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O filho do Dorival e a meritocracia nepotista da seleção

Auxiliar do pai há 14 anos, Lucas Silvestre expõe novamente dilema ético na CBF, que normaliza laços de parentesco em comissões técnicas

25 mar 2024 - 07h00
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Lucas Silvestre e o pai, Dorival Júnior, durante amistoso contra a Inglaterra, em Wembley
Lucas Silvestre e o pai, Dorival Júnior, durante amistoso contra a Inglaterra, em Wembley
Foto: Rafael Ribeiro/CBF

“Mérito.” Foi com esta palavra que Dorival Júnior definiu o critério utilizado para escolher os 11 titulares em sua estreia pela seleção brasileira diante da Inglaterra. A palavra que remete à meritocracia, entretanto, contradiz uma imagem no banco de reservas: Lucas Silvestre, filho do treinador e seu auxiliar há 14 anos.

Silvestre é formado em educação física, fez cursos de qualificação na área do futebol e costuma ser elogiado nos clubes por onde passou com o pai pelo conhecimento técnico. Mas, enquanto seguir trabalhando ao lado do ente paterno, jamais se desvinculará do rótulo de “filho do Dorival”.

Embora seja normalizada no meio, a prática de treinadores que promovem os filhos como auxiliares recai no velho nepotismo tão criticado na política e instituições brasileiras, ainda que envolva entidades privadas. Tanto que, em 2016, após vários escândalos de corrupção, a CBF estabeleceu um Código de Ética que proibia a contratação de parentes de funcionários em quaisquer níveis hierárquicos.

No entanto, no mesmo ano, a confederação se viu obrigada a remendar o próprio estatuto e abriu exceção para integrantes do departamento de futebol e comissão técnica. Foi assim que Matheus Bachi, filho e auxiliar de Tite, acabou admitido na seleção principal. Questionado sobre o conflito ético, o treinador respondeu que o primogênito “merece estar na posição”.

Por mais preparados que se considerem, filhos de técnicos ocupando cargos de prestígio, sobretudo na seleção brasileira, expõem um dilema ético que qualquer instituição que se guie por princípios de governança e integridade deveria evitar. Numa situação hipotética em que se constate incompetência para a função, o técnico, como pai e chefe, terá distanciamento emocional e discernimento profissional para demitir o filho?

A justificativa de ser uma pessoa de confiança é a mesma que políticos usam ao empregar parentes e estabelecer dinastias em currais eleitorais ditados por regras hereditárias. Se é errado na função pública, o nepotismo também deveria ser recriminado no futebol. Mesmo que a CBF se considere entidade privada, não faz sentido abrir exceção no Código de Ética para acomodar somente os filhos de treinadores.

Muitas empresas, principalmente as de capital aberto listadas na Bolsa de Valores, já contam com rígidos estatutos para evitar contratações de parentes e apadrinhados de seus funcionários. Não fazem isso apenas como verniz de responsabilidade social, mas por entender que decisões guiadas por laços de parentesco não são boas para os negócios.

É fato que não só treinadores brasileiros recorrem ao expediente de trabalhar com descendentes, vide o argentino Ramón Díaz e o italiano Carlo Ancelotti, prioridade da CBF até o ano passado, que também carregam os filhos como auxiliares em suas comissões técnicas.

Todavia, não deixa de ser simbólico que, em menos de dois anos, mesmo depois de estabelecer um Código de Ética vedando a prática, a seleção brasileira seja comandada por dois treinadores auxiliados pelos filhos. Sem entrar no mérito das competências de Matheus Bachi e Lucas Silvestre, a ascensão pouco questionada dos herdeiros de Tite e Dorival diz muito sobre o conceito de meritocracia nepotista institucionalizado pela CBF.

Fonte: Breiller Pires Breiller Pires é jornalista esportivo e, além de ser colunista do Terra, é comentarista no canal ESPN Brasil. As visões do colunista não representam a visão do Terra.
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