Atriz trans de 'Beleza Fatal' revela bastidor de beijo em Murilo Rosa: 'Momento intimista'

Brilhando como Andréa em Beleza Fatal, a atriz Kiara Felippe, de 29 anos, é uma ariana cheia de talentos e otimismo. Ela divide a paixão da atuação com pole dance, música e artes, e se coloca "sempre em estado de transmutação". Em conversa com o Terra, a artista conversou sobre a sua estreia em novelas, que contou até com um beijo intimista com Murilo Rosa, o processo de transição de gênero e como a sua personagem na trama vem provocando identificação em outras mulheres trans.  

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Beleza Fatal estreou no streaming Max no dia 27 de janeiro. O roteiro foi escrito por Raphael Montes, com consultoria de Silvio de Abreu, e a direção foi feita por Maria de Médicis, ex-TV Globo. 

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Apesar desta ser a primeira novela de Kiara, a paulista tem no currículo os filmes Casa da Vó, Beat é Protesto! e Sou Trans e [R]Existo. A personagem Andréa ganhou um toque especial de Kiara em suas características.

"Fui muito acolhida, muito abraçada, teve muito respeito e teve uma escuta tanto da minha parte, quanto dos outros envolvidos. Eles queriam também minha opinião. Eu tive uma reunião com a diretora e a gente conversou muito. Tanto é que o ponto de escolher, antes da transição, a caracterização, de eu ir com meu black, e todos aqueles trejeitos, foi uma proposta minha, que depois foi colaborada com a Pepita", explicou.

A cantora Pepita, de 35 anos, também integra o elenco da nova novela do streaming Max. Ela interpreta a personagem Bel, uma mulher trans cheia de opiniões fortes e que é amiga de Andréa. Outra estrela que contracena com Kiara na trama é o ator Murilo Rosa, de 54 anos, que vive o cirurgião plástico Tomás.

Na trama, Andréa e Tomás se apaixonam. Para a cena em que rola o beijo do casal, Kiara contou que trouxe as perspectivas de sua vivência para as preparadoras do elenco.

"Teve um momento muito intimista com o Murilo, em que a gente precisou ser totalmente frágeis. Esse momento não foi dito, foi sentido. Então a gente criou um arco na cena pós-sexo, que está mais intimista, onde a gente está abraçado na cama. Só com o toque. E aí foi se criando esse conforto entre os profissionais", relembrou.

Uma outra cena de Beleza Fatal chamou atenção pela sua densidade. Nos capítulos iniciais da novela, o médico Átila (Herson Capri) proíbe Tomás de realizar uma cirurgia plástica em Andréa, por puro preconceito. 

"Foi bem forte porque a personagem entrelaça a vivência dela com a minha. Antigamente, não tinha uma medicina propriamente dita para nós. E até hoje temos reflexo disso. Tem muitas meninas [transexuais] que têm medo de ir ao hospital, porque não retificaram o nome e podem sofrer transfobia. A nuance desse vídeo demonstra isso."

Segundo Kiara, muitas meninas entraram em contato com ela porque se identificaram com a transição de gênero da personagem. "Falaram que se sentiram tocadas, porque lembraram da transição delas. Como a violência, de onde a gente às vezes sequer acha que vai receber, de pessoas da alta sociedade, com muito estudo. Mas onde a gente não se choca, porque essa violência pode vir de qualquer lugar." 

Transição de gênero

A transição de gênero de Kiara Felippe teve início há 10 anos. Para ela, é um processo individual. "É uma coisa que ela não acaba. Eu ainda continuo em transição. Porque eu perceber o que é ser mulher, eu acho que até as mulheres cis ainda estão entendendo. Porque é uma condição que foi dada pelo patriarcado. Então, desde muito cedo eu entendia que eu era diferente. Eu fui uma criança introspectiva. E eu sempre tive uma dificuldade com o homem. Sobretudo com o macho, principalmente onde se refletia essa dificuldade pessoal", explica. 

Desde criança, Kiara percebia que era diferente de outros meninos, e que costumava fazer coisas diferentes das ditas "masculinas". 

"Eu compartilho de vivências que não são só minhas, mas que são traços que muitas contam. De brincar de boneca, de ser mais feminina, de ter um grupo de amizades mais feminina, de se comportar e ter trejeitos ditos feminino", afirmou.

Dos 20 anos até os 22, Kiara passou por algumas cirurgias plásticas. Começou com os seios, que, para ela, é um "símbolo gigantesco". Apesar de já ter passado por episódios de preconceito, Kiara compartilhou que prefere olhar para a vida de outra forma, focando nas 'coisas boas' que acontecem em seu caminho. 

"Se a gente só olha nas tragédias, e o quanto a oposição realmente é feroz e voraz, a gente não acredita que a vida vale a pena. Eu não me apeguei nesses momentos, eu não me apeguei nas frustrações. Eu sempre, por ser muito positiva e por esse processo ser tão lindo, acabei me apegando a todas as positividades que vêm acontecendo", explicou. 

Segundo Kiara, ela procura se apegar aos momentos de "primeira vez", especialmente com sua mãe. "No primeiro momento que coloquei um vestido, no primeiro momento em que falei pra minha mãe estou indo retificar meus documentos. Então, acabei me apegando nesses momentos."

"Eu não me apego, porque se a gente vive e se apega a essa realidade tão cruel, a gente adoece. E não tem nem vontade de seguir, porque fica meio que esse ciclo, sabe?", contou.

Mercado 

Kiara Felippe contou que uma seguidora de suas redes sociais começou a assistir Beleza Fatal e passou a se questionar se haveria mercado para uma mulher transexual --tendo em vista que ela é estudante de teatro.

"Por um momento, ela olhou para si própria e falou: 'Será que vai ter mercado pra mim?' É uma coisa que a gente pensa, sabe? E ela falou: 'Vendo você em uma novela, eu entendi que é possível'. E isso encheu meu coração."

Para Kiara, Andréa trouxe momentos marcantes durante o processo de transição de gênero, e, com isso, ela conseguiu trazer características suas à personagem. "Se o mercado realmente quiser seguir de uma forma corajosa e de uma forma sincera e honesta com essas personagens trans, sim, estamos seguindo de uma forma maravilhosa, estamos indo, estou muito grata."

A atriz também citou o caso de Maria Clara Spinelli, estrela de Elas por Elas, que anunciou nas redes sociais que irá desistir da carreira. "Teve um relato dela falando que ela estava desistindo da arte porque não tinha mais personagens para ela, que fugissem da curva, sabe? E eu acho que é isso, a gente quer representar simplesmente uma mulher, a gente quer representar simplesmente algo que não vai trazer um movimento, porque nós já somos um movimento, meu corpo já é político."

Conselho para meninas em transição

"O conselho que eu dou é: não desista. E, sobretudo, seja o seu próprio reflexo. Porque, muitas vezes, a gente quer ser a outra. É importante ter referência. É importante ter pessoas que nos incentivem. Mas é importante a gente entender que somos únicas", revelou ao Terra.

Segundo a artista, é importante entender que, apesar da transexualidade ser um movimento único, cada pessoa tem sua individualidade no processo. 

"Eu não gosto dessa coisa de que somos todos iguais, porque não somos. Eu não posso chegar aqui e dizer, tipo... Ai, coloque, sim o silicone. Ai, seu pai e sua mãe não te respeitam. Faça respeitar. Não posso. Porque eu não sei como é a vivência de cada um. Eu acho que o que pode ser mais lindo é o seu próprio reflexo", afirmou.

De acordo com Kiara, mulheres transexuais não precisam seguir rótulos. "Seja seu próprio reflexo. Ah, porque mulher não pode se comportar assim. Porque mulher não pode falar assim. Então, quem somos? Pra quê? Pra quem? E daí, nessa busca incessante do pra quem e por quê, a gente se perde. Porque a gente perde, na caminhada, o momento mais importante, que é se conectar com o nosso eu interior."