Robinho continuar solto é prova de que a justiça tarda e falha para homens ricos
Condenado por estupro coletivo, ex-jogador leva vida tranquila em Santos e nunca cumpriu pena imposta pela Justiça italiana
Há exatos 11 anos, Robinho deixava o Sio Café, em Milão, com um grupo de amigos durante a madrugada. Nesta noite, ele foi acusado por uma jovem de origem albanesa de participar de um estupro coletivo. Acabaria condenado a nove anos de prisão pelo crime, mas até hoje não cumpriu a estabelecida pela Justiça italiana.
A sentença definitiva foi confirmada dois anos atrás. Com registros de grampos telefônicos e provas contundentes, a Corte de última instância na Itália entendeu que o ex-jogador e outros cinco amigos se aproveitaram da vulnerabilidade física e psíquica da vítima para cometer a violência sexual. “Não estou nem aí, a mulher estava completamente bêbada, não sabe nem o que aconteceu”, debochou Robinho, em uma das gravações utilizadas pela Justiça, ao comentar com um amigo sobre o estado da vítima na noite do estupro.
Em que pese a condenação, Robinho se beneficiou do artigo 5º da Constituição Federal, que não permite a extradição de brasileiros, para escapar da prisão na Itália. As autoridades locais tentam fazer com que o ex-atacante cumpra a pena no Brasil. Porém, pela ótima condição financeira que o futebol lhe proporcionou, ele tem conseguido bancar escritórios de advocacia caríssimos, com a missão de postergar e engavetar o processo de transferência da pena. Um artifício inviável para a maioria dos brasileiros.
Em 2017, por exemplo, quando saiu a sentença em primeira instância de Robinho, o jovem Lucas de Souza foi preso em Ceilândia por crime que não cometeu, confundido com um ladrão pela polícia. Chegou a ser condenado a quase 80 anos de prisão e ficou três anos detido até a Defensoria Pública conseguir provar sua inocência. No dia em que saiu da cadeia, vestia uma camisa do Milan, o clube que Robinho defendia na época em que foi denunciado.
A comparação entre dois casos em que um dos réus tem influência e grana para escapar da Justiça, se manter fora do alcance das autoridades italianas, contar com a lentidão dos trâmites diplomáticos e seguir impune, enquanto outro, em condição inversa e economicamente desfavorecida, precisa esperar três anos na prisão até o Estado reconhecer que errou, é simbólica sobre uma distorção comum no universo das leis.
Impunidade seletiva não é só sobre racismo, mas também sobre privilégios e poder. Robinho continuar solto é prova de que a justiça tarda e falha para homens ricos, sobretudo no futebol, que tende a blindar figuras idolatradas por torcidas.
Mesmo depois de condenado, Robinho chegou a ser contratado por clubes como o Santos, que só voltou atrás após uma ameaça de debandada dos patrocinadores. Amigos e ex-companheiros de time não hesitaram em defender publicamente o jogador, com frases como:
“Merece o benefício da dúvida.”
“Torço para que ele seja absolvido.”
“Pessoa maravilhosa, um exemplo como jogador.”
“Ele é a vítima, foi assediado pela mulher.”
“É um ídolo, não cabe a mim julgar.”
Os fiadores da inocência de Robinho jamais apareceram para prestar contas depois de sua condenação em última instância. Beneficiado, também, pela cultura de tolerância a homens ricos, famosos e agressores de mulher, o ex-jogador toca a vida em Santos como se nada tivesse acontecido, participando normalmente de festas, peladas e jogos de futevôlei na praia.
Em algumas semanas, Daniel Alves será julgado por estupro na Espanha. As frases de desagravo já apareceram na mídia. Mas como o jogador permaneceu preso no país europeu desde a abertura do processo, espera-se ao menos que o desfecho prático seja oposto ao do caso Robinho.