Corrida dos Mil Anos: a prova que levou Le Mans para Adelaide na véspera de ano novo
Adelaide recebeu em 2000 a única corrida de automobilismo disputada em 31 de dezembro, marcando a virada do milênio
No mundo do automobilismo, corridas realizadas em 1º de janeiro não são tão incomuns. A Fórmula 1, por exemplo, disputou duas nessa data, em 1965 e 1968, ambas com o GP da África do Sul. Já uma prova em 31 de dezembro é provavelmente única em nível mundial: a Corrida dos Mil Anos, realizada na virada do milênio, entre 2000 e 2001, em Adelaide, na Austrália. Foi uma prova de endurance válida pelo American Le Mans Series, categoria que mais tarde se fundiu com a Grand-Am Road Racing para dar origem ao IMSA SportsCar.
Em 2000, Don Panoz, um dos fundadores do ALMS, idealizou a corrida. A Austrália foi escolhida como destino, mais precisamente o circuito de rua de Adelaide, tradicional pista que recebeu a Fórmula 1 entre 1985 e 1995. O evento também marcaria o encerramento do campeonato, tendo um contrato de nove anos. Além da Austrália, uma pista na Ásia chegou a ser considerada, provavelmente Sepang, na Malásia, mas a negociação não avançou.
A escolha do país não foi aleatória: o ALMS era uma série vinculada à ACO, entidade que administra as 24 Horas de Le Mans, apesar de ter sede nos Estados Unidos. A intenção da organização era expandir futuramente para campeonatos na Europa e na região Ásia-Pacífico; por isso, além de Adelaide, a temporada incluiu etapas em Silverstone e Nürburgring.
No campeonato de protótipos, a decisão do título estava entre os pilotos da Audi com os lendários modelos R8 LMP: o carro #77 de Allan McNish e Rinaldo Capello e o #78 de Emanuele Pirro e Frank Biela. O #77 também contou com um piloto convidado, o australiano Brad Jones. Poderia ter havido mais concorrência, mas a BMW não levou seus protótipos para a prova, encerrando o programa na etapa anterior, em Las Vegas. O carro #77, por sua vez, recebeu uma pintura especial em homenagem ao filme Crocodile Dundee (1986), grande sucesso ambientado na Austrália e nos Estados Unidos.
A corrida aconteceu no mesmo traçado usado pela Fórmula 1, de 3,780 km. Teve início às 16h e duração de 1000 km ou seis horas, o que viesse antes. O #77, com Rinaldo Capello, conquistou a pole, seguido por seu companheiro de equipe, Frank Biela. Durante o treino da manhã de domingo, McNish sofreu um acidente após a roda dianteira esquerda se soltar, obrigando a equipe a trabalhar intensamente para recolocar o carro na pista.
Na largada, o carro de Biela assumiu a liderança. Foram 17 voltas até que McNish conseguisse ultrapassar. A partir desse momento, o #77 com a lendária pintura inspirada em Crocodile Dundee não perdeu mais a liderança e o campeonato. O #78, por sua vez, enfrentou problemas mecânicos e terminou apenas em 15º lugar. A corrida terminou após seis horas, completando 850 km, às 22h no horário local, faltando duas horas para a virada.
Na classe GTS, a vitória ficou com o #91 Dodge Viper GTS-R, pilotado por Olivier Beretta, Karl Wendlinger e Dominique Dupuy. Já na classe GT, o triunfo foi do #5 Porsche 911 GT3-R, conduzido por Dirk Müller e Lucas Luhr.
O evento foi um sucesso de público, reunindo 135 mil pessoas durante o final de semana. Ainda assim, o governo local optou por não arcar com sua parte dos custos e, apesar do contrato de mais oito anos, a corrida não teve continuidade, tornando a edição da virada do milênio única. Com o fim do acordo, foi enterrada de vez a possibilidade de formação de um campeonato na região.
Apenas nove anos depois, a Asian Le Mans Series teria uma corrida experimental em Okayama. Em 2013, veio o campeonato de fato, começando na Coreia do Sul (Inje) e passando por Japão (Fuji), China (Zhuhai) e Malásia (Sepang). Em 2020, a Austrália chegou a receber uma etapa, no Circuito de The Bend, mas foi a única vez até hoje e não existe previsão de retorno do país ao campeonato.