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SP: como 2 jovens levaram o metrô a agir contra abuso sexual

16 out 2015 - 05h41
(atualizado às 09h30)
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Nana Soares é a penúltima da esquerda para a direita e Ana Carolina Nunes é a que está do lado direito dela
Nana Soares é a penúltima da esquerda para a direita e Ana Carolina Nunes é a que está do lado direito dela
Foto: Divulgação

No último ano, chamaram a atenção casos de tentativa de estupro e abuso sexual ocorridos nos trens do metrô de São Paulo e da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). Foram 65 entre janeiro e agosto de 2014 e 100 no mesmo período de 2015, segundo dados obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo – números que representam um caso de abuso a cada 48h.

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Em 2014, houve também uma polêmica com a propaganda do metrô paulista veiculada na Rádio Transamérica em que um personagem chamado Gavião diz que até gosta do trem lotado porque "é bom pra xavecá a mulherada, né mano?! (sic)".

Tudo isso combinado à discussão da proposta de adesão ao famoso "vagão rosa" no sistema metropolitano de São Paulo – que significaria separar vagões exclusivamente para mulheres em horários de pico, como ocorre no Rio de Janeiro – levou Ana Carolina Nunes, de 24 anos, e Nana Soares, de 23, a decidirem fazer alguma coisa para combater o problema.

Elas não são funcionárias, são apenas usuárias do metrô há anos, que se cansaram de ver casos de assédio ou abuso se multiplicarem nos vagões – Ana, inclusive, até sofreu com esse problema quando era adolescente e não sabia como se defender. Hoje, ela é faixa preta de jiu-jitsu, mas não tem a mínima vontade de usar suas técnicas de luta para se defender de agressores sexuais no transporte público. Por isso, optou por procurar outros mecanismos de defesa para combate o cerne do problema.

"No começo do ano passado, estava muito em evidência, foram uns 3 casos de estupro em coisa de um mês", disse Ana Carolina à BBC Brasil. "Me dava desespero porque, para mim, parecia muito óbvio que o Metrô e a CPTM só em se comunicarem já poderiam fazer alguma coisa. Uma simples campanha já causaria muito impacto, e eu pensava: será que eles não percebem isso?

Jornalista por formação e pesquisadora de políticas públicas por interesse, Ana foi buscar ajuda primeiro com a colega de profissão Nana, também jornalista, e especialista no tema da violência contra a mulher. Juntas, elas procuraram o metrô para sugerir atitudes – e cobrá-las depois - de combate ao assédio nos vagões.

Mas a tarefa não foi tão simples quanto parecia. "A gente elaborou sugestão em três eixos: prevenção, a responsabilização e o foco na vítima. Eu achei que a gente ia fazer um documento, protocolar e pronto. Achei que ia apresentar, eles iriam entender e pronto. Não esperava que eles abrissem para eu discutir junto", contou Ana.

Saga

Não foi bem assim. De quando fizeram as primeiras sugestões em maio de 2014 – por duas vias: a ouvidoria do metrô e o canal de relacionamento – até o dia em que a campanha foi para os vagões (agosto deste ano), foi quase um ano e meio.

"Uma coisa que pautou a conversa é que era preciso quebrar o mito de que o agressor no metrô é o maníaco do parque. Não é pra falar com esse cara achando que ele é um psicopata", disse Ana.

"Tem gente que faz porque acha que isso é uma brincadeira. Então quando você faz uma campanha mostrando que isso é errado, aquele cara que faz achando que é brincadeira, não pode dizer que não sabia que é errado. E falamos que era preciso também falar sobre a denúncia na campanha, que ela é uma ferramenta importante de combate", acrescentou a jovem.

Nesse período, elas passaram por cerca de seis ou sete reuniões, participaram do primeiro treinamento com supervisores das estações, viram a gestão do metrô mudar após a eleição do governo estadual e chegaram a achar que o projeto iria por água abaixo.

"Eu me impressionei muito com a burocracia. A gente convencia um departamento e aí tinha que passar para outro. Isso me incomoda muito, foi quase um ano e meio entre falar com o metrô e a campanha ir para os trens", disse Nana à BBC. "Esse tempo não e o mesmo que da usuária do metrô, não é o tempo que o assédio acontece."

Resistência

Na primeira reunião, ainda houve um pouco de desconfiança. "Percebi que o ponto mais crítico era fazer eles entenderem a gravidade da situação. Para algumas pessoas, isso parecia mais evidente, para outras, não. São empresas masculinas, dominadas por homens da base ao todo", comentou Ana.

"Eu senti na primeira reunião isso de ‘quem são vocês? e o que estão fazendo aqui?’. Depois eles foram se acostumando e vendo que a gente entendia disso, do tema violência de gênero. Dá uma diferença gritante da primeira reunião com o primeiro treinamento. Tinha gente que achava que isso não era importante", completou Nana.

Em uma palestra explicativa para supervisores de estações sobre o que é assédio e por que ele é ruim, elas contam que puderam ver estampado no rosto dos funcionários do metrô a surpresa com que receberam as informações.

"Foi falado que assédio não é elogio e etc. e, enquanto explicavam isso, víamos que as funcionárias mulheres concordavam, mas que os homens não entendiam. É algo tão naturalizado, que eles não entendem como isso pode ser uma violência. E isso não é no metrô, é em qualquer lugar", contou Nana.

Com a aproximação das eleições estaduais, houve uma parada na evolução do processo, que só foi retomado em fevereiro deste ano – sempre acompanhado de cobranças das duas. Apesar de o governador Geraldo Alckimin ter sido reeleito, houve uma mudança de gestão, então foi necessário retomar as discussões.

Em situações de pane, metrô registrou até casos de tentativa de estupro no ano passado
Em situações de pane, metrô registrou até casos de tentativa de estupro no ano passado
Foto: Oswaldo Corneti / BBC News Brasil

Mudanças

Acompanhando de perto e de longe ao mesmo tempo – Ana Carolina e Nana não participaram da concepção da campanha na agência de publicidade, mas mantinham uma troca de emails frequente com o Metrô para saber o andamento do processo -, as jornalistas foram chamadas para participarem da campanha estampando uma das peças.

"Você não está sozinha. Estamos unidas contra o abuso sexual", diz o cartaz que traz as duas junto com uma funcionária do Metrô e outra usuária do transporte.

No Metrô, a campanha está sendo veiculada por meio de cartazes distribuídos nas linhas azul, verde e vermelha, pelos monitores nos trens e também conta com a distribuição de panfletos nos horários de pico, além de divulgações diárias nas redes sociais.

Segundo a Secretaria de Transportes Metropolitanos (STM), "no metrô, as manifestações pelo SMS Denúncia (97333-2252) passaram de 10 casos em 2013 para 62 em 2015 (de janeiro a agosto)".

Ainda de acordo com dados oficiais, dos casos denunciados, "89% dos abusadores descritos pelas vítimas são detidos pelos agentes do Metrô e encaminhados para a Delpom, Delegacia do Metropolitano, órgão responsável pela investigação dos crimes no sistema metroferroviário paulista."

Ana Carolina e Nana disseram que na CPTM, a situação é um pouco mais complicada. Com menos verba, sem tantas câmera monitorando os trens e com muitos funcionários terceirizados, fica mais difícil controlar e coibir o assédio. Na Companhia, a campanha só está sendo veiculada pelas rede sociais.

"Na CPTM, não andou. Eles começaram campanhas nas redes sociais. Mas nem sempre tem orçamento. Teve dois casos da CPTM que o agressor era o próprio funcionário. E aí você pensa: por onde começar? Na CPTM, o sistema é falho pra caramba, a segurança é frágil, não tem câmeras em todos os trens, há um obstáculo estrutural".

Ainda assim, a CPTM afirmou que recebeu 106 mensagens relacionadas a abuso neste ano e que, "em 98% dos casos, os molestadores foram identificados, encaminhados às delegacias e as usuárias registraram boletins de ocorrências."

Como próximos passos, tanto Ana Carolina, quanto Nana pensam em ver a ação que elas levaram para o Metrô virar efetivamente uma política pública para os transportes metropolitanos.

"Como essa ação não virou uma política pública, acaba ficando jogado para as empresas. No começo a gente falava: esse caso aconteceu na Barra Funda, e eles diziam: mas foi na parte da CPTM ou do Metrô? Você acha que se o cara sai correndo com o p**** pra fora atrás de mim, eu vou estar preocupada em olhar o lado da estação que eu estou?", questionou Ana.

"Espero que isso seja o início de uma mudança de cultura interna do Metrô, que ele precisa também. Precisa de mais mulheres ali dentro, não adianta fazer campanha bonita para o público, se dentro não faz nada", afirmou Nana.

Lotação dificulta identificação de abusos na CPTM:
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