Tarifaço: CNI nega, em audiência nos EUA, que Brasil prejudique deliberadamente comércio americano
Confederação afirma que judiciário permanece independente e imune a pressões políticas, ao responder sobre leis anticorrupção
BRASÍLIA - A Confederação Nacional da Indústria (CNI) defendeu nesta quarta-feira, 3, que o Brasil não prejudica deliberadamente os Estados Unidos, tampouco adotou políticas ou medidas que tenham onerado ou restringido o comércio americano.
A manifestação ocorreu durante audiência pública na investigação aberta pelo Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR), com base na Seção 301 da Lei de Comércio, aberta contra o Brasil por supostas práticas comerciais desleais. A investigação questiona até o Pix e a 25 de Março.
Ao abordar um dos questionamentos dos EUA - o combate à corrupção - a entidade defendeu que a Justiça brasileira é independente e imune a pressões políticas. O discurso coincide com o que o governo Lula usou para reagir à pressão trumpista por encerrar o julgamento por tentativa de golpe de Estado contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.
A CNI contratou como consultor para representá-la o embaixador Roberto Azevêdo, ex-diretor geral da Organização Mundial do Comércio (OMC).
"O Brasil não adotou atos, políticas ou práticas injustificáveis e que tenham onerado ou restringido o comércio dos EUA", afirmou o embaixador. "A noção de que o Brasil está agindo deliberadamente de forma a prejudicar os Estados Unidos é totalmente infundada."
A confederação industrial já havia enviado uma série de comentários pormenorizados, por escrito, em resposta à abertura de um processo pelo USTR, a mando do presidente Donald Trump, quando anunciou o tarifaço de 50% contra o Brasil.
Roberto Azevêdo foi um dos primeiros representantes de empresas e entidades setoriais a discursar em Washington, no painel inaugural. Ao todo 39 discursos são esperados, em nome de empresas e associações brasileiras e americanas.
"Simplesmente não há evidências de que os atos, políticas e práticas em questão discriminem ou prejudiquem injustamente as empresas americanas. Ao contrário, os fatos mostram que as empresas americanas, em geral, se beneficiaram das políticas brasileiras. O Brasil está consistentemente entre os dez maiores superávits comerciais que os Estados Unidos desfrutam com o resto do mundo. Além disso, o Brasil tem sido um destino antigo e atraente para investimentos americanos, com os Estados Unidos sendo o principal investidor há anos. Os Estados Unidos também são o principal destino dos fluxos de investimento brasileiros", afirmou Azevêdo.
No pronunciamento, o embaixador afirmou que as cadeias de suprimentos entre os países foram conectadas por anos de relacionamento e que podem estar em risco. Ele pregou negociação diplomática entre os governos Trump e Lula, algo congelado no momento, em vez de disputas e punições.
"Romper essas cadeias de suprimentos prejudicará ambos os países. Somos as duas maiores democracias deste hemisfério. Deveríamos estar conversando um com o outro; não brigando um com o outro. Quaisquer problemas devem ser resolvidos por meio de diálogo e cooperação contínuos", disse o diplomata.
A investigação foi aberta no dia 15 de julho, com acusações sobre atos, políticas e práticas do Brasil relacionadas ao comércio digital e serviços de pagamento eletrônico (incluindo o Pix), tarifas preferenciais injustas, aplicação da lei anti-corrupção, proteção de propriedade intelectual (caso da 25 de Março, tida como um mercado de produtos piratas), acesso ao mercado do etanol e desmatamento ilegal.
Em nome da CNI, o ex-diretor da OMC respondeu a cada um dos seis quesitos.
Primeiro, o embaixador disse que não há prejuízos à competitividade de empresas americanas em comércio digital e sistemas de pagamento, cujo foco é o Pix. Ele comparou o sistema de pagamento instantâneo ao FedNow americano e defendeu que o Pix "aumentou a inclusão financeira, reduziu a dependência de dinheiro físico e aumentou a eficiência no varejo e no comércio eletrônico - beneficiando significativamente as empresas americanas".
Azevêdo disse que as "taxas preferenciais do Brasil são consistentes com os acordos internacionais ratificados e adotados pelos Estados Unidos. Com uma tarifa efetiva de 2,7%, os produtos americanos estão sujeitos às menores tarifas entre nossos parceiros comerciais, exceto o Mercosul".
Ele disse que o País aplica de forma rigorosa a legislação anticorrupção e afirmou que a OCDE elogiou progressos brasileiros.
"O Brasil aplica rigorosamente suas leis anticorrupção por meio de um judiciário que permanece independente e imune à pressão política. De fato, revisões por pares em andamento na OCDE têm elogiado a abrangente estrutura legal e institucional do Brasil para o combate à corrupção", disse.
Sobre propriedade intelectual, o embaixador afirmou que "os direitos de patente foram concedidos em 2,9 anos, o que está em linha com os 2,2 anos para pedidos de patente nos Estados Unidos". Ele afirmou que "empresas americanas ocupam o primeiro lugar em direitos de patente" no País.
A CNI negou que o País adote práticas "irracionais ou discriminatórias" em relação ao etanol que onerem ou restrinjam o comércio dos EUA. Azevêdo propôs que os países trabalhem em parceria para abrir mais mercados internacionais.
Os produtores americanos se queixam de entraves regulatórios para acessar o mercado brasileiro e da taxa de 18% do Mercosul usada pelo Brasil, contra a de 2,5% adotada pelos EUA ao etanol brasileiro.
"Como os dois maiores produtores globais de etanol, os Estados Unidos e o Brasil têm uma necessidade limitada de importações para atender à demanda interna. Eles deveriam trabalhar juntos para promover a expansão dos mandatos de mistura de etanol em países estrangeiros, a fim de aumentar a demanda por etanol", disse o consultor.
Sobre a suspeita de descontrole ou omissão no desmatamento ilegal, o embaixador disse que o País aplica as leis ambientais de forma rigorosa e que a indústria extrativista possui um sistema de controle robusto para produção e comercialização de produtos florestais.
"Não é verdade que o desmatamento ilegal prejudique a competitividade dos produtores americanos de madeira e produtos agrícolas", refutou.
Mais cedo a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) também havia feito a defesa do setor do agronegócio. Outras entidades como o café, indústria de móveis e cerâmica serão representadas, bem como os produtores do etanol, e as multinacionais Weg e Embraer.