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"Eurico Miranda, você é truculento?"

13 mar 2019 - 09h40
(atualizado às 09h40)
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Numa entrevista exclusiva com Eurico Miranda, em outubro de 2002, uma pergunta não podia faltar – era recomendada pela chefia do jornal. Tinha de ser feita. Precisava saber se ele se considerava uma pessoa truculenta. A melhor opção seria deixá-la para o final, sem o risco de ver a conversa interrompida abruptamente antes de completar a pauta.

Foto de arquivo de 13/03/2014 do ex-presidente do Vasco, Eurico Miranda, durante entrevista concedida no centro do Rio de Janeiro
Foto de arquivo de 13/03/2014 do ex-presidente do Vasco, Eurico Miranda, durante entrevista concedida no centro do Rio de Janeiro
Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO / Estadão

Em seu gabinete, em São Januário, acomodado numa poltrona móvel, pouco abaixo de um quadro que exibia seu perfil sem rugas e com olhar inquisidor, o presidente do Vasco se sentia bem à vontade – ao seu lado, espalhados pela sala, havia três de seus seguranças, todos de terno e gravata, em silêncio e com expressão hostil. Minutos antes, o dirigente dera ordem à secretária para que ninguém mais entrasse ali.

Eurico aceitara o pedido da entrevista, depois de avaliar rapidamente os temas que seriam abordados. Disse que não tinha nada a esconder. “Pode perguntar o que quiser.”

Falou sobre a acusação (da oposição) de que não abria as contas do clube, criticou a CBF, o Flamengo, os demais clubes do Rio, a TV Globo, a arbitragem brasileira, a Fifa. Em algumas respostas, fitava fixamente o repórter, numa possível estratégia de intimidação.

Durante quase uma hora de encontro, Eurico não desprezou a companhia de seus charutos, o holandês Balmoral e o cubano Cohiba Siglo II, do qual consumia 12 caixas de 25 unidades cada, por mês. Delicadamente, ofereceu um deles ao visitante, que agradeceu, mas não o aceitou.

Na entrevista, não se alterou em momento nenhum, apesar de demonstrar um leve desconforto com a insistência em explicações sobre a eventual falta de transparência das finanças do clube.

O tempo combinado era de uma hora e já estourava. Eurico começava a dar sinais de impaciência – “deu, né?”. Dois de seus seguranças haviam se levantado e pareciam prontos para outra missão. Não havia mais como esperar.

“Eurico, eu tenho uma última pergunta e gostaria de sua resposta com toda franqueza. Você é truculento?”

O presidente do Vasco não esperava esse desfecho. Por alguns instantes, fixou de novo o olhar no interlocutor e não esboçou reação. Havia uma clara tensão no ar e deu pra ouvir um burburinho que vinha de onde estavam os homens de terno e gravata e pochete na cintura.

Enquanto pensava no que dizer, Eurico pegou de novo um de seus charutos e deu uma baforada próximo ao rosto do repórter. Ficou quase 30 segundos sem falar nada, talvez numa tentativa de decifrar o porquê daquela pergunta.

Finalmente, ele se manifestou, com a voz pausada e mansa.

“Escuta aqui, seu eu fosse truculento, você estaria aqui no meu gabinete me fazendo essa pergunta? Se eu fosse truculento, eu ia receber você pra ficar me espezinhando por uma hora? Se eu fosse truculento, eu ia lhe oferecer um dos meus charutos? Eu sou veemente, é diferente.”

Advogado, ex-presidente do Vasco, duas vezes deputado federal, Eurico Miranda morreu na tarde dessa terça (12), aos 74 anos, no Rio, vítima de câncer no cérebro. Doze anos depois dessa entrevista, o jornal (O Estado de S. Paulo) pediu um novo encontro com o dirigente. Por telefone, acertamos a data e eu lhe falei a respeito dos temas. Ele se lembrou do primeiro contato e quis antecipar uma questão. “Se quiser ainda saber se eu sou truculento, pergunta logo de cara, no início da entrevista. Deixar pro final não tem graça, pô.” Após o comentário, Eurico deu uma gargalhada.

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Fonte: Silvio Alves Barsetti
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