi a publicação de notas pela imprensa sobre sua filha. Naquele mês de maio, Janot havia pedido a suspeição de Gilmar de um processo que envolvia o empresário Eike Batista, alegando que a esposa do ministro trabalhava no mesmo escritório que defendia o ex-bilionário.

Mas logo surgiram na imprensa notícias sugerindo que Janot também tinha relações familiares potencialmente comprometedoras, já que sua filha era advogada da OAS, uma empreiteira envolvida na Lava Jato. Janot responsabilizou Gilmar pelas notas e então planejou assassiná-lo.

No livro e nas entrevistas, Janot ainda fez outras revelações explosivas sobre seu período à frente da PGR. Ele contou que recebeu ofertas espúrias de Michel Temer e Aécio Neves em troca de não investigá-los. Temer, segundo Janot, lhe ofereceu um terceiro mandato à frente da PGR, e Aécio, uma vaga de vice em uma eventual chapa presidencial em 2018.

Reações

Após a revelação, procuradores do Ministério Público Federal (MPF) reagiram consternados.

A fala de Janot sobre seu plano homicida ocorre justamente quando a Lava Jato vem acumulando uma série de derrotas no STF.

Poucas horas antes de as entrevistas serem publicadas, a maioria dos ministros do tribunal aprovou uma tese que tem potencial de anular dezenas de condenações no âmbito da Lava Jato.

A própria operação já vinha sofrendo com problemas de imagem, desde que mensagens vazadas revelaram suspeitas sobre a conduta de membros da força-tarefa em Curitiba, que tinham relação estreita com Janot, e do ex-juiz Sergio Moro.

Alguns membros da PGR afirmaram para a imprensa brasileira que tentaram demover Janot da ideia de escrever um livro, argumentando sobre o risco de algumas revelações prejudicarem casos da Lava Jato que ainda estão em andamento.

Um procurador disse ao Estado de S. Paulo que é ainda mais "vergonhoso" que Janot tenha feito a revelação bombástica justamente no contexto do lançamento de um livro.

Já o jornal Folha de S. Paulo apontou que alguns colegas de Gilmar no STF afirmaram que Janot desmoralizou a PGR e destruiu a liturgia do cargo.

No meio político, também houve reações de exasperação com mais um potencial tumulto no Judiciário e uma eventual repercussão no exterior. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse: "Hoje descobrimos que o procurador-geral da República queria matar o ministro do Supremo. Então, quem vai querer investir num país desses? Você ia querer investir?"

Já o deputado Daniel Coelho (Cidadania-PE) acusou Janot de ter cometido crime de prevaricação ao não revelar as supostas tentativas de suborno que recebeu de Temer e Aécio enquanto ocupava o cargo.

"É realmente estarrecedor que isto seja considerado normal: alguém que ocupou cargo tão importante na República brasileira ter a ciência de todos esses fatos e não ter revelado nenhum deles, guardando-os para a posteridade e, talvez, para criar uma polêmica para um livro a ser publicado", disse o deputado à Veja.

Mas a reação mais dura partiu justamente do alvo de Janot, o ministro Gilmar Mendes. Nesta sexta-feira, ele recomendou, por meio de nota, que Janot "procure ajuda psiquiátrica".

"Dadas as palavras de um ex-procurador-geral da República, nada mais me resta além de lamentar o fato de que, por um bom tempo, uma parte do devido processo legal no país ficou refém de quem confessa ter impulsos homicidas, destacando que a eventual intenção suicida, no caso, buscava apenas o livramento da pena que adviria do gesto tresloucado. Até o ato contra si mesmo seria motivado por oportunismo e covardia", escreveu.

Gilmar ainda aproveitou para soltar mais farpas contra a Lava Jato. "O combate à corrupção no Brasil - justo, necessário e urgente - tornou-se refém de fanáticos que nunca esconderam que também tinham um projeto de poder."

Ao final, ele ainda ironizou seu desafeto. "Confesso que estou algo surpreso. Sempre acreditei que, na relação profissional com tão notória figura, estava exposto, no máximo, a petições mal redigidas, em que a pobreza da língua concorria com a indigência da fundamentação técnica. Agora ele revela que eu corria também risco de morrer."

Após deixar a PGR em 2017, Janot voltou a ser subprocurador-geral da República, mas se aposentou em abril.

Nesta sexta-feira, ainda na esteira do caso, o ministro Gilmar pediu que seja tirado o porte de armas de Rodrigo Janot e que o ex-PGR seja impedido de entrar no STF. Mesmo tendo deixado o MPF, Janot ainda mantém as prerrogativas de um procurador em atividade, entre elas o direito a porte de armas.

JPS/ots

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