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A Nicarágua está se transformando numa segunda Venezuela?

23 jul 2018 - 12h00
(atualizado às 12h36)
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Freio na produção e repressão a protestos são alguns dos paralelos atuais entre ambos os países. Para especialista, Nicarágua ainda não está à beira do abismo como a Venezuela, mas caminha nesse sentido.A Nicarágua teve um crescimento econômico relativamente elevado nos últimos 15 anos, fazendo de sua economia a sexta maior da América Central. Mas o cenário mudou em 18 de abril deste ano, quando eclodiu a atual crise político-institucional no país centro-americano.

Manifestantes participam de marcha contra o governo de Daniel Ortega, em Manágua, em 12 de julho de 2018
Manifestantes participam de marcha contra o governo de Daniel Ortega, em Manágua, em 12 de julho de 2018
Foto: DW / Deutsche Welle

Se antes o governo estimava que a economia do país fosse crescer entre 4,5 % e 5% em 2018, com uma inflação acumulada entre 5,5% e 6,5%, agora o Banco Central prevê que a economia cresça entre 0,5% e 1,5%, com inflação entre 6,5% e 8,5%.

A atual onda de protestos na Nicarágua foi motivada pelos planos do presidente Daniel Ortega de reformar o sistema previdenciário do país, aumentando contribuições e reduzindo benefícios. O governo voltou atrás, mas a repressão aos manifestantes provocou protestos ainda maiores contra o presidente.

Grandes setores da economia nicaraguense estão nas mãos de Ortega, de sua família e de seus aliados, aponta Hajo Lanz, representante da Fundação Friedrich-Ebert (FES) para a Nicarágua.

De acordo o especialista, muitas pessoas sentem que não têm participação suficiente no crescimento dos últimos anos, e a desigualdade econômica está crescendo no país. "É por isso que muitos nicaraguenses, de todos os setores da população, saem para protestar nas ruas", considera.

Em 2 de abril de 2017, a agência de classificação de risco FitchRatings estimou que os níveis de capital e liquidez dos bancos do país centro-americano eram "sólidos". Após o início da onda de protestos no país, a agência rebaixou a economia da Nicarágua para "B", devido à "crescente instabilidade política e à correspondente diminuição do investimento estrangeiro, ao freio no crescimento econômico e à deterioração das finanças públicas".

A dívida externa da Nicarágua chegou a 11.563,2 milhões de dólares no primeiro trimestre de 2018, o equivalente a 79,6% do PIB, informou o Banco Central do país em junho deste ano. A dívida externa total aumentou em 50,5 milhões de dólares, ou 0,4%, em relação ao quarto trimestre de 2017, afirmou o órgão.

Apesar da solidez dos últimos anos, na opinião da agência S&P Global Ratings, que classificou a Nicarágua como B+ em julho deste ano, o país centro-americano enfrenta desafios, particularmente a baixa renda per capita, uma fraca posição no cenário internacional e a rigidez de sua política monetária.

A atual onda de protestos e a repressão dos mesmos por forças parapoliciais do governo de Ortega, que já deixou um trágico saldo de ao menos 277 mortos, segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), pesam sobre a economia do país. A vida cotidiana não é mais a mesma, e produtores e trabalhadores também são afetados.

Para 2018, a FitchRatings prevê que o déficit da balança comercial da Nicarágua subirá dos 5% registrados no ano passado para 8% do PIB, devido ao aumento do preço do petróleo e a perdas nos setores de turismo e agrícola motivadas pela crise institucional no país. A agência espera uma redução no crescimento econômico do país neste ano, para 1,7%.

Paralelos com a Venezuela

Questionado se a situação na Nicarágua poderia, no médio prazo, resultar num beco sem saída como o da Venezuela de Nicolás Maduro, Lanz afirma que há vários paralelos entre ambos os países: "Tanto no que se refere ao estilo de governo autoritário, míope e carente de empatia, assim como [por ambos os governos] afirmarem ter encontrado a solução política e ética na forma de uma ideologia e no domínio de um partido único."

"A Nicarágua ainda não está à beira do abismo como a Venezuela, mas está a caminho disso", diz. "A falta de investimento, o freio na produção, e o fato de que a economia está nas mãos de poucos e de que as pessoas que saem para protestar nas rua são perseguidas, reprimidas e assassinadas também representam um paralelo com a Venezuela."

De acordo com o especialista, porém, nem tudo que o governo de Ortega fez é ruim. "O Estado não deixa a população morrer de fome, e vários programas sociais foram criados em anos anteriores. Mas estes não devem ser usados para sufocar as demandas por mais liberdades e direitos democráticos", avalia.

A deterioração econômica anda de mãos dadas com a crise sociopolítica, e ninguém sabe o que acontecerá em poucos meses, destaca Lanz, apontando que tal incerteza agrava ainda mais a situação.

Quando questionado se Ortega será capaz de garantir a estabilidade econômica do país apesar da crise, o especialista acredita que, "para que a Nicarágua não continue a caminho do abismo, não pode haver outra solução fora eleições antecipadas justas e transparentes".

Governo Ortega

No poder há 11 anos, Ortega é acusado de ordenar a repressão violenta de manifestações juntamente com a sua mulher, Rosario Murillo, que é sua vice-presidente, num regime marcado pela corrupção e pelo nepotismo. Os opositores o acusam de ser um ditador e exigem que saia ou que haja eleições antecipadas.

Em resposta, o governo acusou de exercer terrorismo, criar insegurança e agir com violência "qualquer um que se propuser a alterar pelas vias de fato" a ordem jurídica e constitucional por meio dos bloqueios de estradas, onde ocorreu "violência, tortura e sequestro".

Com dezenas de mortos e centenas de feridos em três meses, a Nicarágua vive sua crise política mais sangrenta desde a década de 1980.

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