Alemanha tenta recolocar sua estatal ferroviária nos trilhos
Fonte permanente de frustração entre passageiros, operadora registrou em 2025 novo recorde de atrasos em seus trens. Plano de restruturação para 2026 visa melhor pontualidade e cortar cargos executivos.Sob nova direção desde outubro, a Deutsche Bahn (DB), operadora ferroviária da Alemanha, planeja uma ampla reestruturação para 2026. Um dos objetivos é melhorar a pontualidade e a eficiência dos trens num momento crítico para o desempenho da estatal.
Nos últimos meses, apenas 55% dos trens de longa distância chegaram com menos de seis minutos de atraso — a definição oficial da empresa para "pontual", levando a DB a registrar um novo recorde negativo. Em 2024, foram 37,5%.
A pontualidade dos trens alemães vem se deteriorando há anos, e a operadora se tornou uma das mais problemáticas da Europa. Para os passageiros, atrasos e cancelamentos tornaram-se experiência quase diária, especialmente em regiões densamente povoadas, onde os usuários agora se consideram sortudos quando dois a cada três trens chegam na hora prevista.
O plano da recém-nomeada diretora-executiva, Evelyn Palla, é eliminar cerca de 30% dos cargos executivos, como parte dos esforços para simplificar a gestão, descentralizar a tomada de decisões e melhorar a pontualidade e a eficiência, tornando a organização mais ágil.
Constrangimento internacional
A crise ganhou dimensão internacional no verão de 2024, quando a Suíça proibiu trens da Deutsche Bahn de circular em sua rede ferroviária, alegando que os atrasos crônicos poderiam prejudicar os horários suíços.
A decisão expôs, de forma contundente, a falha da Alemanha em investir adequadamente em seu sistema ferroviário e conter a deterioração da infraestrutura de transporte.
Segundo o Ministério dos Transportes da Alemanha, cerca de metade das linhas ferroviárias do país está em condição medíocre, ruim ou deficiente. Aproximadamente um quinto da infraestrutura precisará ser substituído a médio prazo, enquanto alguns elementos — incluindo caixas de sinalização com mais de 100 anos — exigem atenção imediata.
O Tribunal Federal de Contas da Alemanha já criticou repetidamente o governo por não cumprir suas responsabilidades como controlador da operadora ferroviária, falhando em abordar problemas-chave. A manutenção da infraestrutura ferroviária como bem público e a garantia de serviços confiáveis é uma obrigação constitucional.
Três décadas de decadência
Nos últimos 30 anos, a Alemanha gastou apenas uma fração do que países vizinhos, como Suíça e Áustria, investiram na manutenção e modernização de suas redes ferroviárias.
Ao mesmo tempo, o sistema ferroviário alemão encolheu, mesmo com o aumento da demanda, já que mais pessoas passaram a viajar longas distâncias para trabalhar. O resultado é uma rede que transporta mais tráfego em menos trilhos, muitos deles em mau estado. É esta a combinação que está no cerne dos problemas da Deutsche Bahn.
Jens Kaminski, um experiente maquinista que trabalha na DB desde 1994, lembra de uma era muito diferente. Naquela época, a expressão alemã "Pünktlich wie die Bahn" ("pontual como um trem") ainda era comum entre os alemães.
"Naqueles dias, quando você caminhava pela vila, as pessoas te cumprimentavam como um bombeiro — como um herói", disse Kaminski à DW. "Hoje é mais assim: 'Ah, ele é maquinista. Você não é nada'."
Entre os ferroviários, costumava prevalecer outro ditado: o horário é lei. "Tínhamos 12 pessoas de prontidão no depósito. Se algo desse errado — uma pane, qualquer coisa — eles entravam e consertavam. Sem problema. Hoje, equipes de reserva não existem mais. Muito caro."
Da reforma ao retrocesso
A carreira de Kaminski reflete a história moderna da Deutsche Bahn. Ele começou a trabalhar no mesmo ano em que as operadoras ferroviárias da Alemanha Oriental e Ocidental se fundiram para formar a Deutsche Bahn AG, apenas quatro anos após a reunificação.
A nova empresa foi concebida para incorporar reformas orientadas pelo mercado. Como uma sociedade anônima totalmente estatal, a DB tinha a missão de se tornar competitiva e lucrativa, com o objetivo de longo prazo de abrir capital na bolsa.
O que se seguiu foi um corte agressivo de custos. Investimentos em infraestrutura e pessoal foram reduzidos para tornar a empresa mais atraente aos investidores.
"Foi quando os cortes reais começaram", disse Kaminski. "Linhas foram fechadas, até trilhos de cruzamento essenciais. Foi radical."
A oferta pública inicial nunca aconteceu, e o governo alemão continua sendo o único acionista da DB.
Um contraexemplo suíço
A Suíça enfrentou desafios semelhantes na década de 1990, mas adotou uma abordagem diferente. Assim como a Alemanha, transformou sua operadora ferroviária em uma corporação com o Estado como único acionista.
Mas, ao contrário dos vizinhos, deixou claro que o objetivo principal do sistema ferroviário era o serviço público, não o lucro. Cerca de 90% dos trens suíços circulam hoje no horário, e a operadora proíbe trens alemães atrasados mais de 15 minutos.
"A Alemanha investe muito menos em suas ferrovias do que a Suíça. Se você investe muito menos, não pode esperar a mesma qualidade", disse Peter Füglistaler, ex-supervisor da operadora suíça SBB, à emissora regional alemã WDR.
Um longo caminho pela frente
A negligência da Alemanha com as ferrovias é frequentemente associada à forte cultura automobilística. Governos sucessivos investiram aproximadamente o dobro em estradas e rodovias do que em infraestrutura ferroviária.
Ainda assim, sinais de mudança começam a surgir. Palla é a primeira mulher a ocupar o cargo de CEO da Deutsche Bahn e a primeira diretora-executiva com licença de maquinista.
Dos 500 bilhões de euros em nova dívida assumida pelo governo alemão para modernizar as forças armadas e a infraestrutura pública, quase um terço se destina ao sistema ferroviário.
Para os passageiros, no entanto, a virada não será rápida. Obras e reparos devem causar mais interrupções no curto prazo — o que significa que, antes de os trens se tornarem mais confiáveis, os atrasos provavelmente vão piorar.