A carreira do único modelo supersônico civil em exploração comercial no mundo pode ter chegado ao fim às 16h44 (11h44 de Brasília) de ontem no Aeroporto Charles de Gaulle, com o acidente do Concorde da Air France denominado "o Titanic do céu". O primeiro passo nessa direção foi dado sob os olhos do presidente francês, Jacques Chirac, que chegava da reunião do Grupo dos Oito, no Japão, e assistiu ainda do interior do avião presidencial à decolagem do aparelho já em chamas, sem nada poder fazer. Na noite de ontem, a Air France e a British Airways suspenderam os vôos de hoje para Nova York do avião supersônico que foi o grande embaixador da tecnologia aeronáutica franco-britânica.
Em 1973, o então presidente George Pompidou utilizou o Concorde quando se encontrou com seu colega americano Richard Nixon. Era como se pretendesse desafiá-lo, numa atitude bem francesa ante os americanos.
Por isso, hoje, o futuro do Concorde encontra-se em suspenso e as empresas britânica e francesa vão reunir-se nos próximos dias para definir se o avião deve ou não abandonar as rotas mais nobres do planeta, Paris-Nova York e Londres-Nova York.
A carreira do Concorde pode ter-se encerrado no aeroporto que leva o nome de um de seus criadores, o general Charles de Gaulle, que deu sinal verde para sua construção no início da década de 60. Coincidência ou não, o avião acidentado era o 13º de sua geração, há 20 anos em serviço regular, mas com só 12 mil horas de vôo.
Um dos especialistas aeronáuticos franceses, François Grangier, ouvido após a tragédia, explicava que o inquérito judicial aberto para apurar as causas do acidente poderá determinar a suspensão dos vôos do Concorde, exemplo ao mesmo tempo de avanço tecnológico e fracasso comercial.
Ele pode terminar sua carreira como o dirigível, marcando o fim de uma época em que, por US$ 9 mil, os ricos da Europa e dos EUA podem cruzar o Atlântico em apenas três horas e meia, menos da metade do tempo de vôo de um Boeing ou Airbus, ainda que com menos conforto, pois se trata de um avião cheio de ruídos internos e poltronas desconfortáveis.
Nem mesmo o emotivo Jean-Cyril Spinetta, presidente da Air France, escondia suas dúvidas sobre o futuro do modelo, convencido de que o acidente terá sérias conseqüências sobre sua exploração comercial. Isso apesar de esse ter sido o primeiro grave acidente com esse avião, conhecido como "a bênção de Deus", pois em sua vida comercial havia sofrido, até ontem, apenas pequenos incidentes de percurso. O Concorde, o mais caro avião do mundo, não é um rentável e sua exploração se deve, em grande parte, a sua imagem de segurança, apesar de voar a uma velocidade Mach 2 (duas vezes a velocidade do som), de mais de 2.500 km/h.
As conseqüências financeiras para os títulos da Air France foram sérias. As ações caíram 10%, o que obrigou a empresa a retirar-se provisoriamente do pregão.
O Concorde tornou-se um aparelho comercialmente inviável na década de 70, quando a crise do petróleo multiplicou por quatro ou cinco o preço do combustível. Trata-se de um avião muito dispendioso, que exige grande quantidade de combustível para atingir sua velocidade supersônica. Isso inviabilizou os vôos entre Paris e Rio de Janeiro, com escala obrigatória em Dacar, no Senegal, rota interrompida depois de anos de exploração deficitária.
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