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Como é a preparação de diplomatas no Brasil?

13 set 2019 - 12h32
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Em meio à expectativa de que Bolsonaro nomeie filho como embaixador, milhares de brasileiros disputam vagas no curso para diplomatas do Instituto Rio Branco. Conhecimentos exigidos vão de idiomas a economia e história.Em meio à expectativa de que a polêmica indicação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para o cargo de embaixador do Brasil em Washington seja oficializada, cerca de 6.400 pessoas prestaram no último domingo (08/09) a prova da primeira fase do Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD) de 2019, a concorrida seleção para o Curso de Formação de Diplomatas do Instituto Rio Branco.

O anúncio do presidente Jair Bolsonaro de que pretende indicar o filho Eduardo para o posto diplomático, feito em julho, levantou dúvidas sobre quem pode ocupar tal cargo e se não seria necessário que esse titular tenha passado pelo rigoroso curso do Instituto Rio Branco.

Formado em Direito, Eduardo Bolsonaro foi escrivão da Polícia Federal e, desde 2015, é deputado federal pelo estado de São Paulo, tendo sido reeleito para um segundo mandato com votação recorde de 1,8 milhão de votos. Ele não cursou o Instituto Rio Branco, e sua única experiência política com assuntos externos brasileiros foi na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, na qual foi suplente na legislatura passada e que preside desde março.

A Consultoria Legislativa do Senado classificou a indicação para o posto em Washington de nepotismo, e críticos consideram o currículo de Eduardo inadequado para o cargo de embaixador - chefe de uma embaixada e a principal autoridade brasileira no país em que está.

Acontece que, diferentemente de outras funções que um diplomata pode desempenhar, a de embaixador pode ser ocupada por alguém que pertença ou não ao corpo diplomático formado pelo Instituto Rio Branco. Cabe ao presidente da República indicar embaixadores, e qualquer cidadão pode ser nomeado.

"O preenchimento do cargo de embaixador pode ser político, cabendo ao presidente a indicação, e ao Senado, a aprovação", explica Pedro Feliú Ribeiro, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP).

Apesar de legal, são poucos os casos de indicações políticas à uma embaixada nas últimas décadas, ressalta Ribeiro, e aspirantes ao cargo continuam brigando por uma vaga no Instituto Rio Branco.

A seleção do CACD é considerada uma das mais difíceis e com a maior quantidade de conteúdo exigido entre os concursos públicos do país. "A média de tempo de estudos até ser aprovado no concurso é de três a seis anos, podendo chegar a sete ou oito tentativas. É uma preparação de longo curso", afirma o historiador Rodrigo Goyena Soares, professor de História de um dos principais cursos preparatórios para o concurso.

"A rigorosa seleção da prova é um dos fatores que garante o excelente quadro de profissionais que possui o Itamaraty. O CACD seleciona candidatos multidisciplinares e poliglotas", diz.

Com duração de três ou quatro semestres, o curso para diplomatas do Instituto Rio Branco é oferecido desde 1946. Em 2019, a concorrência bateu recorde: são 320 candidatos por vaga. No ano passado, eram 203. O aumento da concorrência é uma das consequências de uma redução no número de vagas: enquanto em 2017 foram oferecidas 30 vagas, em 2018 foram 26, e, neste ano, são 20.

"Compreensão da realidade de modo complexo"

Quando se formou em Direito, David Beltrão sonhava em ser diplomata. Em 2011, se mudou de Recife para São Paulo para fazer os cursinhos preparatórios para o CACD. Parou de trabalhar para se dedicar integralmente ao concurso e estudava dez horas por dia, todos os dias.

"O CACD exige compreensão da atualidade no Brasil e no mundo, assim como todo o conhecimento histórico do século 18 até os dias de hoje. A quantidade de informação sobre História do Brasil é absurda e a prova de inglês é uma das mais difíceis", diz.

A primeira de duas fases da prova conta com 73 questões objetivas de Português, Inglês, História do Brasil e Mundial, Política Internacional, Geografia, Economia, Direito e Direito Internacional Público. A segunda fase cobra as mesmas disciplinas, mas de forma discursiva, além dos idiomas francês e espanhol. Soares afirma que o grau de exigência do exame supera os níveis de graduação e pós-graduação.

"Em português, exige-se um grau de controle linguístico que beira o conhecimento de um Evanildo Bechara ou de um Celso Cunha, nossos principais gramáticos. Na língua inglesa, pede-se conhecimento nativo: o candidato aprovado poderia escrever um artigo na revista The Economist, por exemplo", explica o professor.

Em 2015, após cinco anos estudando para o Instituto Rio Branco, David decidiu voltar para Recife e seguir carreira acadêmica. "Desisti da carreira de diplomata porque o número de vagas diminuiu ao longo dos anos, e eu não podia mais me manter em São Paulo financeiramente." Atualmente, David é doutorando em Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco.

Apesar da desistência, o pernambucano não se arrepende de ter estudado para o CACD. "A prova oferece aos candidatos a compreensão da realidade de modo complexo. É um conteúdo fantástico e me ajudou muito na vida acadêmica", conta.

"Uma das diplomacias mais respeitadas no mundo"

A professora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Ana Flávia Barros-Platiau afirma que o Brasil tem "uma das diplomacias mais respeitadas no mundo, fruto de uma formação intensiva e rigorosa ministrada pelo Instituto Rio Branco há mais de 70 anos".

Além da fluência em pelo menos três idiomas, o treinamento de um diplomata envolve conhecimento de relações internacionais, história, política, direito internacional, comércio, economia e funcionamento da cooperação internacional.

"Do mesmo modo, o profissional deve estar a par dos grandes temas da agenda internacional, como direitos humanos, meio ambiente, mudança do clima, sociedade da informação, requisitos sanitários e fitossanitários que afetam as exportações agrícolas e pecuárias, propriedade intelectual, questões de proteção de brasileiros no exterior etc.", completa Barros-Platiau.

O indicado deve estar apto a negociar assuntos de diversas áreas de interesse do Brasil junto ao governo do país em que reside. "Por isso, o embaixador tem de ser capaz de cultivar fontes no governo e junto à sociedade do país em que está", aponta a professora da UnB.

"Também deve ter bons contatos no Brasil, tanto com o governo quanto com a sociedade civil, além de ser capaz de compreender adequadamente os diferentes temas em jogo do interesse nacional."

A importância do posto em Washington

Segundo o coordenador do Laboratório de História Global e das Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais da USP, Felipe Pereira Loureiro, das 139 embaixadas do Brasil no exterior, a mais importante é a de Washington.

"Embaixadores brasileiros em Washington tiveram papel central nos rumos da história nacional", explica o professor.

A criação da primeira siderúrgica brasileira, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), por exemplo, foi viabilizada por meio de acordos entre o embaixador Carlos Martins Pereira e Souza e empréstimos do governo dos EUA, em 1946.

"Outros exemplos de embaixadores brasileiros em Washington de destaque incluem os que atuaram entre os anos 80 e meados da década de 90", aponta Loureiro. "Esses embaixadores tiveram um papel fundamental para o processo de renegociação da nossa dívida externa junto a bancos privados americanos, culminando na adesão do Brasil às diretrizes que viabilizariam o processo de contenção da inflação no país, por meio da implementação do Plano Real, em 1994."

Para o professor da USP, a história demonstra que além de ter bons contatos na política dos EUA, um embaixador em Washington precisa ter "sólido conhecimento sobre a sociedade americana e significativa capilaridade junto a setores sociais, econômicos e culturais do país".

Para que a indicação de Eduardo seja oficializada, o presidente Bolsonaro precisa enviar o nome do filho para o Senado, que vai decidir se o aprova ou não para o cargo de embaixador nos EUA. Em meados de agosto, o presidente chegou a admitir a possibilidade de rever a indicação do filho, para logo depois afirmar que não iria recuar.

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