Em quarentena, atletas sofrem perda técnica e reforçam o corpo e a mente
Além da preparação física, trabalho psicológico ganha força em tempos de isolamento
Suportar a quarentena não tem sido tarefa fácil para os melhores atletas brasileiros. Embora o adiamento dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos para julho de 2021 tenha gerado tranquilidade, eles sabem que não é possível relaxar, nem perder o foco. Quando as perdas técnicas são inevitáveis, os trabalhos físicos e mentais, realizados em casa, ganham importância ainda maior.
O cenário de incertezas forçou mobilização de profissionais das mais diversas áreas e modalidades em busca de resultados. Em linhas gerais, estudos em andamento indicam que a recuperação de força e potência muscular, por exemplo, podem demorar até o dobro do tempo que o atleta ficou parado. E que quanto maior o nível do esportista, mais difícil será a retomada.
Soma-se a isso o estresse causado pelo confinamento e a falta de ritmo para a execução de movimentos, jogadas e ações particulares de cada esporte. A impossibilidade de treinar em piscinas, pistas, tatames, quadras, circuitos e demais espaços, somada à falta das relações sociais, provocaram um cenário jamais visto por quem vive do esporte de alto rendimento.
- O mais importante agora é ter um equilíbrio mental e fazer exercícios seguros. Fizemos um cronograma diário viável para todos os atletas e usamos os fins de semana para recuperação. Por ser uma situação extrema que pode ir até julho, precisamos evitar lesões e estresse. Tratando-se de atletas olímpicos, uma certa vantagem é que agora teremos um ano e quatro meses até os Jogos de Tóquio, então vamos planejar esse novo tempo para o preparo das atletas - explicou Aristide Guerriero, coordenador de Preparação Física da Confederação Brasileira de Rúgbi (CBRu) em bate-papo pelas redes sociais, com Raquel Kochhann, capitã da Seleção de rúgbi Sevens.
Neste esporte, os profissionais da entidade elaboraram uma rotina específica, com exercícios simulados de fortalecimento, potência, estabilização, agilidade, corrida e condicionamento com habilidades técnicas, como passes, giro de corpo, adaptação de tackle (derrubada do oponente com a posse de bola), encaixe de quadril, apresentação e coordenação com a bola.
Há modalidades em que os prejuízos técnicos são maiores, pois demandam treinamentos repetitivos, muitos em equipamentos complexos. É o caso dos saltos ornamentais, conforme conta Ian Matos, que disputou a Olimpíada do Rio. O Parque Aquático Maria Lenk, no Rio de Janeiro, que concentra uma estrutura de ponta para esportes aquáticos, está fechado desde o dia 18.
- Não tem muito o que fazer. Os preparadores físicos do COB passaram um treino para ser feito em casa mesmo, com o que tenho aqui. Como nunca treinei em casa, não tenho pesos ou elásticos. Estou me virando como posso e treinando só a parte física. A parte técnica está quase 100% parada. O máximo que consigo fazer são imitações da técnica dos saltos - afirmou o atleta.
No judô, Ketleyn Quadros, bronze em Pequim-2008, tenta manter boa parte do trabalho técnico dentro de casa. Afinal, ela mora com o marido Alex Pombo, também judoca, que compartilha os mesmos cuidados contra o coronavírus.
- Estamos em casa, como recomendado. Conseguimos uns tatames e fazemos a parte física com recomendação do nosso preparador, além do preventivo. No meu caso e do Alex (Pombo, seu noivo, atleta olímpico em 2016 e também judoca da SOGIPA), como moramos juntos, podemos fazer treino técnico também, com contato - contou Ketleyn.
Para Alessandra Dutra, psicóloga do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e que trabalha com Henrique Avancini (ciclismo MTB), Vinicius Figueira (caratê) e Iêda Guimarães (pentatlo moderno), adaptabilidade e resiliência são trunfos.
- O atleta brasileiro é muito criativo, lida com as adversidades de uma maneira muito peculiar. Isso facilita para a criação de uma nova rotina. Já a nossa resiliência tem o humor como um dos seus pilares. E esse humor é muito esperançoso, fazendo com que sejamos mais positivos e ajudando a manter o treino e o engajamento para as competições que virão pela frente - afirmou Alessandra.
COB fortaleceu o trabalho mental (Foto: Wander Roberto/COB)
O trabalho psicológico consiste em, por exemplo, criar uma rotina que ajude o equilíbrio emocional. A meditação é uma prática recomendada.
- O atleta pode se organizar e treinar aquilo que ele quer melhorar. Quem busca melhorar algo específico, por exemplo, mentaliza o movimento, visualiza, para aprimorá-lo. Já existem estudos validando essa prática e criamos um protocolo para esse tipo de exercício - explicou a Carla Di Pierro, também psicóloga do COB, que atende atletas como Flávia Saraiva (ginástica artística), Ana Marcela Cunha (maratonas aquáticas), Bruno Fratus (natação), Luisa Baptista (triatlo) e Patrícia Freitas (vela).
Ainda que, a cada dia, o foco na preparação olímpica seja retomado, atletas, treinadores e as entidades sabem que o momento ainda é de cuidados para evitar a propagação do novo coronavírus.
- Há uma preocupação grande com a saúde, não apenas dos atletas, mas de todas as pessoas e seus familiares. Deve haver a conscientização como sociedade de colaborar para o mínimo avanço que esse vírus possa ter. Então acho que nesse sentido, agora, as ideias estão alinhadas e todo mundo pode estar andando na mesma direção - disse o técnico da Seleção Brasileira de natação Alberto Silva, referindo-se ao adiamento dos Jogos de Tóquio.