Startups: da era dos unicórnios à era dos camelos
Antes, bastava uma boa ideia para convencer investidores. Agora, o trabalho dos empreendedores está mais árduo
Grandes ciclos econômicos sempre existiram. Falo de momentos de expansão econômica seguidos por outros de recessão para uma futura retomada, justamente como este que estamos vivenciando. Deixamos para trás um longo período de taxas de juros reais negativas, onde qualquer projeto de startup - ou até mesmo qualquer PowerPoint - se tornava viável para atrair investidores. Agora, com opções de investimento mais atrativas e de menor risco - no Brasil, a taxa de juro oscila já há algum tempo em torno de 13% ao ano -, o empreendedor vai ter que repensar suas estratégias.
No primeiro trimestre deste ano, por exemplo, houve uma redução de 86% no capital investido em startups nacionais em relação ao mesmo período de 2022, com apenas 91 acordos assinados no período, segundo levantamento feito pela Distrito.
Qual é a implicação da alta taxa de juros para o mundo dos negócios e, principalmente, para a inovação, para as healthtechs e outras startups?
Dinheiro mais escasso traz a necessidade de projetos mais consistentes. E está aí a grande mudança. Como empreendedores, temos que estar pautados menos em ideias mirabolantes e mais em propostas “pé no chão”, com planos de negócios bem formulados e que priorizem a sustentabilidade, que se mantenham viáveis mesmo em tempos econômicos difíceis.
Estamos saindo da era dos unicórnios e iniciando a era dos camelos. Camelo, sabemos, é um animal que sobrevive com pouca água, em um ambiente hostil à vida e com restrições de toda sorte - algo bem diferente daquele ser mítico que habita o quarto de crianças e o sonho de boa parte, se não parte inteira, do empreendedor que lança sua startup e tem como exemplo de sucesso casos raros, raríssimos, como o de Mark Zuckerberg: munido de uma ideia inovadora, sem sequer trocar a bermuda e o chinelo por calça e sapatos, tornou-se bilionário e mudou a forma como bilhões se comunicam.
Mas nunca foi bem assim.
A especialista Alisa Cohn, por exemplo, contou em um painel lotado no último SXSW que o fundador de empresas unicórnio tem mais de 35 anos de idade e já falhou em uma ou outra tentativa de startup antes de ter uma visão de negócio que hoje o destaca. Também deixou claro que esse tipo de negócio espetacular não costuma ter sócios: 35% dos unicórnios tem dois sócios apenas e 30% era formado por três pessoas.
Se o sonho do unicórnio já era utópico quando a grama de investimentos em startups era mais verde e farta, agora ele se distancia ainda mais.
O empreendedorismo brasileiro deve mudar seu perfil em pouco tempo para atrair investidores.
Ter propostas mais consistentes impacta diretamente quem está liderando o projeto e até o perfil psicológico do founder ou do "startupeiro". Dessa forma, teremos pessoas menos midiáticas, com abordagem firme e trajetória profissional consistente.
Essa questão é muito pertinente ao momento que estamos vivendo, mas sei também que requer uma análise mais densa porque aborda temas de macroeconomia, em que não existem respostas certas, nem direcionamentos prontos para serem adotados. Por isso, o Projeto Unbox está preparando um material especial, com reportagens e entrevistas, para ampliar essa discussão com a opinião tanto de quem já está notando essa mudança no perfil do investidor e precisa (re)pensar seu plano de negócios como de analistas de mercado que compartilham as tendências da inovação no País.
Até lá, deixo uma pergunta para refletirmos juntos: como será o futuro do empreendedorismo no Brasil?
(*) Rodrigo Guerra é especialista em finanças e inovação. As duas áreas não costumam ser associadas, mas quando estão lado a lado, elas conseguem transformar projetos inovadores em prática diária nas empresas. No Projeto Unbox, do qual é fundador, realiza uma curadoria de conteúdos fundamentais para impulsionar as mudanças urgentes e necessárias de pessoas, negócios e da sociedade.