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'Não é somente um problema italiano: o coronavírus ameaça a economia da Europa', diz executivo

Fábrica de autopeças com unidades na China e na Itália teve produção reduzida drasticamente por causa do avanço da doença, ameaçando a operação de montadoras como Renault, BMW, Peugeot e Jaguar Land Rover

26 fev 2020 - 15h40
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Quando o mortal coronavírus chegou ao centro industrial da Itália, provocando o fechamento da sua fábrica e ameaçando a Europa de prejuízos econômicos, Antonio Falchetti já era um veterano na batalha para conter a epidemia global.

Sua empresa, a MTA Advanced Automotive Solutions, fabrica peças para sistemas elétricos de carros, fornecendo-as para as maiores montadoras do mundo. Uma das suas fábricas está em Xangai. Com o coronavírus se tornando uma emergência de saúde pública em toda a China, em janeiro Falchetti foi obrigado a reduzir de maneira significativa a produção e operar com uma pequena fração da mão de obra regular.

Em 17 de fevereiro, sua fábrica em Xangai estava a pleno vapor. Mas, menos de uma semana depois, a MTA teve problemas em outra fábrica, na cidade italiana de Codogno: o coronavírus foi detectado naquela área e levou o governo regional a fechar todas as fábricas locais.

Falchetti, diretor executivo da MTA, teme que o governo esteja exagerando ao colocar Codogno sob quarentena, uma cidade de 16 mil habitantes, que fica a 64 quilômetros ao sul de Milão. A Itália corre o risco de deixar as montadoras de toda a Europa sem componentes cruciais, disse ele.

"Espero que nossas autoridades italianas, e o resto da Europa, reconheçam que um fechamento total das fábricas não é apenas um problema italiano", disse ele ao ser entrevistado. "Isto vai atingir todos. E o nosso negócio. Na verdade, acho que muitas empresas no mundo hoje fazem parte de um vibrante ecossistema. Se você fecha uma parte desse ecossistema, inevitavelmente isso tem consequências sobre outras partes."

A companhia, em um comunicado divulgado na segunda-feira, 24, insistiu para as autoridades italianas permitirem a retomada das operações da empresa com um décimo dos seus 600 empregados. Do contrário, a MTA não conseguirá fornecer peças cruciais para seus clientes, ameaçando uma paralisação de importantes montadoras europeias, entre elas a Renault, BMW, Peugeot e Jaguar Land Rover.

A BMW informou que está "monitorando continuamente a situação", mas já vem tendo dificuldades para encontrar as peças que necessita. Porta-voz da Renault declarou que a companhia está avaliando os impactos potenciais, mas não fez mais comentários, e a Jaguar não se manifestou.

A dramática situação em Codogno ressalta as preocupações que afligem a economia mundial com a propagação do coronavírus. Até esta semana a epidemia parecia confinada à Ásia. Uma infecção misteriosa, preocupante e mortal que matou mais de 2 mil pessoas, vem perturbando a atividade da indústria chinesa e reduzindo os gastos dos consumidores chineses.

Para especialistas, a economia da China, a segunda maior do mundo, deve desacelerar drasticamente no primeiro semestre deste ano para depois de recuperar à medida que a epidemia for contida. Como o país responde por um terço do crescimento global, isso é suficiente para provocar temores em todo mundo, afetando balancetes de empresas multinacionais como a Apple e grandes empresas aéreas.

Além disso, o foco de preocupação era a China e países vizinhos como Coreia do Sul e Japão. A situação mudou bruscamente esta semana à medida que o coronavírus escapou para além da China, provocando vendas motivadas pelo pânico nas Bolsas mundiais na segunda-feira e na terça-feira. O espectro de uma epidemia que se propaga rapidamente na Itália aumentou a perspectiva de um novo choque numa região que já vinha se debatendo para ganhar vitalidade.

A percepção de que o vírus pode se transformar numa crise global se intensificou com o Irã sendo identificado como a fonte de casos que surgiram no Iraque, Afeganistão, Bahrein, Kuwait, Omã, Líbano e Emirados Árabes Unidos e mesmo no Canadá.

Maior economia da Europa, a Alemanha vinha registrando uma queda pronunciada das encomendas para suas fábricas, com o seu setor automotivo tentando aumentar os padrões de carros econômicos e com o crescimento da China em desaceleração.

As fábricas chinesas compram volumes enormes de petroquímicos e máquinas das fabricantes alemãs. A guerra comercial do presidente Donald Trump com a China, ao limitar o crescimento industrial chinês afetou as exportações alemãs. O coronavírus agravou esta tendência com os trabalhadores chineses tendo de ficar em casa por causa do vírus.

A saída da Grã-Bretanha da União Europeia ameaça reduzir o investimento na Europa uma vez que as empresas multinacionais aguardam mais clareza das conversações comerciais sobre o futuro das transações comerciais através do Canal da Mancha.

A Itália continua a fonte perpétua de inquietação - uma economia que não cresce há duas décadas, com níveis alarmantes de dívida pública e bancos às voltas com empréstimos concedidos cujo resgate é duvidoso.

Como um dos 19 países que adotaram o euro, a Itália deve cumprir regras rigorosas no tocante a gastos públicos, o que limita ainda mais o crescimento e torna suas empresas especialmente dependentes do comércio. A Itália vendeu produtos e serviços para o exterior num total equivalente a US$ 550 bilhões em 2018, de acordo com o Banco Mundial

"Devido à austeridade que se enraizou na política econômica italiana, o mercado doméstico não cresce", disse Servaas Storm, economista na Delft University of Technology, na Holanda. "As empresas que querem crescer têm de exportar."

O coronavírus atingiu Codogno e a região da Lombardia, como também áreas vizinhas do Piemonte e do Veneto. Coletivamente, essas regiões respondem por quase um terço da economia nacional.

"É o coração industrial da Itália", disse Nicola Borri, professor de finanças na universidade de Roma. "São milhares de pequenas empresas ativas no campo da exportação. É uma área da economia muito dinâmica, equivalente às mais desenvolvidas da Alemanha. Está também muito interconectada". E este é o elemento que torna a epidemia um fato imprevisível potencialmente perigoso na economia europeia.

Mais de 12% das exportações da Itália vão para a Alemanha, grande parte são autopeças. Se as fábricas italianas tiverem problemas para fabricar seus produtos isto levará a uma escassez de componentes, interrompendo a atividade das fábricas alemãs e da Europa.

Este foi o argumento apresentado por Falchetti e a MTA ao pedir ao governo regional autorização para que parte do seu pessoal retorne ao trabalho.

"Não podemos enviar a mercadoria onde ela necessita ir", disse Maria Vittoria Falchetti, irmã de Antonio que divide com ele a propriedade da MTA. "Não conseguiremos respeitar os prazos e entregar as encomendas na data acertada por causa desse confinamento". / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Estadão
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