Cercado por protesto, crise e radiação, COI vota sede da Olimpíada de 2020
Buenos Aires sedia neste final de semana o 125° Congresso do Comitê Olímpico Internacional (COI), onde importantes decisões serão tomadas. Na capital argentina, os membros do comitê executivo vão escolher mudanças no programa olímpico para pós-2016, eleger novo presidente da entidade e votar a sede dos Jogos de 2020. Três cidades chegaram à final: Istambul (Turquia), Madri (Espanha) e Tóquio (Japão). Entre promessas, planejamento e política, a escolha tem elementos que podem se mostrar determinantes como protestos, crise financeira e radiação.
São essas minúcias que vêm à tona agora, às vésperas da eleição, com projetos já apresentados e cidades já visitadas pelo COI. Qualquer que seja a escolha, a Olimpíada de 2020 será sediada por uma cidade que há muito se prepara para o evento. As última vez em que o COI não encontrou nenhuma delas no processo seletivo foi em 18 de setembro de 1990, quando escolheu Atlanta para os Jogos de 1996. Desde então, Tóquio perdeu uma vez (para 2016), Madri duas vezes (para 2016 e 2012) e Istambul quatro vezes (para 2012, 2008, 2004 e 2000). Nesse tempo, o Japão ainda concorreu com Osaka (para 2008) e a Espanha, com Sevilha (para 2004).
Neste sábado, cada um dos comitês postulantes fará apresentação final de 45 minutos para os membros do Comitê Executivo do COI, seguida de 15 minutos para perguntas. A sessão será então encerrada por Sir Craig Reedie, presidente da Comissão de Avaliação, e a votação começará. Membros japoneses, espanhóis e turcos não terão direito a voto. A escolha acontecerá por rounds: a cada um deles, a cidade com menor votos é eliminada e anunciada publicamente, e então todos votam novamente nas remanescentes. Em 1º de outubro de 2009, Madrid ganhou do Rio de Janeiro na primeira sessão, na qual Chicago (Estados Unidos) foi eliminada. Mas se recuperou no segundo round, deixando justamente Tóquio e Madrid para trás, respectivamente.
”Azarão” Istambul quer jogos apesar de protestos e doping
Istambul se tornou candidata oficial a sede dos Jogos de 2020 em 7 de julho de 2011. “A vontade da Turquia de sediar os Jogos Olímpicos sempre existiu; agora, pela primeira vez, é igualada à capacidade de fazer isso”, diz o comitê local, que ressalta investimentos crescentes na prática de esportes no país e coloca o evento como a celebração de uma sociedade mais saudável e alinhada com os valores olímpicos. Receber o maior evento esportivo do mundo seria uma das honras das comemorações do centenário da República da Turquia, em 2023. A preparação nas cinco outras vezes em que se candidatou deu à cidade estrutura para finalmente receber o evento, segundo os turcos.
A proposta turca é sediar os Jogos entre 7 e 23 de agosto, período tradicional de férias e viagens no país. As arenas permaneceriam em quatro zonas da cidade, sempre permeadas por áreas históricas – Istambul foi fundada em 667 a.C. , já se chamou Bizâncio e Constantinopla e tem áreas declaradas Patrimônio Mundial pela Unesco. Essa mesma cidade que “respira esporte” ultimamente tem respirado violência, no entanto. Mais de 2 milhões de pessoas foram as ruas protestar contra o governo nas últimas semanas, com direito a forte repressão policial, deixando cinco mortos e 8 mil feridos, segundo informações da imprensa internacional. Istambul também respira tensão.
Além disso, chama a atenção o fato de a Turquia fazer divisa ao sul com a Síria, país que vive a iminência de uma interferência militar por conta do uso de armas químicas pelo regime de Bashar al-Assad contra sua própria população. A imagem turca também acaba distorcida por recente escândalo de doping, com a suspensão de 31 atletas pelo período de 2 anos – embora isso possa mandar uma imagem positiva de “tolerância zero” por parte das autoridades esportivas. Em 2016, o Rio de Janeiro se tornará a primeira cidade sul-americana a receber uma Olimpíada. Apesar dos problemas, Istambul luta para se tornar a primeira cidade predominantemente islâmica a conseguir esse feito.
Madrid ignora a crise e aposta em Olimpíada “quase pronta” e barata
Cinco anos depois da grande crise econômica europeia que afetou drasticamente a situação espanhola, o país acumula dívidas de 923 milhões de euros (R$ 2,8 bilhões) e tem um quarto de sua população sem emprego. Apesar disso, Madri entra na disputa para ser sede dos Jogos de 2020 talvez como favorita. Isso porque a candidatura propõe ao COI um novo modelo de organização, baseado em orçamento extremamente reduzido em relação a outras oportunidades. Os madrilenos dizem que farão o evento com US$ 5 bilhões (R$ 11,2 bilhões). Rio 2016, para efeitos de comparação, já custa R$ 29,2 bilhões.
O trunfo de Madri reside no fato de a cidade ter 28 das 35 arenas de competição já prontas e em utilização. Apenas quatro construções permanentes teriam de ser feitas, incluindo a Vila Olímpica, financiada pela iniciativa privada e transformada em conjunto residencial após 2020. Sediar a Olimpíada, portanto, seria uma oportunidade de crescimento, não um ônus. Essa é a imagem que o comitê local tenta passar aos delegados do COI. Outra Olimpíada sediada pela Espanha, a de Barcelona, em 1992, é considerada sucesso pela forma como transformou positivamente a cidade – inclusive economicamente.
Os Jogos de 2020 “vão servir de catalisador para a economia, a indústria e o comércio, gerando empregos, atraindo investimentos, promovendo turismo e fortalecendo a imagem da cidade e do país como um todo”, diz o dossiê da candidatura. O projeto propõe quatro polos, além de sedes específicas em outras cidades – para disputa apenas do futebol e da vela. “Concentrado, porém espaçoso”. A crise econômica não vai afetar a organização do evento, dizem os espanhóis. O último a endossar esse discurso, de maneira surpreendente, foi o atacante Lionel Messi, estrela do Barcelona, que agora apoia o interesse da cidade de seu arquirrival, Real Madrid.
Longe da radiação, Tóquio mira Olimpíada 100% limpa e rica
Em 1964, Tóquio sediou a primeira Olimpíada na Ásia com grande sucesso, provando sua reconstrução pós-Segunda Guerra Mundial para o mundo todo. Antes, a cidade já havia conseguido o direito de receber o evento em 1940, mas a invasão do País à China transferiu o evento para Helsinque (em 1952). Em 2013, o objetivo é elevar o moral da nação, afetada gravemente por terremoto e tsunami em 2011. Dois anos depois, o país usa seu enorme potencial financeiro para impressionar o COI e ser eleito pela terceira vez na história. Para isso, terá de vencer um problema: a radiação.
O tsunami de 2011 danificou a usina de Fukushima, houve vazamento de material radioativo e causou a maior crise desde o acidente de Chernobyl, em 1986. Nos últimos dias, atletas e personalidades têm sido enfáticas: não há risco para atletas e turistas, já que Tóquio se encontra a 250 km do epicentro do problema. Sabe-se, no entanto, que a radiação que vazou da usina já deixou lastros carregados por mar até os Estados Unidos, e há suspeita de que água contaminada tenha vazado para o solo ou escoado até o oceano. A mensagem distribuída, no entanto, é diferente: no Japão, o evento será limpo.
Isso inclui também quanto ao doping, já que um dos fatos exaltados é o de nenhum japonês jamais ter sido pego no exame antidoping em Jogos Olímpicos ou Paralímpicos. Além disso, a propaganda inclui robôs e todas as inovações tecnológicas que fazem parte da cultura japonesa. Trata-se daquilo que o comitê de candidatura define como “potencial comercial imbatível”. Até o ex-técnico da seleção japonesa de futebol, Zico, ídolo brasileiro, endossou a campanha.