Pequeno e médio produtores ainda veem sustentabilidade como risco, diz pesquisadora da FGV
Financiamentos e assistência técnica ainda não chegam a agricultores responsáveis por 70% da produção brasileira de alimentos, ressalta Talita Pinto no 'Summit Agro Estadão 2025'
Práticas e expressões como ESG, o uso plantas para cobertura do solo, a utilização de defensivos biológicos, entre outras — ainda são estranhas e vistas como risco por pequenos e médios produtores do Brasil. Esse foi o tema discutido no painel "A evolução do agro em práticas sustentáveis" do Summit Agro Estadão 2025, nesta quinta-feira, 27, em São Paulo.
A agricultura familiar — que envolve a maior parte dos pequenos e médios agricultores e pecuaristas brasileiros — produz 70% dos alimentos do País, segundo o Censo Agropecuário de 2017, o mais recente do setor.
No entanto, esse conjunto de produtores — que abrange 10,1 milhões de pessoas ou cerca de 67% das ocupações agropecuárias no Brasil — ainda é muito refratário às práticas de sustentabilidade e apegadas a tradições antigas e pouco eficientes do ponto de vista ambiental, ressaltou Talita Pinto, coordenadora do FGV Bioeconomia, observatório de Conhecimento e Inovação em Bioeconomia é da Fundação Getulio Vargas.
"A principal causa desse distanciamento entre pequenos e médios e as práticas Ambientais, Sociais e de Governança (ESG, na sigla em inglês) é a falta de financiamento direcionado para esses produtores", disse a especialista. "Sem dinheiro, eles não têm condições, por exemplo, de atuar na recuperação de áreas degradadas, uma atividade que precisa de muito investimento, ou de pesquisar defensivos melhores."
Dinheiro apenas, entretanto, não é o único fator que resolveria essa desconexão, segundo Irenaldo Rubens Nunes Soares, superintendente de políticas de desenvolvimento sustentável do Banco do Nordeste, que participou do painel. "Não adianta colocar dinheiro no colo do produtor sem dar conhecimento para estruturar a atividade dele de um modo mais sustentável", afirmou.
O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, com 720 mil toneladas de pesticidas, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). A quantia é quase 60% superior ao que usa os Estados Unidos, segundo lugar do ranking mundial.
A falta de conhecimento sobre os riscos, a dosagem incorreta, o momento de aplicação e intervalos de aplicação fazem dos pequenos e dos médios um dos maiores vetores desse problema.
"Por tradição, porque os pais, os avós já faziam de uma certa maneira, os menores produtores são os que mais veem risco em adotar práticas de sustentabilidade. Eles não veem segurança na mudança por algo mais sustentável", explicou Talita. "Eles desconhecem práticas de sustentabilidade na agricultura e na pecuária que — como o uso de adubos orgânicos e bioinsumos, a rotação de culturas, o plantio direto, o manejo de pastagens com consórcio de leguminosas e árvores — melhoram a efetividade de sua cultivo e geram mais riqueza", afirmou Talita.
Por que, afinal, o conhecimento não chega a essa parcela dos produtores? "Eles são muita gente, espalhados por um país enorme, onde boa parte do campo ainda não tem infraestrutura, como conexão satisfatória de internet. Por isso, a difusão do conhecimento e de assistência técnica para esse conjunto é muito difícil.
Furando a bolha
Há casos, porém, que conseguiram romper essa bolha de desinformação. Recentemente, a Pesico, multinacional de refrigerantes e alimentos, firmou parceria com sete agricultores que usam práticas sustentáveis para produção de milho — a matéria-prima do salgadinho Doritos. São 1,7 mil hectares no Cerrado brasileiro.
Em conjunto com a Griffith Foods, empresa fornecedora de ingredientes para a indústria alimentícia, e a Milhão, parceira da companhia no fornecimento de milho no Brasil, o programa paga por práticas e resultados, compensando diretamente os agricultores pela adoção de práticas regenerativas, como compostagem, insumos biológicos e redução de fertilizantes químicos."
Vamos contabilizar a saúde do solo, a emissão e o sequestro de carbono e pagar por isso. Assim, geramos engajamento do produtor. Esse é um programa piloto que começou no Brasil e vai se espalhar pelos países onde a Pepsico atua', disse Isabela Malpighi, diretora de sustentabilidade da PepsiCo Latam.
Outra empresa que vem atuando nesse campo de sustentabilidade é a Yara, de fertilizantes. A fabricante trocou o gás natural de origem fóssil por biometano (subproduto da fabricação de etanol, abundante no interior de São Paulo) em sua fábrica de Cubatão (SP), onde produz amônia, base da fabricação da maior parte dos fertilizantes. "Além disso, temos viabilizado soluções digitais para ensinar aos pequenos produtores o melhor uso do fertilizante, a dosagem correta e como deve ser feita a aplicação", contou ela.
Órgãos governamentais também têm atuado com assistência técnica para os menores, Márcia Nejaim, responsável pelo escritório da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) em São Paulo.
"Ao exportar, o produtor necessariamente precisa se tornar mais competitivo e inovador. Então, ajudamos vários produtores, por exemplo, com capacitação para conseguir selos de sustentabilidade", explica. "Muitas vezes o pequeno produtor faz de tudo para conseguir um certo selo que não tem muito a ver com o que ele produz. Nós ajudamos até nisso, na escolha da certificação que pode trazer mais benefícios para ele."