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Confronto entre EUA e China pode levar a nova Guerra Fria

Para os EUA, a competição econômica com Pequim é questão de segurança nacional

7 nov 2018 - 04h11
(atualizado às 08h48)
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O confronto entre Estados Unidos e China que provoca instabilidade nos mercados mundiais vai muito além da guerra comercial e envolve uma ampla competição geopolítica que tende a se agravar no futuro próximo, com potenciais impactos negativos sobre o processo de globalização. A complementaridade que marcou o relacionamento das duas maiores economias do planeta nas últimas três décadas foi substituída pela rivalidade aberta na busca pelo controle das tecnologias que dominarão a economia do século 21.

Os EUA estão convencidos de que a potência emergente, a China, está determinada a tomar o seu lugar. De seu lado, os líderes de Pequim estão convictos de que os americanos farão tudo para impedir a ascensão do país. Analistas americanos já falam em uma "nova Guerra Fria". Para alguns, se os dois lados não conseguirem resolver suas diferenças nos próximos meses, o confronto crescente levará ao "decoupling" das duas maiores economias do mundo, com a gradual saída de empresas americanas da China e o desmonte de cadeias de produção que unem os dois países.

O presidente dos EUA, Donald Trump
O presidente dos EUA, Donald Trump
Foto: Carlos Barria / Reuters

A atitude de diversos setores dos EUA em relação ao país asiático se deteriorou de maneira rápida e surpreendente no último ano, depois que os elogios de Donald Trump a Xi Jinping deram lugar à imposição de tarifas sobre US$ 250 bilhões em importações chinesas em 2018.

O governo americano deixou claro que vê a competição econômica com Pequim como uma questão de segurança nacional, ligada a outros interesses fundamentais que estariam sob ameaça da nação rival. O alvo mais imediato de Washington é o Made in China 2025, a política industrial de Pequim que aspira o domínio de tecnologias do futuro.

A má vontade nos EUA se estende a parte do setor empresarial, que costumava usar seu poder econômico para defender políticas pró-China na administração e no Congresso. Além disso, o confronto com Pequim é uma das raras iniciativas de Trump que têm apoio dos Partidos Republicano e Democrata. Isso quer dizer que a orientação não mudará de maneira significativa em um cenário de vitória da oposição nas eleições legislativas realizadas ontem ou de chegada de um novo presidente à Casa Branca.

Na academia e nos think tanks de Washington, se multiplicam as discussões sobre as implicações da crescente competição e é cada vez maior o número de observadores que responde "sim" à seguinte pergunta: "Há uma incompatibilidade fundamental entre os interesses de longo prazo dos EUA e da China?".

A percepção de que as duas maiores economias do mundo caminham para uma Guerra Fria foi acentuada pelo discurso no qual o vice-presidente americano, Mike Pence, traçou as linhas da nova política de Trump em relação à China, no dia 4 de outubro. Pence acusou Pequim de usar instrumentos políticos, militares, econômicos e de propaganda para aumentar sua influencia e defender seus interesses nos EUA.

O discurso revelou uma preocupação abrangente com as ações do Partido Comunista Chinês em território americano, que vão de Hollywood às universidades, passando pela aquisição de empresas de alta tecnologia.

A estratégia de Trump para confrontar o país rival inclui o aumento das restrições a investimentos chineses nos EUA, barreiras a acordos comerciais de outros países com a China e o desafio a pretensões territoriais de Pequim no mar do sul da China - no início de outubro, um destróier chinês quase colidiu com um navio de guerra americano na região.

Na tentativa de isolar Pequim, os EUA incluíram no novo tratado de livre-comércio com o México e o Canadá duas cláusulas que miram a China. A primeira é o veto a acordos do tipo com países que não tenham "economias de mercado", descrição que, aos olhos de Washington, se adapta ao país governador pelo maior Partido Comunista do mundo.

O outro dispositivo proíbe acordos de livre-comércio com governos que manipulem sua moeda para aumentar a competitividade de suas exportações. Essa foi a primeira vez na história que um tratado comercial contemplou dispositivo do tipo, atendendo à pressão dos EUA contra desvalorizações da moeda chinesa. É razoável esperar que cláusulas semelhantes estejam em outros acordos que Washington pretende celebrar, entre os quais com o Japão.

O acúmulo de tensões entre as duas maiores economias do mundo é um forte indício de que a relação bilateral continuará sujeita a turbulências, ainda que Washington e Pequim cheguem a um acordo na área comercial. A ênfase na cooperação que marcou administrações anteriores deu lugar à competição explícita pela supremacia global.

*MESTRANDA DA SCHOOL OF ADVANCED INTERNATIONAL STUDIES DA UNIVERSIDADE JOHNS HOPKINS E EX-CORRESPONDENTE DO ESTADO NOS EUA E NA CHINA

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Estadão
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