'Foi um alívio', dizem padres gêmeos diagnosticados com autismo aos 36 anos
Vanilson e Vanderley dos Santos Rigon transformaram o diagnóstico tardio de autismo em testemunho de fé e superação
No Paraná, dois padres gêmeos partilham mais do que o DNA e a vocação: compartilham também um diagnóstico que mudou a forma como eles se enxergam e como transmitem a fé. Vanilson e Vanderley dos Santos Rigon receberam, já aos 36 anos, a confirmação de que se enquadram no Transtorno do Espectro Autista (TEA). Hoje, aos 37, dizem que o encontro com essa identidade foi um divisor de águas e um chamado para acolher ainda mais.
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O momento da descoberta foi também um reencontro de irmãos. Vanderley já estava com os resultados em mãos e pediu que o irmão esperasse para abrir o próprio pacote de exames. Dentro do carro, estacionado do lado de fora de uma paróquia no Paraná, eles se olharam e, juntos, leram as palavras que mudariam o rumo das suas vidas e de incontáveis outras.
"Eu abri meu diagnóstico, ele abriu o dele e, para nossa surpresa, foi igual, são profissionais diferentes e o mesmo diagnóstico. E nós nos abraçamos, quebramos todo tipo de preconceito entre nós", conta Vanderley, ordenado em 2019 e atualmente responsável pela Paróquia Santa Joaquina de Vedruna, em Maringá.
Quem deu o primeiro passo e buscou atendimento psicológico foi Vanilson, quando já não conseguia se reconhecer mais. Ao tentar se adequar à personalidade neurotípica, ele se perdeu. "Eu já estava totalmente despersonalizado. Não conhecia o meu verdadeiro eu, porque no autismo nível 1, temos o 'mask'. A gente cria uma espécie de personagem para socializar", contou ao Terra.
"Foi um alívio. Na verdade, hoje, a gente se entende melhor. [...] Só na vida adulta que a gente resolveu buscar o diagnóstico, mas isso foi um alívio e a gente recebeu todo o apoio da comunidade", relembra Vanilson, pároco desde 2017 em Nossa Senhora Rainha, em Atalaia (PR).
As lembranças de infância revelam traços que hoje fazem sentido: seletividade alimentar, estereotipias, hiperfocos. Conforme Vanilson, ele suspeita que, na infância, ambos se enquadravam no autismo tipo 2, considerado moderado.
Apesar das semelhanças, cada um trilhou sua forma de sentir e expressar. Enquanto Vanilson não gosta de toque ou barulho, Vanderley se enxerga mais social e comunicativo. "Temos sim as nossas diferenças, e ele sempre foi mais habilidoso na questão da intelectualidade, e eu sempre tive mais dificuldades, até na linguagem", explica Vanderley.
Fé e ciência
Ao tornarem público o diagnóstico, encontraram mais braços estendidos do que barreiras. "Inclusive, a gente abriu essa dimensão do diagnóstico para o bispo e também para os padres da nossa arquidiocese", explicou Vanderley.
"Hoje, ficou mais fácil até deles entenderem o porquê de, muitas vezes, a gente ter passado por essa situação de não ter contato e evitar certos ambientes. Porque, para nós, era um sofrimento", afirma.
O acolhimento se estende às obrigações pastorais. Os fiéis respeitam mais as limitações dos padres, que podem se desgastar com a quebra de rotina e o excesso de interação social. Além disso, as paróquias estipulam um limite de pessoas que serão atendidas por dia para evitar desregulação.
Mesmo antes da confirmação do diagnóstico, a comunidade religiosa já se colocava ao lado dos padres. Um gesto marcante vinha do padre Neri Dione Squisati, que, ao perceber nos irmãos a dificuldade de conduzir a missa -- fosse por uma crise de ansiedade generalizada ou pela impossibilidade de falar em público naquele instante --, assumia discretamente o altar, poupando-os da exposição dolorosa.
Para eles, a descoberta não foi apenas médica: tornou-se espiritual. "A igreja deve dialogar com a ciência. E como o Papa João Paulo II falava: fé e razão. Então, são duas asas", disse Vanilson.
Seu irmão complementa: "Estamos ajudando, inclusive através desta entrevista, talvez, muitos padres religiosos que também se veem na mesma condição. [...] Hoje, graças a Deus, a gente tem passado por esse processo de libertação e iluminado vidas, pessoas para que também possam buscar ajuda".
Embora chamem atenção por serem gêmeos e, agora, vozes ativas sobre inclusão, o foco não é o enaltecimento. Vanilson observa que, ao receberem o diagnóstico de autismo dos filhos, muitos pais passam a duvidar das possibilidades da criança e a temer pelo futuro dela.
"O nosso objetivo é fazer com que os pais acreditem nos seus filhos. [...] Nós mesmos acabamos nos desacreditando, mas falar abertamente do diagnóstico, como padre, com duas faculdades, faz com que os pais também projetem os sonhos nos seus filhos".
Da experiência pessoal, nasceu uma missão pastoral que ecoa nas comunidades. "Eu falo abertamente das minhas celebrações, tenho participado também de alguns encontros com a comunidade autista, e a gente fala de não negligenciar o diagnóstico precoce. [...] Acho que esse é o nosso trabalho, de conscientização, tirar as pessoas da invisibilidade e do sofrimento", afirma Vanilson.
Vanderley, por sua vez, relata que já atendeu famílias inteiras que se sentiram tocadas pelo testemunho dos padres. Em suas missas, os lugares têm sido mais ocupados por pessoas autistas, inclusive de nível de suporte mais alto e não verbal. "Eles acabam gritando bastante. Então, graças ao bom Deus, isso não me atrapalha. A caridade é muito maior do que tudo na minha vida".
