"Tenho muito a acrescentar que não diz respeito a ser mulher preta"
Empreendedora premiada, Flávia Paixão dispensa estereótipos nos quais é encaixada em ações de "diversidade" nos ambientes de negócios
De tanto ver a mãe envolvida com gestão de negócios, a gestora de negócios Flávia Paixão decidiu empreender também. Mesmo tendo estudado somente até a terceira série, sua mãe abriu o próprio restaurante após décadas de trabalho como doméstica e cozinheira, e chegou a empregar cinco funcionárias de uma só vez.
As coisas começaram a desandar com o passar do tempo e logo o negócio faliu. A mãe de Flávia não desistiu e abriu um mercadinho, mas o ciclo da falência se repetiu ao menos três vezes depois dessa nova tentativa.
"Ela tinha dificuldade em gerir o próprio negócio, vendia muito fiado e acabou quebrando", lembra Flávia Paixão, que hoje é reconhecida por sua contribuição à educação empreendedora do País.
Mas enquanto a mãe tentava se estabelecer em um negócio, Flávia também empreendia. Aos oito anos de idade, ela vendia brigadeiros, papel de carta e outros pequenos objetos para os clientes de sua mãe.
"Era uma forma de eu ajudar em casa. Hoje olho para trás e penso: 'Meu Deus, eu só tinha essa idade'. Mas eu e minha mãe éramos muito próximas e eu a ajudava muito", destaca.
Mulher de negócios
Buscar uma formação para que pudesse se tornar uma empreendedora de sucesso, então, pareceu um caminho óbvio para Flávia Paixão. Ela se formou em Gestão Empresarial com foco em Pequenos Negócios e, em seguida, passou três anos na Irlanda estudando inglês e gestão de negócios.
Pouco tempo depois de voltar para o Brasil, a gestora entrou como sócia em sua primeira empresa, focada no ramo de tecnologia, aos 30 anos. "Eu percebi que tinha uma mudança muito forte no mercado para o digital, mas meu sócio era um pouco resistente", conta.
Ela insistiu para que eles adotassem, juntos, novas estratégias e mudassem o rumo da empresa, mas não foi ouvida. "Na verdade, em alguns momentos, eu sentia como se fosse secretária dele, sabe? Ele não me via como uma igual", acrescenta.
Foi então que Flávia decidiu se separar para investir nas ideias que eram ignoradas por ele. Hoje aos 40 anos, é uma gestora premiada e reconhecida por sua atuação com micro e pequenos empreendedores, com sua própria empresa, a Empreender com Paixão.
Sua ação na área da educação empreendedora tem como foco o digital, com a implementação das estratégias que Flávia sempre planejou.
"Aconteceram mais coisas do que eu imaginava. Se me perguntassem se eu imaginava que chegaria aqui, eu diria que não, não fazia ideia", diz Flávia Paixão.
Deu tão certo que Flávia reúne 70 mil inscritos em seu canal no YouTube, que recebeu um prêmio de impacto na educação do Brasil, e 13 mil seguidores no Instagram. Flávia também já foi premiada pelo LinkedIn, fala sobre empreendedorismo no maior jornal de Salvador e é uma referência na área.
No entanto, mesmo sendo tão reconhecida por seu trabalho na internet, Flávia revela que sente falta de reconhecimento no País como um todo.
"Até mesmo na Bahia eu faço pouquíssimos eventos. Chamam muita gente de fora, normalmente homens brancos e héteros. Eu juro que às vezes me pergunto: se eu fosse um homem, como as coisas seriam?", desabafa.
Além disso, Flávia ainda sente que tentam encaixá-la em estereótipos e reduzir sua atuação para a defesa de diversidade de gênero e racial no empreendedorismo. A especialista em negócios dispensa, sem rodeios, essa limitação.
"Não quero só falar de racismo ou machismo"
Em paralelo à consultoria e educação empreendedora, Flávia Paixão tenta desbravar uma área do mercado ainda pouco explorada por mulheres pretas: aquela que não diz respeito a gênero ou à cor de pele. Especialista em gestão empreendedora, métricas, inovação e pequenos negócios, Flávia conta que, na maioria das vezes, só é convidada para eventos e painéis que tratam questões de diversidade.
"As empresas dão voz e lugar para as pessoas negras falarem sobre racismo e questões de diversidade. Ou então dão voz para as mulheres falarem de empreendedorismo feminino. Decidi não seguir essa linha", afirma. "Não é porque sou mulher que sei falar de empreendedorismo feminino ou, porque sou negra, que falo sobre afroempreendedorismo".
Flávia conta que, inclusive, já chegou a fazer terapia para lidar com a pressão que sofreu para ceder aos pedidos e servir como símbolo das causas de grupos minoritários. A especialista defende a liberdade de falar sobre assuntos que não dizem respeito a dor, sofrimento ou dificuldades, por exemplo.
"Devemos aprender e respeitar e não tentar conduzir o que aquelas pessoas vão dizer. A gente tem o hábito de ver gente falando de dor, de sofrimento, mas não é só isso. Respeito e acho necessário que exista essa frente, mas tenho muito a acrescentar que não diz respeito a ser uma mulher preta", declara.
*Com edição de Estela Marques.