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Especialistas defendem volta do horário de verão para 'pequena' economia de energia em meio à crise

Medida, extinta por Bolsonaro há dois anos, é vista como uma forma de ajudar no enfrentamento da atual crise hídrica, além de também aliviar o bolso do consumidor; setor de bares e restaurantes apoia possibilidade

24 jul 2021 - 08h06
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BRASÍLIA - Dois anos após ser extinto pelo presidente Jair Bolsonaro, o horário de verão volta à discussão como forma de poupar energia diante da maior crise hídrica que o País enfrenta. Para os especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, o mecanismo pode atenuar um pouco o consumo de energia e aliviar o bolso dos consumidores, que viram o preço da energia explodir. Estimativa aponta que com o adiantar do relógio em uma hora, o consumidor poderia poupar cerca de R$ 500 milhões.

Criado com a finalidade de aproveitar o maior período de luz solar durante a época mais quente do ano, o horário de verão foi instituído no Brasil em 1931 pelo então presidente Getúlio Vargas e adotado em caráter permanente a partir de 2008. Mas, mudanças nos hábitos do consumidor e avanço da tecnologia reduziram a relevância da economia de energia ao longo dos anos. Esse foi o argumento usado pelo governo para extinguir a medida em abril de 2019.

À época, estudo do Ministério de Minas e Energia (MME) apontou que não havia mais economia de energia tão relevante. Isso porque como o calor é mais intenso no fim da manhã e início da tarde, os picos de consumo aumentam nesse horário durante o verão, o que leva as pessoas a usarem mais o ar condicionado.

Na ocasião, o então presidente do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Eduardo Barata, afirmou que pelo motivo de a economia de energia ser pequena, não seria um grande problema extinguir a medida para o setor elétrico. Apesar desse diagnóstico, o ONS não recomendou a extinção do horário de verão, já que a equipe também considerava os ganhos inegáveis para outros setores e para a população. Dois anos depois, e em meio a uma crise hídrica, Barata defende que a mudança nos relógios volte a ser analisada pelo governo.

"Acho que tem que estudar essa alternativa. Tanto o ONS, como o governo, devem considerar uma hipótese plausível. [A economia] era pouca naquela situação, em uma situação como a que estamos vivendo hoje, o pouco pode ser muito. Não acho que deve adotar de pronto, nem descartar de pronto. Tem que analisar", afirma. "Não é vergonha nenhuma voltar com a medida".

A redução da economia do horário de verão começou a ser percebida e questionada em 2017, quando foi registrada uma queda de consumo da ordem de 2.185 megawatts, equivalente a cerca de R$ 145 milhões. Em 2013, a economia havia sido de R$ 405 milhões, caindo para R$ 159,5 milhões em 2016, uma queda de 60%.

Bares e restaurantes pedem a volta

Para Cláudio Frischtak, sócio da consultoria financeira Inter.B, a decisão do governo foi "arbitrária", e não considerou o impacto do horário de verão em demais áreas, como no índice de criminalidade e para segmentos da economia que dependem da presença do pública para faturamento, como bares e restaurantes.

O setor estima que a volta do horário de verão pode dobrar o faturamento no período da noite, horário de maior movimentação de clientes por conta do "happy hour". A estimativa é da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) que, em parceria com outras entidades empresariais, pleiteia a retomada do mecanismo após amargarem prejuízos com as medidas de isolamento devido à pandemia da covid-19.

O pedido foi apresentado no início deste mês, mas o único retorno até o momento é que foi encaminhado para análise dos ministérios do Turismo e de Minas e Energia. O movimento atraiu até mesmo o empresário bolsonarista Luciano Hang, que afirmou que o fato de ganhar uma hora durante o dia "faz com que a roda da fortuna gire mais e influencia positivamente toda a economia."

"Qualquer economia, do ponto de vista de energia, seria positivo nesse momento, da mesma forma para o nosso setor. Mesmo de portas abertas, ainda temos mais da metade das empresas operando com prejuízos. Fomos um setor muito maltratado pela pandemia", afirma o presidente da Abrasel, Paulo Solmucci. Segundo dados da associação, hoje 64% das empresas dizem ter pagamentos em atraso. Entre as principais dívidas estão: impostos, fornecimento de água, luz e gás, aluguel, FGTS dos colaboradores e fornecedores.

'É pouco, mas é economia'

Frischtak afirma que a extinção do horário de verão foi feita em um momento em que o consumo de energia elétrica não era tão crítico como hoje por conta da crise hídrica, que deve se prolongar até os próximos anos. "O que se alegou em 2019 era que a redução de consumo era relativamente pequena. Na época, era algo em torno de R$ 140 milhões, e que não valia o desconforto que causaria às pessoas que acordam cedo e vão trabalhar ainda no escuro", afirma. "Temos uma situação de escassez enorme e vamos ter esse problema neste ano, ano que vem e não sabemos até quando, e o preço da energia aumentou muito. Nossas estimativas é que hoje poderia poupar para o consumidor, por conta do horário de verão, cerca de R$ 500 milhões", afirma.

O ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e professor de planejamento energético da UFRJ, Maurício Tolmasquim, também defende a volta do horário de verão, mesmo que seja apenas neste ano. "Naquela uma hora a mais de luz do sol está economizando um pouco de energia. É pouco, mas é uma economia. Em condições normais pode se discutir as vantagens e desvantagens de ter essa mudança, mas no momento em que estamos vivendo, que estamos acionando térmicas caríssimas e o governo negociando com a indústria para deslocar o consumo, cada megawatt economizado é importante", disse.

Apesar da avaliação de especialistas e pleitos de alguns setores, o governo não indica nenhuma possibilidade de retomar a medida. No início do mês, o presidente Jair Bolsonaro defendeu o fim do horário de verão em conversa com apoiadores. Sem mostrar dados, ele afirmou que "a maioria é contra". "Horário de verão foi comprovado que não tem ganho financeiro, e a maioria é contra porque mexe no relógio biológico da pessoa", afirmou.

O Ministério de Minas e Energia afirmou, em nota, que a contribuição do horário de verão é "limitada", tendo em vista a mudança no hábito de consumo de energia da população nos últimos anos, deslocando o maior consumo diário para o período diurno. "No momento não identificamos que a aplicação do horário de verão traga benefícios para redução da demanda", diz a nota. Sem detalhar possíveis ações, a pasta informou que tem estudado iniciativas "que visam o deslocamento do consumo de energia elétrica dos horários de maior consumo para os de menor, de forma a otimizar o uso dos recursos energéticos disponíveis do Sistema Interligado Nacional".

Estadão
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