Governo Trump retira sanções contra Alexandre de Moraes e esposa pela lei Magnitsky
O governo dos Estados Unidos retirou nesta sexta-feira (12/12) o ministro Alexandre de Moraes e sua esposa da lista de sancionados pela Lei Magnitsky.
O governo dos Estados Unidos retirou nesta sexta-feira (12/12) o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e sua esposa, Viviane Barci de Moraes, da lista de sancionados pela Lei Magnitsky.
Publicada no site do Tesouro Americano, a decisão representa mais uma desescalada nas tensões entre EUA e Brasil, após a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Aprovada durante o governo de Barack Obama, em 2012, a Lei Magnitsky é uma das mais severas disponíveis para Washington punir estrangeiros que considera autores de graves violações de direitos humanos e práticas de corrupção.
As sanções contra Alexandre de Moraes haviam sido impostas em julho, em meio às pressões do governo de Donald Trump para tentar influenciar o julgamento de Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado.
Em setembro, o ex-presidente foi condenado pelo STF a 27 anos e três meses de prisão por golpe de Estado e mais quatro crimes, pena que ele começou a cumprir em novembro.
Viviane Barci de Moraes, por sua vez, foi alvo das sanções pela Lei Magnitisky em setembro. À época, também foi sancionado o Lex - Instituto de Estudos Jurídicos, empresa mantida por Viviane e os três filhos do casal: Gabriela, Alexandre e Giuliana Barci de Moraes, com sede em São Paulo.
Nesta sexta-feira, o instituto também foi retirado da lista de sanções.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que atuou junto ao governo americano para a imposição de sanções ao Brasil e a Moraes, lamentou a decisão.
"Recebemos com pesar a notícia da mais recente decisão anunciada pelo governo dos EUA. Agradecemos o apoio demonstrado pelo presidente Trump ao longo deste processo e a atenção que dedicou à grave crise de liberdades que afeta o Brasil", escreveu Eduardo, em nota publicada no X (antigo Twitter).
"Esperamos sinceramente que a decisão do Presidente @realDonaldTrump seja bem-sucedida na defesa dos interesses estratégicos do povo americano, como é seu dever. Quanto a nós, continuaremos trabalhando com firmeza e determinação para encontrar um caminho que permita a libertação de nosso país, pelo tempo que for necessário e apesar das circunstâncias adversas", completou o deputado, que vive nos EUA desde fevereiro e corre o risco de ter o mandato cassado por faltas.
Em novembro, o STF tornou Eduardo Bolsonaro réu por coação no curso do processo, por articular sanções contra o Brasil e autoridades brasileiras, na tentativa de influenciar o julgamento de seu pai.
'Lei da anistia'
O governo americano atribuiu a retirada das sanções contra Moraes e sua esposa à aprovação do projeto de lei que reduz as penas dos condenados por tentativa de golpe, que pode beneficiar Jair Bolsonaro.
Em nota enviada à BBC News Brasil, um oficial do governo Trump disse que "os EUA veem a aprovação de um importante projeto de lei de anistia pela Câmara dos Deputados do Brasil como um passo na direção certa, indicando que as condições de lawfare estão melhorando no país".
Lawfare é um termo em inglês que combina as palavras "law" (lei) e "warfare" (guerra) e significa o uso de instrumentos legais para se atacar politicamente uma pessoa.
A nota diz ainda que manter sanções como as contra Moraes é "inconsistente com os interesses da política externa dos EUA".
Na quarta-feira (10/12), deputados aprovaram o projeto de lei da Dosimetria, que reduz as penas dos condenados pelos crimes relacionados aos ataques de 8 de janeiro, entre eles Bolsonaro. O projeto será agora apreciado pelo Senado.
Na quinta, antes da retirada das sanções, o vice-secretário de Estado dos EUA, Christopher Landau, já havia elogiado a aprovação da lei pela Câmara.
"Os Estados Unidos têm expressado consistentemente preocupação com as tentativas de usar o processo legal para instrumentalizar as diferenças políticas no Brasil e, portanto, saúdam o projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados como um primeiro passo para combater esses abusos. Finalmente, estamos vendo o início de um caminho para melhorar nossas relações", escreveu Landau no X.
O que muda para Moraes
Com a retirada do nome de Moraes e de sua esposa da lista de sancionados pela Lei Magnitsky, eles não estão mais sujeitos ao congelamento de eventuais bens nos EUA, nem de realizar transações econômicas com empresas americanas, por exemplo.
Outra proibição que cai é a entrada de Moraes e sua esposa nos EUA. No entanto, o visto americano de ambos estava suspenso antes da aplicação da Lei Magnitsky, assim como de outros ministros, e, até o momento, não há informações sobre isso.
Os cartões de crédito de Moraes e sua família que eventualmente foram cancelados também podem voltar a operar normalmente. Isso porque as empresas de cartões Visa, MasterCard e American Express são americanas.
O ministro também poderá voltar a manter conta em bancos brasileiros com ligação ao sistema americano, já que instituições financeiras de qualquer país que mantêm contas ou cartões para pessoas punidas pela Lei Magnitsky podem ser alvo de sanções. Com a retirada das sanções da lei, no entanto, o caminho fica livre.
Em teoria, Moraes também poderia ter sofrido restrições para acessar plataformas de tecnologia que oferecem armazenamento em nuvem, contas de e-mail ou serviços de pagamento, como PayPal.
Ele também pode ter sido impedido de assinar serviços de streaming americanos, algo que agora foi extinto.
Desescalada de tensões
A retirada das sanções pela Lei Magnitsky marca mais um passo rumo a normalização das relações entre EUA e Brasil.
Em 20 de novembro, o presidente americano Donald Trump já havia assinado um decreto suspendendo as tarifas de 40%, anunciadas em abril, sobre diversos produtos agrícolas importados do Brasil.
Associações empresariais comemoraram a decisão do governo americano.
Ao comentar a medida à época, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que "ninguém respeita quem não se respeita".
"Hoje eu estou feliz porque o presidente Trump já começou a reduzir algumas taxações que tinha feito em alguns produtos brasileiros. Essas coisas vão acontecer na medida que a gente consiga galgar respeito das pessoas. Ninguém respeita quem não se respeita", afirmou, durante participação na abertura do Salão do Automóvel, em São Paulo, em 20 de novembro.
Já políticos da oposição disseram que a decisão do governo americano teria sido tomada pela necessidade de redução da inflação nos EUA — e não como fruto do esforço da diplomacia brasileira.
A desescalada de tensões entre EUA e Brasil teve início em setembro, poucos dias após a condenação de Bolsonaro a 27 anos de prisão, quando Trump usou parte de seu discurso na Assembleia Geral da ONU para elogiar Lula.
O americano disse naquele dia que teve "uma química excelente" com o presidente brasileiro, "que pareceu um cara muito agradável".
Desde então, os dois líderes falaram ao telefone e diversas reuniões foram realizadas entre a diplomacia brasileira e a americana, incluindo encontro presencial em Washington entre o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, e o secretário de Estado americano, Marco Rubio.
Após a retirada das tarifas de 40% sobre produtos agrícolas, a revogação das sanções contra autoridades brasileiras era considerada outra prioridade pelo Itamaraty, que já esperava que a medida ocorresse ainda este ano.
Agora o governo deve trabalhar pela retirada das tarifas que ainda restam, principalmente sobre produtos manufaturados, como máquinas, motores e calçados.
O que é a Lei Global Magnitsky
A Lei Magnitsky foi criada para punir autoridades russas envolvidas na morte do advogado Sergei Magnitsky, que denunciou um esquema de corrupção estatal e morreu sob custódia em Moscou.
Inicialmente voltada para os responsáveis por sua morte, a lei teve seu alcance ampliado em 2016, após uma emenda que permitiu a inclusão de qualquer pessoa acusada de corrupção ou de violações de direitos humanos na lista de sanções.
Desde então, a lei passou a ter aplicação global.
Em 2017, pela primeira vez foi aplicada fora do contexto russo, durante o primeiro governo de Donald Trump.
Na ocasião, três latino-americanos foram alvo de sanções por corrupção e violações de direitos humanos: Roberto José Rivas Reyes, então presidente do Conselho Supremo Eleitoral da Nicarágua; Julio Antonio Juárez Ramírez, deputado da Guatemala; e Ángel Rondón Rijo, empresário da República Dominicana.
As punições incluem o bloqueio de bens e contas no país, além da proibição de entrada em território americano. Não há necessidade de processo judicial — as medidas podem ser adotadas por ato administrativo, com base em relatórios de organizações internacionais, imprensa ou testemunhos.
Segundo o texto da própria lei, são consideradas violações graves atos como execuções extrajudiciais, tortura, desaparecimentos forçados e prisões arbitrárias sistemáticas.
Também podem ser sancionados agentes públicos que impeçam o trabalho de jornalistas, defensores de direitos humanos ou pessoas que denunciem casos de corrupção.
A Lei Magnitsky já foi usada contra membros do judiciário de países como Rússia e autoridades de Turquia e Hong Kong, em casos de perseguição a opositores, julgamentos fraudulentos ou repressão institucionalizada.
O uso da Lei Global Magnitsky para impor sanções contra Moraes foi considerada um abuso das intenções da lei e uma deturpação de sua concepção original por William Browder, executivo financeiro britânico que liderou a campanha pela aprovação da lei nos Estados Unidos.
"A Lei Magnitsky foi estabelecida para impor sanções a graves violadores dos direitos humanos e pessoas que são culpadas de cleptocracia em larga escala", disse Browder à BBC News Brasil em julho.
"Ela não foi criada para ser usada para vinganças políticas. O uso atual da Lei Magnitsky é puramente político e não aborda as questões de direitos humanos para as quais ela foi originalmente elaborada. E, como tal, é um abuso das intenções da lei", completou o executivo, à época da imposição das sanções pelos EUA.