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Dono de posto de combustível e personal trainer estão entre os mortos em assalto em Araçatuba

Comerciante acabou assassinado enquanto filmava a ação dos bandidos; instrutor pessoal foi tomado como refém

30 ago 2021 - 22h45
(atualizado às 23h58)
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ARAÇATUBA - O contador José Carlos Stuchi tinha acabado de pegar no sono, em sua casa, no Jardim Planalto, a 2 km do centro de Araçatuba, interior de São Paulo, nos primeiros minutos desta segunda-feira, 30, quando ouviu o barulho de tiros e explosões vindos de todo lado. "Naquele momento, a ideia que me veio é de que não eu estava em Araçatuba, mas em Cabul sendo atacado pelos talibãs", disse, referindo-se à capital do Afeganistão, dominada pelos extremistas. Stuchi abriu as redes sociais e soube que a cidade, de 198.121 habitantes, estava refém de uma quadrilha armada com bombas, fuzis, metralhadoras e muita munição.

Como a capital afegã, Araçatuba amanheceu sitiada por bandidos e minada por explosivos. Os criminosos espalharam ao menos 20 bombas em pontos estratégicos da região central e deixaram outras 20 em um pequeno caminhão, em frente ao Banco do Brasil. As informações que chegavam davam conta de que os bandidos haviam explodido dois bancos - Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal - e atacado a tiros um terceiro, o Safra, no coração da cidade.

Logo chegaram relatos de que os criminosos tinham tomado as pessoas como reféns e as usavam como escudo humano. Um deles, o personal trainer Marcio Victor Rosa da Silva, foi morto com um tiro. "Ele era o personal da minha filha, tinha uma academia na rua Bolívia, que está fechada por luto", disse o contador. Um cartaz de cartolina branca na porta da academia informava apenas que "fechamos por luto". O corpo de Márcio seria liberado pelo Instituto Médico Legal apenas durante a noite. O velório estava marcado para as 8 horas desta terça-feira, 31, no Cemitério Memorial Laluce, onde haveria o sepultamento.

Morador da cidade há 40 anos, Stuchi conhecia também o empresário Renato Bortolucci, o Renatinho, morto quando filmava a ação dos bandidos na rua Luiz Pereira Barreto, a uma quadra da praça. "Ele tinha levado a mulher para o posto dele e voltou para filmar os bandidos. Estava naquela SUV que ainda está na rua, com a porta aberta. Tem um áudio dele falando 'fui atingido, fui atingido, vou morrer'." Renato era dono do posto de combustíveis São João, na rua Marechal Deodoro. Apesar da morte dele, o posto funcionava nesta segunda. O frentista Wagner Melo disse que seria um desejo dele que continuassem trabalhando. "A vida dele era esse posto e a família, a esposa, a filha e a enteada", contou.

Na cidade, houve comentários de que nos vídeos que gravou antes de morrer, Renato se dirigiu aos criminosos fazendo brincadeiras. Ele teria sido surpreendido pelos criminosos, tentou dar a ré e bateu em uma moto. O padrasto dele, que se identificou apenas como Valdenor, disse que ele estava no lugar errado na hora errada. "Era um rapaz espetacular, deixou duas meninas, não acredito que estou vivendo isso", disse, antes de passar mal e ser socorrido.

O homem que acompanhava Valdenor tinha sido feito refém pelos bandidos com outros moradores. "Eles esculacharam, ameaçaram matar, davam tiro perto da cabeça da gente", disse, pedindo para não ser identificado. "Se estou com medo? Ainda estou apavorado", disse.

O prefeito Dilador Borges (PSDB) suspendeu as aulas e restringiu a circulação de ônibus, mas espera que a cidade volte ao normal nesta terça. Pelas redes sociais, ele pediu à população que ficasse em casa. O comércio, na região central, não abriu. Todas as ruas do entorno da praça foram interditadas. Às 17 horas, a cidade permanecia em suspense. "O Gate desarmou 16 bombas, mas falta uma que está atrás daquele carro preto e outras 20 que estão no caminhãozinho", relatou o cabo PM Piazza, que participava do bloqueio à região central. Segundo ele, as áreas foram interditadas porque há suspeita de que os explosivos podem ser acionados por sensores. Uma varredura final está prevista para a manhã desta terça.

Uma das bombas explodiu quando um rapaz de 25 anos passava de bicicleta pela rua. "Eu estava logo atrás e vi quando explodiu. Não vi ele tocar em nada, apenas passava com a bicicleta. Foi horrível, ele ficou todo ensanguentado", conta a esteticista Bruna Pires, que seguia para o trabalho em um hotel. O homem foi levado para a Santa Casa e teve os dois pés e os dedos das mãos amputados. No fim da tarde, ele estava em estado grave. Outras três pessoas estavam internadas, duas delas com escolta da polícia, pois fariam parte da quadrilha.

O assessor legislativo João de Paula estava acordado em sua casa, quando começaram as explosões. "Foi um salve geral, pois os tiros começaram a pipocar ao mesmo tempo em várias partes da cidade. Foi um ataque bem organizado, coisa de profissional. Eles usaram cinco drones para monitorar a polícia." Segundo ele, houve informações de que um drone foi encontrado caído e apreendido pela polícia. A agente de reserva de um hotel do centro, Rosane Souza, disse que os hóspedes se desesperam durante os ataques. "Os carros com os bandidos passaram aqui na frente, dando tiros", disse.

Amarrados em carros, reféns foram feitos de 'escudo humano' para impedir ataques da polícia contra os criminosos.  
Amarrados em carros, reféns foram feitos de 'escudo humano' para impedir ataques da polícia contra os criminosos.
Foto: Reprodução/Twitter / Estadão

O morador que foi amarrado pelos bandidos no capô de um carro falou com a reportagem com a condição de não ser identificado. Ele disse que seguia para a rodoviária quando foi parado pelos bandidos. "Mandaram eu sair do carro, arrancaram minha camisa, me puseram em cima do carro e mandaram eu segurar forte, pois, se eu caísse, me davam um tiro. Segurei o mais forte que pude e quase caí quando passaram com tudo em uma lombada." Contou ainda que os bandidos atiraram contra os prédios e contra a polícia. "Fiquei no meio do tiroteio e uma bala me pegou de raspão." Ele disse que, após ser libertado, saiu correndo, depois foi a uma igreja rezar. "Nasci de novo", disse.

No fim da tarde ainda circulavam informações de que bandidos estavam escondidos pela cidade. O contador Stuchi teve uma surpresa quando conseguiu acesso ao seu escritório, que fica na área bloqueada pela polícia. "Alguém arrombou a porta metálica dos fundos, acredito que para se esconder do tiroteio, pois havia equipamentos e até dinheiro na gaveta e não levaram nada." A porta estava retorcida, como se tivesse sido chutada.

Ele lembra que, em outubro de 2017, Araçatuba viveu um drama parecido. Naquela madrugada, 30 homens armados invadiram a cidade, incendiaram veículos, atiraram contra unidades policiais e explodiram a sede da Protege. Um policial civil foi morto pelos bandidos.

À tarde, o prefeito Borges gravou um vídeo com o secretário de Segurança Pública, general João Camilo Pires de Campos, e com o comandante geral da PM, coronel Fernando Alencar Medeiros, pedindo que a população de Araçatuba mantenha a calma e que "não espalhe fake news pelas redes sociais". No início da noite, policiais do Gate ainda trabalhavam no desarme de explosivos, por isso, as escolas e o comércio da região central não devem abrir na manhã desta terça. Na zona rural, foram encontrados sete veículos abandonados, três deles furtados de moradores da cidade. Na cidade, a noite chegou silenciosa, com pouca gente nas ruas, bares e restaurantes fechados em sinal de luto.

Estadão
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