Descubra como "novo Kaká" se aposentou aos 27 anos
Ex-joia da base do Tricolor precisou decidir entre continuar no futebol e pagar as contas
Apontado como uma das maiores promessas da base do São Paulo no fim da década de 2000, Mirrai Leme Vieira, mais conhecido como Mirray, teve uma trajetória marcada por altos e baixos, por um contraste que ilustra bem o abismo entre a elite do futebol brasileiro e as divisões inferiores.
Desde os tempos de futebol juvenil, o meia se mostrava brilhante e chegou a ser tratado como o "novo Kaká", mas encerrou a carreira profissional aos 27 anos, em meio a dificuldades financeiras e ao "choque de realidade" de atuar em clubes sem estrutura.
Hoje, com 31 anos, o ex-jogador mora em Guariba, cidade do interior paulista a cerca de 450 km da capital, onde é empreendedor esportivo, dono de uma escolinha de futsal e idealizador de um grupo voluntário de corrida, chamado Pace que Salva.
Mirray também participa de torneios amadores de várzea na região de Ribeirão Preto e até no Paraná. Desta vez, o futebol é praticado puramente por prazer, sem as pressões que marcaram sua juventude.
A joia tricolor começou a brilhar em 2009, época em que as categorias de base do São Paulo foram vitoriosas em torneios internacionais. Naquele ano, a equipe sub-15 conquistou o Mundial da categoria, realizado na Inglaterra. No lendário estádio Old Trafford, do Manchester United, o clube venceu o Werder Bremen, da Alemanha, por 3 a 1, com Mirray balançando as redes duas vezes.
A atuação de destaque lhe rendeu um contrato milionário, com luvas generosas que permitiram, inclusive, realizar o sonho de comprar a casa própria para os pais.
As comparações com Kaká, revelado pelo São Paulo e melhor jogador do mundo dois anos antes, começaram a surgir. Para se ter uma ideia, a multa rescisória do jogador foi fixada em 30 milhões de euros (cerca de R$ 84 milhões à época).
Em entrevista ao Globo Esporte, Mirray contou que "Ser comparado ao Kaká não é para qualquer um. Tinha um valor enorme, mas também uma pressão altíssima. Eu via como algo bom, gostava de ouvir. Tive uma família que me apoiou muito e soubemos lidar".
O salto das divisões de base para o time profissional, porém, não se concretizou. Integrante da "geração 94" do São Paulo, que também revelou nomes como Rodrigo Caio, Lucas Evangelista, João Schmidt e Lucas Piazón, Mirray nunca conseguiu repetir no profissional o brilho que teve na base.
O jogador, então, começou a acumular empréstimos a equipes menores do estado. Em 2016, o vínculo do atleta com o Tricolor se encerrou, e o jogador conheceu uma nova face do futebol brasileiro.
Ao seguir carreira em clubes de menor investimento, como Vila Nova, Comercial-SP, Luverdense, URT, Goytacaz e Gama, Mirray precisou lidar com salários reduzidos, atrasos de pagamento e falta de estrutura para treinar e jogar. Cansado das dificuldades, optou por encerrar a trajetória profissional ainda jovem.
"É um choque de realidade muito grande. Você sai de um clube gigante e cai em outro sem estrutura, sem a mesma alimentação, sem o mesmo cuidado com o atleta. Precisa ter muita fé e resiliência. Mas é difícil manter isso quando o salário atrasa e você tem família para sustentar. Como vou pagar as contas?", desabafou.
Mirray se casou e viu o futebol deixar de ser sustentável. Em alguns casos, o meia precisou pagar para jogar, visto que os custos com deslocamento e estadia superavam o valor que ele recebia.
Durante a pandemia da Covid-19, no ano 2021, ele decidiu mudar de vida. "Eu ainda tentava, mas vinha pensando em parar. A pandemia fez a gente olhar para outros projetos, e essa foi a melhor escolha."
Após a aposentadoria, Mirray passou dos campos de futebol para o empreendedorismo. Longe da rotina de treinos e viagens, ele se dedica a novos projetos ligados ao esporte. Em Guariba, com apoio da família, o ex-jogador administra uma escolinha de futsal e lidera um grupo de corrida solidário, com foco em ações comunitárias.
Porém, o sonho de um retorno ao futebol profissional ainda é presente em Mirray, apesar de ser improvável. "O que me tiraria de casa seria o sonho. Mas hoje não dá para arriscar o que já conquistei. Como vou pagar as contas? A gente não quer milhões, só o combinado. O futebol é maravilhoso, mas também é cruel com quem está fora da elite".
Mesmo sem alcançar o rumo esperado na carreira, Mirray trata a própria trajetória com muita gratidão. "O futebol é uma caixinha de surpresas, para o bem e para o mal. Sou muito grato. Saí de uma cidade de 35 mil habitantes e fui parar no São Paulo, um gigante. Tive uma multa de 30 milhões de euros, realizei meu sonho, e tudo que tenho hoje é fruto do futebol. Só gratidão."