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Deives Rezende: o homem que se descobriu negro ao lançar consultoria

Os 40 anos como executivo custaram-lhe sua identidade, mas foram transformados em potência quando lançou a Condurú Consultoria

18 out 2023 - 06h25
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Deives Rezende
Deives Rezende
Foto: Divulgação

Haverá um dia em que não será preciso contar as atrocidades pelas quais as minorias passam em suas jornadas, seja qual for o recorte de sua vida a ser relatado. Haverá um dia em que as gastas e criminosas passagens de preconceito e discriminação por qualquer característica, como cor da pele, identidade de gênero, orientação sexual, serão fatos de um passado distante, completamente repudiados pela realidade atual. 

Haverá um dia em que continuaremos a escolher pontos altos e baixos para redigir o perfil de alguém, sabendo que esses casos serão meros frutos do acontecimento da vida, sem estarem pré-determinados ou pré-conceituados.

Mas esse dia não é hoje. 

Tudo começa com um apelido 

No começo do que seria uma longa trajetória corporativa, Deives Rezende Filho ganhou o apelido de "dominó". Passaram alguns dias até o rapaz ganhar intimidade com um colega e questionar o significado. "Preto com pinta de branco."

O jovem parou de atender. 

"Dominó, estou falando com você. Não está ouvindo?"

"Meu nome é Deives."

Mas se o preconceito não é dizimado em sua essência, ele perdura, mesmo que velado. À medida que avançou em sua carreira e conquistou cargos cada vez mais altos, Deives desenvolveu uma tática para lidar com a opressora tarefa de ser a única pessoa preta em ambientes dominados pelos brancos. 

"Quando chegava em uma reunião, eu mesmo já fazia uma piadinha comigo, para não dar a chance de mais ninguém fazer. Agora o sofrimento e a ferida que isso deixa, né? Você já fica se autopunindo."

Tudo recomeça numa descoberta

Foram 40 anos na indústria financeira. Chegada a hora da aposentadoria, a experiência acumulada como mais alto líder financeiro e de operações, especialista em gestão de conflitos, relações governamentais e compliance viraram material para sua primeira iniciativa como empreendedor. Nascia, em 2018,  a Condurú Consultoria, voltada a coach de executivos. 

"Consegui fazer isso por três meses", contou Deives ao podcast Vale do Suplício. O mercado queria outra coisa: palestras sobre inclusão e liderança de pessoas negras no ambiente corporativo. "Recebi como um chamado." 

Esse chamado o fez imergir no estudo do racismo, colorismo e diversidade. As cenas corriqueiras de uma vida inteira foram ressignificadas. "Em todos esses anos, eu me embranqueci. Eu participava de grupos onde só havia brancos, muitos deles estrangeiros. Encontrava pessoas negras na segurança, na limpeza, só isso." 

"O negro que se empenha na conquista da ascensão social paga o preço do massacre mais ou menos dramático da sua identidade", ensinou Neusa Santos Souza, psquiatra, psicanalista e escritora, na obra "Tornar-se negro". Ao emergir de seus estudos, Deives estava mudado. Ao emergir, descobriu-se negro. 

Tudo se soma

A descoberta, história de vida e aprendizado de Deives se somaram às suas já extensas ferramentas de trabalho. A experiência e conquistas lhe dão o privilégio da escolha. "Não fazemos qualquer negócio", conta, ao explicar que a Condurú Consultoria trabalha com empresas e organizações que desejam verdadeiramente transformar suas práticas. 

"Há dois tipos de empresas que trabalham com diversidade, equidade e inclusão. Um quer fazer de forma genuína, porque é um imperativo moral. Dá muito prazer trabalhar com essa empresa. Outro é para melhorar relatório de sustentabilidade, indicadores para investidores estrangeiros. E eu falo: 'tudo bem, você vai melhorar os resultados, mas quer fazer o que com isso?'" 

Ele não deixa barato.

Tudo faz sentido

Deives empunhou a bandeira da luta contra o racismo sem desejar, apenas seguindo o caminho traçado pelo seu desejo de realização pessoal. Ao lançar-se como empreendedor depois dos 60 anos, se torna ícone de mais de uma causa: a luta contra o etarismo. Mais uma vez, acidentalmente, como resultado natural de suas escolhas e da própria demanda de quem busca seus serviços. "Desculpe, mas para algumas coisas, tem que ter cabelo branco". Não tenho como discordar. 

(*) Adriele Marchesini é jornalista especializada em TI, negócios e Saúde com quase 20 anos de experiência. Depois de passar por redações de veículos como Estadão, Infomoney, ITWeb e CRN Brasil, cofundou as agências essense e Lightkeeper,  as quais já ajudaram mais de 80 empresas na construção de conteúdo narrativo multiplataforma para negócios. É cofundadora do Unbox Project e coâncora do podcast Vale do Suplício. Criado pelas jornalistas Adriele Marchesini e Silvia Noara Paladino, o podcast Vale do Suplício nasceu como uma contracultura aos empreendedores de palco - os típicos CEOs de MEI, escritores de textões no LinkedIn - para contar a história de empreendedores que falam pouco, mas fazem muito. Ouça no Spotify.           

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