'Gerenciar conflitos é habilidade para o futuro do trabalho', diz consultora de diversidade
Mafoane Odara fala da relevância que o Departamento de Pessoas ganha a cada dia nas empresas
Mestre em Psicologia e com passagens por grandes grupos como Meta, Avon e Zamp - que tem no guarda-chuva Burger King, Popeyes, Starbucks e Subway -, Mafoane Odara acredita no poder transformador que o gerenciamento de pessoas pode trazer para as companhias e também para os seus funcionários.
A consultora lembra que a gestão de pessoas se tornou o coração das estratégias organizacionais, colocando-as no centro, priorizando a cultura e abraçando a transformação como pilar fundamental para o crescimento sustentável e a inovação.
Mafoane explica que muitas empresas abrigam hoje até cinco gerações trabalhando ao mesmo tempo, causando conflitos que, porém, na visão dela, não são ruins. "Quanto mais representatividade tivermos, mais conflitos haverá. Então, lidar com a diversidade é aprender a lidar com as tensões, e lidar com as tensões faz a gente ir mais longe."
Sobre representatividade, Mafoane lembra que a violência contra a mulher se tornou um problema para as companhias, que amargam um prejuízo de R$ 1 bilhão por ano em razão de agressões sofridas por funcionárias. "Precisamos ter muito cuidado e muita generosidade com as mulheres." A seguir, trechos da entrevista ao Estadão:
Como é o trabalho hoje de uma diretoria de Pessoas dentro de um RH?
Hoje, temos olhado muito para como o RH consegue atrelar três dimensões muito importantes do processo de crescimento organizacional: as pessoas no centro das estratégias, a cultura como prioridade, que ajuda a consolidar a estratégia, e a transformação como parte importante do processo para garantir que a organização continue sendo sustentável, inovadora, crescendo e longeva.
Quais são as prioridades em um cargo como esse?
Dentro da área de pessoas, a prioridade é como criamos processos que ajudem a atrair os melhores talentos para a companhia, que ajudem a garantir o desenvolvimento das pessoas dentro da organização e que mostrem quais são os melhores processos que precisamos desenvolver para dar suporte ao negócio.
É uma evolução do RH?
Quando falamos do setor de RH, saímos de um modelo de Departamento Pessoal, que demitia e contratava gente. As pessoas importavam muito pouco. Era uma cultura utilitarista. Eu trocava minha mão de obra visando dinheiro. Hoje, vivemos um modelo cultural organizacional que chamamos de cultura de engajamento. Para além de dinheiro, as pessoas querem ser felizes, querem ter equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional e querem ter propósito. Então, a área de Departamento Pessoal se transformou no que chamávamos, inclusive antigamente, de área de Relações Humanas ou de Recursos Humanos. Só que isso também evoluiu. Por quê? Porque também, culturalmente, temos evoluído cada vez mais para a centralidade dos negócios em pessoas. Então, hoje estamos indo para um lugar chamado de cultura de significado. As pessoas querem fazer parte da construção e do desenvolvimento das organizações.
Há hoje gerações que trabalham juntas. É uma relação conflituosa?
Isso é um desafio. Hoje, pela primeira vez, cinco gerações de pessoas trabalham juntas. E é sempre uma relação conflituosa. E isso é bom. O conflito só é ruim quando é mal gerenciado. O conflito ajuda a gente a crescer, porque diferentes perspectivas nos levam a olhar por outras janelas os problemas que temos. Aprender a gerenciar o conflito é, inclusive, uma das habilidades mais importantes para o futuro do trabalho. A gestão dos conflitos, a flexibilidade emocional, a orientação para servir, a gestão de pessoas são habilidades importantes que precisamos desenvolver. Quanto mais representatividade tivermos, mais conflitos haverá. Então, lidar com a diversidade é aprender a lidar com as tensões, e lidar com as tensões faz a gente ir mais longe.
As pessoas nascem com esse talento ou podem aprender?
Sempre podemos aprender. Há pessoas autoritárias, por exemplo, e você tem de entender de onde vem isso. Muitas vezes, o autoritarismo vem do medo de se sentir exposto ou de ser humilhado. Então, posso dizer que a maioria das pessoas pode, sim, aprender. E o que ajuda? A convivência com o diferente.
Aquela pessoa autoritária perdeu espaço?
Muitas vezes, o autoritarismo vem de um aprendizado, o modelo de liderança que tínhamos de "manda quem pode, obedece quem tem juízo". Esse modelo caiu por terra, as lideranças que mais se destacam são aquelas que mais influenciam. A influência tem a ver com a capacidade de agregar diferentes pontos de vista. Há um psicólogo americano chamado Adam Grant, que tem um livro chamado Pense de Novo, em que diz o seguinte: "Se conhecimento é poder, saber o que você não sabe é sabedoria".
O que ele quis dizer com isso?
Tudo o que você aprendeu até hoje é muito importante porque te trouxe até aqui, o que você não sabe vai te levar para o futuro. Como você gerencia aquilo que não sabe? Trazendo pessoas com diferentes perspectivas para ajudar a construir soluções para aquilo que ainda não sabemos fazer.
Sobre diversidade e mercado de trabalho, você acha que a mulher é mal preparada para se defender? Há algum processo para ajudá-la?
Há algo a que me dedico, que é ajudar mulheres a reconhecerem as habilidades que têm. Hoje, a violência contra a mulher causa um prejuízo de R$ 1 bilhão anualmente. São 22 dias perdidos de trabalho por conta dessa violência. E quem ganha com a narrativa de que mulheres não são boas para liderar? Não são as mulheres, claro. Precisamos ter muito cuidado e muita generosidade com as mulheres. E é esse o cuidado que tenho, de entender que aprendemos que, para me vender na empresa, é só me esforçar. Mentira. Você tem de se promover, você tem de ter visibilidade.
