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Inflação, moeda nova, reviravoltas políticas... Como era o país quando sediou a Copa América há 30 anos

Torneio desembarcava em solo brasileiro em meio a ecos de (nova) frustração com plano econômico e efervescência pela chegada da primeira eleição após redemocratização

14 jun 2019 - 08h53
(atualizado às 09h38)
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Nesta sexta-feira, o Brasil voltará a ser palco da Copa América após um longo período de espera: não era disputado em terras brasileiras desde 1989. Naquele ano, as rivalidades sul-americanas desembarcavam em um país que se preparava para mudanças, mas que lutava contra antigas crises.

- O ano de 1989 corresponde à derrocada do governo de José Sarney. Houve uma nova tentativa de plano econômico para frear a inflação, que era o Plano Verão, mas não funcionou. E, ao mesmo tempo, já existia uma forte corrupção. Entretanto, ao mesmo tempo tinha uma expectativa muito grande pela redemocratização, devido à primeira eleição direta para presidente após o fim do ciclo dos militares - recorda Rômulo Mattos, historiador da PUC-Rio, em entrevista ao LANCE!.

Aos seus olhos, mesmo com a inflação galopante, a presença maciça de torcedores acontecia devido ao contexto da época:

- O futebol ainda era uma diversão popular, não tinha este formato de arena. O acesso era fácil, inclusive para as bilheterias. Além disto, havia uma proximidade maior dos jogadores com clubes brasileiros, esta identificação gerava em a mobilização da torcida.

CRUZADO NOVO, PROBLEMAS VELHOS...

'Não tínhamos pretensão de controlar a inflação. Mas evitar desequilíbrio', diz ex-ministro (Reprodução)

Após fiascos na luta contra a inflação (Plano Cruzado, Plano Cruzado II e Plano Bresser), o governo José Sarney iniciara o ano depositando suas fichas em uma nova "cartada": o Plano Verão. Lançada em 15 de janeiro de 1989, a medida incluiu uma mudança na moeda. O Cruzado perdia três zeros e passava a se chamar Cruzado Novo.

- A melhor saída foi optar pela indexação, cortando os três zeros da moeda. As pessoas estavam começando a usar o dólar e até o marco como referências para salários. Quisemos evitar a desvalorização da moeda em relação ao dólar - afirmou Maílson da Nóbrega, ministro da Fazenda na época.

Segundo o ex-ministro, o Plano Verão não era suficiente para controlar os índices inflacionários:

- Não tínhamos esta pretensão de acabar com a inflação. Queríamos lidar com o desequilíbrio macroeconômico e influenciar a expectativa na parte fiscal. Isto, inclusive, implicou na necessidade de um aumento na parte tributária.

A "política do feijão com arroz", que o ministro adotara desde o início de sua gestão, acabou não funcionando. Além da desvalorização da moeda em 14% em relação ao dólar, os preços e salários ficaram congelados. Segundo ele, algumas medidas propostas esbarraram na resistência do Congresso Nacional:

- Sugeri a demissão de funcionários sem estabilidade, a privatização de várias estatais, deixando apenas algumas nas mãos do governo. Além disto, propus que o governo não gastasse mais do que pudesse arrecadar. No entanto, foram recusadas todas as propostas.

'BRASILEIRAS E BRASILEIROS...'

Apesar dos esforços, Sarney não conseguia aprovar suas medidas (Foto: Reprodução)

Em contagem regressiva para encerrar seu mandato, José Sarney não convivia só com as turbulências econômicas no país. O presidente da República (que tomara posse em 1985, após a morte de Tancredo Neves) padecia para conseguir apoio do Congresso Nacional:

- Tínhamos um governo politicamente fraco, sem base política sólida. Tanto que a figura mais forte do PMDB era o Ulysses Guimarães, o "pai da Constituinte", que mostrava sempre força em suas decisões - contou Maílson da Nóbrega, completando:

- Isto, inclusive, afetou o andamento do Plano Verão. Nós vínhamos em uma época em que as pessoas se preveniam muito economicamente. Assim que acenava um plano de governo, os empresários se defendiam reajustando os preços, para evitar um possível congelamento.

O ex-ministro faz uma analogia sobre período em que a inflação subia diariamente:

- As pessoas compravam dois chopes para beber um. No segundo, já poderia estar mais caro...

Historiador da PUC-Rio, Rômulo Mattos ainda traça outros panoramas que já eram associados ao Congresso Nacional:

- Havia uma sensação na população de descaminho moral. De ver a política do "toma lá, dá cá" bem forte entre os políticos, diante das acusações de corrupção. Em especial no contexto de salários corroídos dos trabalhadores. A popularidade do Sarney caía a cada dia, era uma crise moral muito forte...

VOLTA DO BRASILEIRO ÀS URNAS E... POLARIZAÇÃO!

Lula e Collor: visões políticas surgiam em cena (Reprodução)

Houve um alento em meio a este cenário: os brasileiros voltariam às urnas pela primeira vez para eleger um presidente após o fim do ciclo dos militares. Em meio à rotina da Copa América, o Brasil já começava a respirar a expectativa das eleições que ocorreriam somente a partir de 15 de novembro, com 22 candidatos.

- Este período de redemocratização mostrou a falência do PMDB, a ponto de Ulysses Guimarães, do partido de Sarney, ter uma votação pouquíssimo expressiva mesmo sendo "o pai da Constituinte". Além disto, a eleição fez emergir a polarização entre Fernando Collor de Mello e Lula - apontou o historiador Rômulo Mattos, que avaliou o emblemático segundo turno ocorrido em 17 de dezembro:

- Eram duas visões diferentes da política. De um lado, havia o Lula, representativo em suas lutas sindicais e com a ascensão do PT, partido que ganhou apoio popular por, em sua origem, apoiar o trabalhador, o que mudou com o passar dos anos. Do outro, estava o Collor, que se colocava como o candidato diferente do que ocorria na política. "Caçador de marajás", a favor de privatizações...

Fernando Collor de Mello acabaria vencendo as eleições presidenciais.

ELEIÇÃO AFETOU TRAMA DE NOVELA!

'Fui aconselhado a mudar a trama do Sassá' (Foto: Reprodução / TV Globo)

A efervescência política em torno das eleições diretas causou impacto até mesmo na ficção. No ar no horário nobre da Rede Globo durante o período em que a Seleção Brasileira buscava o título da Copa América, o "Salvador da Pátria" teve mudanças de rumo.

Inspirada no caso especial intitulado "O Crime do Zé Bigorna", a obra tinha como tema principal a história de Sassá Mutema (vivido por Lima Duarte), um boia-fria simplório que era empregado do poderoso Severo Blanco. Aos poucos, Sassá era envolvido em uma armação na qual um crime que não cometeu fazia com que ele ganhasse popularidade, a ponto de ser alvo das atenções de políticos que queriam torná-lo candidato.

Autor da novela, Lauro César Muniz relembra que a história começou a trazer problemas quando surgiram as primeiras movimentações de eleições:

- O Sassá Mutema era, inicialmente, um homem simples, humilde, que fazia curso de alfabetização. Aí, por ter estes bastidores de eleições na novela, associaram ele ao Lula. Começaram a dizer que eu fazia propaganda da esquerda. Diziam que o Severo Blanco, deputado inescrupuloso, ainda mais porque o Francisco Cuoco interpretava ele muito bem, era o Collor.

De acordo com o dramaturgo, as críticas vieram também de políticos da esquerda:

- Eu me lembro da (Luiza) Erundina, que na época era do PT, reclamar que eu queria eleger o Collor! Ela falou que eu fazia do Sassá uma caricatura do Lula. Por ele ser do sindicato de trabalhadores rurais, tentar se alfabetizar no curso noturno e lá se apaixonar pela professora, a Clotilde (vivida por Maitê Proença).

Lauro César Muniz disse ter chegado a ouvir uma previsão curiosa em relação a "O Salvador da Pátria":

- Eu ouvi nos bastidores da Globo coisas como "essa novela essa vai decidir a eleição do Brasil"! Chegaram para mim e disseram: "Lauro, você está fazendo campanha para o Lula!". Eu disse que não, só adaptei "O Crime do Zé Bigorna" - lembra o autor que, em seguida, deu detalhes sobre os rumos que previa para a trama:

- Era o primeiro ano com eleição direta. Nada mais atual do que debater temas como corrupção, manobras políticas, apontar pessoas inescrupulosas... Um escritor tem de abordar o que está em evidência na realidade.

Além de percalços na trama, o autor teve de se afastar da novela por alguns dias, para ser operado devido a problemas de pedras na vesícula (Alcides Nogueira escreveu a história neste período). Além disto, Lauro César Muniz recebeu um conselho sobre o futuro de Sassá Mutema:

- Após eu ter lembrado que meu final previa o Sassá assumindo o posto de vice-presidente da República, o Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, antigo executivo da emissora) deu um conselho com ares de determinação. Em vez de vice-presidente da República, era para eu deixar o Sassá Mutema eleito como prefeito mesmo. E, em vez de política, eu tinha de voltar minha história para a trama policial.

A novela voltou suas atenções para uma trama em torno do narcotráfico e para a solução do mistério das mortes de Marlene e Juca Pirama (respectivamente, vividos Tássia Camargo e Luiz Gustavo). O duplo homicídio tinha sido atribuído inicialmente na novela a Sassá.

Nesta sexta-feira, a Seleção Brasileira e a Bolívia medem forças na abertura da Copa América. Só o tempo dirá quais lembranças ficarão do atual cenário do país.

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