Rio: moradores da Maré fazem protesto contra operação que matou 10
Eles exigem que o governador do Estado faça um pedido de desculpas formal pelo desfecho desastroso da ação e que a PM evite novas operações violentas
Cerca de 5,5 mil moradores do Complexo de Favelas da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, realizaram uma manifestação nesta terça-feira para reclamar da operação policial que resultou em 10 mortos no local há exatamente uma semana. Eles exigem que o governador do Estado, Sérgio Cabral (PMDB), faça um pedido de desculpas formal pelo desfecho desastroso da ação e que a Polícia Militar evite novas operações violentas.
Um carro de som tomou uma faixa da avenida Brasil na altura da rua Teixeira Ribeiro, na entrada da favela Nova Holanda, umas das 13 comunidades do complexo. A via, a principal de entrada e saída para o Rio de Janeiro, apresentou complicações no trânsito. Motoristas de carros e caminhões que passavam pelo local buzinavam para os manifestantes em sinal de apoio, apesar do fluxo ruim. Qualquer manifestante que pisasse na pista central da via era rapidamente retirado pelos organizadores.
O grupo cantava músicas contra o governo, com dizeres como "Cabral, queria que você esquecesse a UPP e investisse em educação" e "uh, sai do chão quem é contra o caveirão". Dez manifestantes também se deitaram no meio da via enquanto se ouviam apenas bumbos e palmas. Eles simbolizaram os mortos na operação da semana passada. Balões brancos de gás hélio foram liberados.
Um grupo também acendeu dez velas enquanto MCs da favela cantavam acompanhados pela multidão o clássico "eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci".
Os manifestantes fizeram um ato ecumênico em memória das 10 vítimas, uma delas o sargento do Batalhão de Operações Especiais (Bope) Ednelson Jerônimo dos Santos, cuja morte na entrada da favela desencadeou toda a operação que durou quase 24 horas. Os organizadores do ato pediam que os manifestantes mantivessem o caráter pacífico do protesto.
Os moradores carregavam cartazes com os nomes de todas as vítimas. Um dos feridos pela operação participava da manifestação. O motorista Cláudio Duarte Rodrigues, 41 anos, voltava para casa quando ficou encurralado entre o caveirão do Bope e uma barricada armada por criminosos. Tomou um tiro no quadril e perdeu a van em que trabalha, que acabou sendo roubada, assim como dinheiro e celulares seu e de sua esposa.
"Faltaram milímetros para atingir o meu fêmur. Agora não consigo mais trabalhar. Fico feliz que pelo menos sobrevivi, mas triste pelas vítimas fatais", afirmou Rodrigues. "Espero que este protesto sirva para que uma operação como aquela nunca mais se repita."
Uma equipe da Rede Globo chegou a ser hostilizada pelos manifestantes, mas o membro do Observatório de Favelas, Jaílson de Souza, interviu do alto do caminhão de som para pedir respeito ao trabalho dos jornalistas. No entanto, alguns manifestantes seguiram gritando contra a equipe. Outros poucos gritaram contra um pastor que começou o ato ecumênico: "o Estado é laico".
"A gente reclama que a mídia não vem aqui, que eles deturpam o que acontece dentro da Maré, mas hoje ela está aqui para fazer a cobertura do nosso ato independente da opinião de cada um, vamos respeitar o trabalho dos jornalistas. Eles estão aqui como trabalhadores assim como cada um de nós", disse Jaílson.
O membro da ONG, que virou um verdadeiro porta-voz da comunidade, pediu o fim das operações que entram atirando na favela com fuzis e a apuraçao das circunstâncias de todas as mortes. "Não existe pena de morte no Brasil. Este processo desumaniza a todos nós. Queremos que haja um inquérito sério. Pelo menos dessa vez já tivemos peritos da Polícia Civil aqui, já foi um passo importante. Agora temos que avançar mais", afirmou. "Quem dera isso fosse por causa da Copa das Confederações. Isso é a nossa realidade há anos."
Artistas da favela subiram no carro de som para fazer apresentações, assim como membros de várias das entidades que mantêm projetos sociais nas comunidades da Maré. O ator Paulo Betti também esteve presente. Ele disse que foi a primeira que conseguiu participar das manifestações, já que estava trabalhando.
"Tenho acompanhado e tentado decifrar o que está acontecendo. É o momento de dar uma chacoalhada neste país. Vim aqui por causa dos mortos. É inadmissível que haja violência em qualquer lugar, de qualquer lado. O Estado precisa entender que nao pode estar tão folgado como está. Há mudanças positivas, mas têm que trabalhar muito mais do que estão trabalhando", disse o ator.
A Maré deve receber uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) ainda neste ano. O secretário de segurança José Mariano Beltrame, no entanto, ainda não definiu um cronograma. Já há funcionários da secretaria em contato com as associações de moradores locais para definir isso.
Protestos contra tarifas mobilizam população e desafiam governos de todo o País
Mobilizados contra o aumento das tarifas de transporte público nas grandes cidades brasileiras, grupos de ativistas organizaram protestos para pedir a redução dos preços e maior qualidade dos serviços públicos prestados à população. Estes atos ganharam corpo e expressão nacional, dilatando-se gradualmente em uma onda de protestos e levando dezenas de milhares de pessoas às ruas com uma agenda de reivindicações ampla e com um significado ainda não plenamente compreendido.
A mobilização começou em Porto Alegre, quando, entre março e abril, milhares de manifestantes agruparam-se em frente à Prefeitura para protestar contra o recente aumento do preço das passagens de ônibus; a mobilização surtiu efeito, e o aumento foi temporariamente revogado. Poucos meses depois, o mesmo movimento se gestou em São Paulo, onde sucessivas mobilizações atraíram milhares às ruas; o maior episódio ocorreu no dia 13 de junho, quando um imenso ato público acabou em violentos confrontos com a polícia.
O grandeza do protesto e a violência dos confrontos expandiu a pauta para todo o País. Foi assim que, no dia 17 de junho, o Brasil viveu o que foi visto como uma das maiores jornadas populares dos últimos 20 anos. Motivados contra os aumentos do preço dos transportes, mas também já inflamados por diversas outras bandeiras, tais como a realização da Copa do Mundo de 2014, a nação viveu uma noite de mobilização e confrontos em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Salvador, Fortaleza, Porto Alegre e Brasília.
A onda de protestos mobiliza o debate do País e levanta um amálgama de questionamentos sobre objetivos, rumos, pautas e significados de um movimento popular singular na história brasileira desde a restauração do regime democrático em 1985. A revogação dos aumentos das passagens já é um dos resultados obtidos em São Paulo e outras cidades, mas o movimento não deve parar por aí. “Essas vozes precisam ser ouvidas”, disse a presidente Dilma Rousseff, ela própria e seu governo alvos de críticas.