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Copa do Mundo

1974: Ditadura, carrossel e ausência de Pelé marcam fiasco

14 mai 2010 - 18h41
(atualizado às 19h41)
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Julio Simões

Além da euforia da torcida, a conquista do tricampeonato mundial no México trouxe outro problema ao Brasil: a pressão por resultados também em 1974, quando a Copa do Mundo foi disputada na Alemanha Ocidental. Para piorar, este seria o primeiro Mundial desde 58 em que a Seleção não poderia contar com Pelé, que havia aposentado a camisa canarinho em 1971. Além dele, outros jogadores fundamentais para a conquista em 70 também não estariam em campo, caso de Tostão, Gérson e Carlos Alberto.

Para piorar, o Brasil ainda teria pela frente duas seleções que prometiam tornar a missão do tetra bem mais difícil: a Alemanha Ocidental de Franz Beckenbauer e a Holanda de Johan Cruyff, seleção esta conhecida pelo "carrossel holandês", experimento tático de Rinus Michels em que todos - à exceção do goleiro, claro - atacavam e defendiam, sem guardar posição fixa em campo. Apesar de tudo, o maior adversário naquela Copa não seria o esquadrão alemão ou a laranja mecânica. Seria o próprio Brasil.

Apesar de ainda ter o mesmo técnico do Mundial anterior, o alagoano Mário Jorge Lobo Zagallo, a Seleção foi obrigada a substituir as peças que deixaram o time entre um Mundial e outro. Só que quem teve Pelé em sua melhor forma, não se contentaria com Jairzinho e Rivellino, por melhor que eles fossem. Assim, logo vieram as primeiras críticas sobre os escolhidos para a disputa da Copa - entre elas, uma música que se tornou um verdadeiro hino de apelo a Pelé.

Desculpe seu Zagallo

Mexe nesse time que está muito fraco

Levaram uma flecha esqueceram o arco

Botaram muito fogo e sopraram o furacão

Que não saiu do chão

Desculpe seu Zagallo

Puseram uma palhinha na sua fogueira

E se não fosse a força desse pau pereira

Comiam um frango assado lá na jaula do leão

Mas não tem nada não!

Cuidado seu Zagallo

O garoto do parque está muito nervoso

E nesse meio campo fica perigoso

Parece que desliza nesse vai não vai

Quando não cai

É camisa 10 da Seleção, laia, laia, laia (bis)

Dez é a camisa dele, quem é que vai no lugar dele (bis)

Desculpe seu Zagallo

A crítica que faço é pura brincadeira

Espírito de humor, torcida brasileira

A turma está sorrindo para não chorar

Tá devagar

Jogando em casa, Alemanha Ocidental conquistou segunda Copa; enfraquecido, Brasil foi questionado
Jogando em casa, Alemanha Ocidental conquistou segunda Copa; enfraquecido, Brasil foi questionado
Foto: Getty Images

"Quem compôs a música foi o Luiz Vagner e o Hélio Matheus, que fizeram especialmente para eu cantar. Eles sabiam que eu gostava de futebol e escreveram a letra em 73. Aí eu lancei no ano seguinte. Foi um sucesso", relembra Luiz Américo, se referindo à música "Camisa 10", pela qual é conhecido até hoje.

"Tive outros sucessos, mas essa é a única que não posso deixar de tocar nos shows", acrescenta ele, que também lembra que a música não surtiu tanto efeito na pressão por Pelé porque fora lançada já durante a Copa.

Mesmo assim, a letra dá a exata ideia de qual era o apelo popular na época. O trecho "É camisa 10 da Seleção (...); Dez é a camisa dele, quem é que vai no lugar dele", por exemplo, é um claro apelo pela volta de Pelé ao time. Mais adiante, outras críticas: "botaram muito fogo e sopraram o furacão, que não saiu do chão" é uma referência a Jairzinho (furacão, seu apelido), enquanto "o garoto do parque está muito nervoso" faz menção a Rivellino (garoto do parque, modo como era chamado no Corinthians).

Porém, o grande "alvo" da música é mesmo Zagallo. O treinador já havia vencido duas Copas como jogador (1958 e 1962) e uma como treinador (1970), mas atravessava uma época de desconfiança, especialmente junto à torcida.

"Muita gente de 70 ficou de fora. Não foi Pelé, Gérson, Tostão, Carlos Alberto Torres, ninguém. Além disso, enfiaram muita gente naquele time. O Geisel (presidente da República entre 1974 e 1979), por exemplo, colocou o Valdomiro lá", cita Luiz Américo.

Apesar das críticas públicas feitas pela música, ela nunca foi contestada pelo treinador da Seleção Brasileira. "O Zagallo sempre gostou da música. Quem não gostou foi o Leão, que me encontrou uma vez no Rio e disse para quem estava com ele: 'olha lá o cara que ficava atrapalhando a gente'", relembra o músico, que cita o ex-goleiro e atual treinador no seguinte trecho: "E se não fosse a força desse pau pereira; Comiam um frango assado lá na jaula do leão".

Aliás, este trecho também é cheio de referências ao time da época. O tal "pau pereira" nada mais é que o zagueiro Luis Pereira, destaque do Palmeiras que se transferiu ao espanhol Atlético de Madrid no mesmo ano e, segundo a música, era o grande responsável por dar consistência ao setor defensivo da Seleção. Assim, o tal "frango assado" seria a bola, que, não fosse Luis Pereira, seria "comida" pelos adversários no gol de Leão, o tal "dono da jaula", referência à meta do Brasil.

No entanto, foi justamente Luis Pereira quem falhou no jogo mais importante do Brasil na competição. O time de Zagallo já havia conseguido dois empates (com Iugoslávia e Escócia, ambos por 0 a 0) e uma vitória (3 a 0 sobre o frágil Zaire) na primeira fase, além de uma vitória sobre a Alemanha Oriental (1 a 0) e sobre a Argentina (2 a 1) na etapa seguinte. Porém, não resistiu ao confronto com a Holanda e acabou derrotado por 2 a 0, gols de Neeskens e Cruyff, com direito a expulsão de Luis Pereira.

"A gente não sabe (o que deu errado). Sabemos que quem paga o pato é quem comanda, mas não sabemos quem realmente manda. No fundo, acho que não ganhamos porque não tínhamos que ganhar mesmo", opina Luiz Américo, que não titubeia ao julgar qual teria sido o real problema com aquele time.

"O fato é que saiu daqui de salto alto, o que também pode acontecer agora", alerta, referindo-se à Seleção de Dunga na Copa 2010.

Fonte: Especial para Terra
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