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Copa do Mundo

Dele Alli podia ser príncipe na Nigéria, mas preferiu a bola

Meia-atacante se firmou no futebol como astro do Tottenham e da seleção inglesa

10 jul 2018 - 05h12
(atualizado às 19h18)
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O inglês Bamidele Jermaine Alli, ou só Dele Alli, poderia ser um príncipe da tribo Iorubá, a segunda mais numerosa etnia da Nigéria. Seu avô era rei. O meia da seleção inglesa abriu mão de seu lugar no trono por causa de uma briga familiar com o pai quando ele ainda era adolescente. Trocou a coroa da tribo pela bola.

Para ele, a escolha está dando certo. O jogador de 22 anos é um dos líderes da Inglaterra, que luta pelo segundo título mundial na semifinal diante da Croácia, nesta quarta-feira, em Moscou. Dele Alli pode ter o sangue dos campeões mundiais nas veias.

A infância do astro do Tottenham foi difícil e ajuda a entender as escolhas do adulto. Ele nasceu na Inglaterra, mas é filho do poderoso empresário nigeriano Kehinde Alli. Sua mãe, Denise, é inglesa. Entre as inúmeras viagens de negócios do pai (o menino tentou morar nos Estados Unidos e na Nigéria) e os problemas da mãe com o alcoolismo, ele decidiu morar com a família Hickford, pais de um amigo do MK Dons, seu primeiro clube de futebol.

O meia Dele Alli, da seleção inglesa
O meia Dele Alli, da seleção inglesa
Foto: Max Rossi TPX IMAGES OF THE DAY / Reuters

Sua ascensão foi espantosa. Em fevereiro de 2015, Dele Alli foi contratado pelo Tottenham por 5 milhões de libras (R$ 19,5 milhões). Em novembro, já estava na seleção principal da Inglaterra. É uma das grandes revelações do futebol inglês nos últimos anos. Diante da Suécia, fez o gol que garantiu a vaga na semifinal, algo que não acontecia desde 1990.

O drama inundou as páginas dos tabloides ingleses. Recentemente, a mãe do rapaz contou que não tinha condições de ficar com ele na adolescência, pois tinha quatro filhos de quatro pais diferentes. Ao jornal The Sun, ela disse que, à época, achou que ele teria mais chances de sucesso em outra casa.

Dele Alli não quer conversa com o pai de jeito nenhum. Oficialmente, ele não perdoa os anos de distanciamento. Mas pessoas próximas ao jogador afirmam que ele culpa o pai pelos problemas emocionais da mãe. Hoje, o astro dos Spurs considera a família como seus pais adotivos. Os laços paternos se esgarçaram até se romper totalmente. Dele continua ligado à sua mãe biológica. Ele ajuda financeiramente Denise e seus outros três irmãos: o caçula Lewis, de 13 anos, e as mais velhas Becky, 24, e Barbara, 27.

A ruptura com o pai foi tão dramática que ele resolveu deixar até seu sobrenome de lado. Ele usa apenas Dele na camisa. "Eu queria que o nome da minha camisa representasse quem eu sou e sinto que não tenho conexão com o sobrenome Alli. Essa não é uma decisão que tive sem pensar muito e discutir com minha família e com as pessoas mais próximas a mim", afirmou o jogador inglês.

O pai tentou uma reaproximação e foi flagrado em Wembley, onde o Tottenham manda seus jogos com a reforma do seu estádio, no início deste ano, antes da Copa. "O único jeito de ele ir pra escola era se eu o deixasse jogar bola depois", disse Kenny ao Daily Star. Ele ainda percebeu que, para seu filho crescer no esporte, teria de sair dos Estados Unidos e ir para a Inglaterra. Por isso, segundo ele, deixou que seu filho fosse embora.

Vaias

Os nigerianos tomaram o partido do pai na disputa familiar. Em jogo amistoso entre Inglaterra e Nigéria, o penúltimo antes da Copa da Rússia, no mês de junho, os torcedores usaram as redes sociais para criticar a postura do jogador. Queriam que ele voltasse para a Nigéria para assumir seu lugar na linha sucessória. A tribo Iorubá é uma das maiores da Nigéria, ao lado dos Hausa-Fulani e dos Igbo. O país africano possui mais de 500 grupos étnicos.

"Se Dele um dia voltasse à Nigéria, seria uma loucura. Ele teria uma recepção de rei em qualquer lugar que fosse", disse Kenny, seu pai biológico. "Todos os nigerianos veem Dele Alli jogar pela televisão e estão orgulhosos dele. Ser um príncipe abre todas as portas do país para ele. Se ele quiser, pode marcar até mesmo uma audiência com o presidente e o primeiro-ministro", completou o pai.

De acordo com Denise, que se divorciou do pai de Dele em 1996, a decisão do filho em não usar o sobrenome Alli na camisa deixou o pai arrasado. Ele viajou dos EUA para a Inglaterra para tentar fazer o garoto mudar de ideia. Não foi recebido.

Membros da realeza iorubá têm influência e privilégios

A etnia iorubá, a que pertence o meia inglês Dele Alli, constitui um dos maiores grupos da África Ocidental, com mais de 30 milhões de pessoas em toda a região. Trata-se do segundo maior conjunto étnico na Nigéria, correspondendo a cerca de 21% da sua população total. As outras etnias importantes são os hauçás e os igbos.

O jogador da Inglaterra vem de uma linhagem nobre dentro dos iorubás. De acordo com seu pai, o avô do craque foi rei da etnia. Por isso, ele teria direito ao trono e poderia ser príncipe se retornasse à Nigéria. Isso não significa, porém, que Dele Alli poderia ser líder político no país de seus antepassados.

A Nigéria é uma república federal inspirada no modelo dos Estados Unidos, com o poder executivo exercido pelo presidente. O poder do presidente é moderado por um Senado e por uma Câmara dos Representantes. Os membros da realeza, no entanto, têm grande influência nos destinos da nação e desfrutam de privilégios políticos.

Cerca de 75% dos homens são agricultores que vivem daquilo que cultivam. As mulheres são encarregadas de vender parte do excedente nos mercados populares das cidades. Alguns indivíduos possuem grandes fazendas de cacau. Nas cidades, os iorubás respeitam além das autoridades formais, o líder da tribo, que é chamado de "oba". Ele conquista sua posição de várias formas, incluindo herança, casamentos ou sendo pessoalmente selecionados por um oba já no poder. É aí que entra o craque da seleção inglesa: ele é descendente de um líder.

Devido ao tráfico de escravos entre os séculos 15 e 19, muitos traços da cultura, língua, música e demais costumes foram disseminados por extensas regiões do continente americano, com destaque para Brasil, Cuba, Trinidad e Tobago e Haiti. Boa parte da população negra no Brasil veio de terras iorubás. As principais influências estão na cultura, na culinária e também na religião. Os iorubás são os responsáveis pela chegada e disseminação do candomblé no País, além de outros cultos de menor expressão.

Gigante

Conhecida como "gigante da África" por causa de sua população, a maior do continente com 174 milhões de habitantes, e também pela economia cujo PIB de 500 bilhões de dólares ultrapassou o da África do Sul, a Nigéria foi colônia britânica nos séculos 19 e 20. O país tornou-se independente em 1960, mas mergulhou em uma guerra civil, vários anos depois. Desde então, alternaram-se governos civis democraticamente eleitos e ditaduras militares. As eleições presidenciais de 2011 foram as primeiras a serem realizadas de maneira razoavelmente livre e justa.

No futebol, a Nigéria ocupou posição de destaque nos anos 1990 quando derrotou Brasil e Argentina e conquistou a medalha de ouro nos Jogos de Atlanta. Mesmo que Dele Alli não aceitasse assumir sua posição na tribo, a Federação Nigeriana de Futebol tentou convencê-lo a defender o país nas categorias de base. Dele não aceitou os insistentes convites.

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Estadão
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