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Promotoras Legais Populares: Mulheres que formam mulheres

Voluntárias ensinam mulheres sobre legislação e como exigir o cumprimento de suas obrigações para que os direitos sejam garantidos.

14 abr 2022 - 18h10
(atualizado em 18/4/2022 às 08h00)
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Promotoras Legais Populares educam mulheres sobre legislação e direitos civis.
Promotoras Legais Populares educam mulheres sobre legislação e direitos civis.
Foto: Ramiro Furquim/FatoPress

Foi durante um fórum internacional que discutiu os direitos fundamentais de mulheres realizado no ano 2000 que a advogada Sandra Lopes ouviu falar pela primeira vez das Promotoras Legais Populares. Ao saber, por meio de ativistas peruanas e chilenas que a iniciativa já existia no Brasil, ela se inscreveu no curso. No ano seguinte, implantou o projeto na cidade de Suzano (SP), onde mantém uma rede de apoio formada por aproximadamente 800 mulheres, entre ex-alunas e voluntárias do projeto. "Conhecer uma forma de organizar, passar conhecimento e empoderar outras mulheres, mudou a forma como eu via o mundo e me enxergava como indivíduo", destacou. 

O projeto Promotoras Legais Populares (PLPs) tem iniciativas espalhadas pelo Brasil inteiro e tem como objetivo educar mulheres sobre a legislação vigente no País, como exigir que o poder público cumpra as suas obrigações para que os direitos dos cidadãos - especificamente o das mulheres - sejam cumpridos. O curso é gratuito, acontece uma vez por ano (entre março e novembro). É espaço de troca e educação popular em direitos, onde são discutidos questões relacionadas ao direito propriamente dito como a Constituição Federal; Poderes de Estado: Executivo, Legislativo e judiciário; Lei Maria da Penha; Medidas Protetivas; questões de saúde como acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS), direitos sexuais e reprodutivos e abortamento legal; Previdência e Reforma da Previdência, gênero e diversidade sexual, transexualidade, histórico do Movimento de Mulheres no Brasil, feminismos e muitos outros, sempre partindo das perspectivas de gênero, raça e classe.

Sandra Lopes, fundadora do projeto Promotoras Legais Populares em Suzano, acompanha uma rede de apoio com mais de 800 mulheres
Sandra Lopes, fundadora do projeto Promotoras Legais Populares em Suzano, acompanha uma rede de apoio com mais de 800 mulheres
Foto: Maurício Sordilli/ Prefeitura de Suzano

"É uma fonte inesgotável de temas que podemos abordar. Elas aprendem o que é ser cidadã e como podem auxiliar a comunidade em que estão inseridas. São multiplicadoras desse conhecimento˜, explicou Sandra. 

E os impactos do trabalho são notórios. "Tem mulheres que entram no curso e se descobrem vítimas de violências veladas ou 'relevadas' socialmente. Juntas elas começam a pensar sobe isso, sobre como mudar essa realidade pra ela e para outras. Temos muitos casos de mulheres que se empoderam tanto, que passam a atuar liderando grupos em seus territórios˜.

Um dos exemplos é da Maria do Lago, uma senhora que mora no bairro Jardim do Lago, em Suzano. "A Maria estava com receio de entrar no curso, porque não sabe ler nem escrever. Mas falei pra ele que esse conhecimento não é necessário. Que ela entraria no curso, escutaria as aulas e absorveria o conteúdo. Não temos provas. Ela não só concluiu o curso, como virou uma liderança atuante no bairro, que carrega até o nome. A Maria é uma revolução", contou Sandra. 

Todas as palestrantes e educadoras são voluntárias, o que torna o projeto barato e muito efetivo. "Eu já organizei turmas em parceria com a OAB, com sindicatos e hoje usamos a estrutura da prefeitura. Tendo um local público para os encontros, as convidadas são especialistas em suas áreas e dão as aulas voluntariamente. É um projeto barato e muito empoderador e efetivo, porque conseguimos ver os impactos tanto na vida individual de cada mulher, quanto no coletivo". Por causa da pandemia de Covid-19, as aulas em Suzano estão sendo transmitidas pelo Youtube. 

Ao longo dos anos, mulheres precisaram reivindicar o cumprimento de seus direitos legais.
Ao longo dos anos, mulheres precisaram reivindicar o cumprimento de seus direitos legais.
Foto: Robson Fernandes/Estadão Conteúdo

História

Foi na década de 1980, que surgiram os primeiros projetos de capacitação legal para mulheres na América Latina. O movimento, que começou no Peru, logo se espalhou para outros países como Chile, Argentina, Costa Rica e Bolívia. Segundo o Guia Promotoras Legais, em maio de 1992,  a União de Mulheres do Município de São Paulo participou de um seminário sobre os direitos da mulher promovido pelo Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM). Nesse encontro, as representantes da União de Mulheres tiveram a oportunidade de conhecer os projetos de capacitação legal das mulheres no continente e gostaram da ideia.

As militantes do movimento de mulheres no Brasil haviam atuado fortemente no processo de construção da Constituição Federal de 1988. Elaborada no contexto da redemocratização do país, depois de mais de duas décadas de ditadura militar, sua redação final incorporou 80% das reivindicações feitas pelas mulheres à assembleia constituinte. 

O texto da lei, entretanto, não significou o acesso imediato a direitos e, especialmente, à justiça. Era preciso que as conquistas saíssem do papel e fossem levadas ao conhecimento das mulheres para que pudessem reivindicar e exercer sua cidadania.

Com essa perspectiva, a União de Mulheres, de São Paulo, articulouse com a organização Themis - Gênero e Justiça, do Rio Grande do Sul, que também havia participado do seminário do CLADEM, para implantar a capacitação legal de mulheres no Brasil. Em 1993, a Themis organizou o primeiro curso de capacitação legal das mulheres na cidade de Porto Alegre. Hoje, iniciativas se espalham em todas as regiões do País. 

"Organizações parceiras, como o Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, o Movimento do Ministério Público Democrático e a Associação Juízes para a Democracia, foram importantes para a sobrevivência do projeto, especialmente nos primeiros anos, mas o fator central para seu sucesso durante essas mais de duas décadas foi a colaboração de militantes, profissionais do direito e organizações feministas, que acreditaram na proposta da educação popular feminista em direitos como uma estratégia para efetivar o que prevê a Constituição Federal, ou seja, que homens e mulheres são iguais em direitos", descreve o manual. 

Fonte: Redação Nós
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