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Clara Marinho: servidora pública é nomeada uma das pessoas negras mais influentes do mundo

Especializada em contas públicas, Clara Marinho trabalha hoje na Secretaria Federal do Orçamento, do Ministério da Economia, para garantir a eficácia dos programas de redução de desigualdades

15 nov 2021 - 17h01
(atualizado em 16/11/2021 às 09h55)
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BRASÍLIA - A servidora pública Clara Marinho não é nenhuma celebridade, mas entrou na lista de 2021 dos afrodescendentes mais influentes do mundo. Outros brasileiros (estes sim, famosos) também foram nomeados, como o economista Gil do Vigor, ex-participante do BBB Brasil, a cantora Margareth Menezes e os atores Taís Araújo e Lázaro Ramos. Mas, no setor público, é o nome de Clara Marinho que se destaca.

Em Brasília, a baiana de 37 anos trabalha na Secretaria Federal de Orçamento (SOF) do Ministério da Economia, onde é encarregada de fazer que os recursos públicos sejam destinados a programas de redução das desigualdades de raça e gênero. Ela própria foi beneficiada por essas políticas ao entrar no serviço público por meio de cotas, e é um exemplo do resultado desses programas.

Hoje, Clara Marinho trabalha na elaboração do Orçamento Mulher, aprovado pelo Congresso para 2022 e em pesquisas para criar metodologias para canalizar recursos orçamentários.

Clara foi premiada na categoria "humanitarismo e ativismo" numa nomeação coletiva dos membros de um projeto da ONU chamado Década Internacional dos Afrodescendentes, de 2015 a 2024. São pessoas selecionadas pelo Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, engajadas na promoção dos direitos dos negros em todo o mundo.

A nomeação é do grupo Mipad (os afrodescendentes mais influentes, na sigla em inglês), uma iniciativa global da sociedade civil. Ele é um reconhecimento a esse grupo pela atuação na garantia de direitos da população negra. "É uma aposta para o futuro. Há vários países que têm adotado mecanismos para tornar o orçamento mais sensível a essa agenda", afirma Clara, que estudou em escola pública e vem de uma família de classe média de Salvador. Os pais trabalhavam no Polo Petroquímico de Camaçari.

Clara estudou em escola privada no ensino fundamental. "Era uma das poucas negras da escola. Isso é uma (situação) constante da minha trajetória", diz ela, ao lembrar que era chamada pelos colegas por apelidos pejorativos de "carvão mineral" e "bombril". "Poderiam realmente ter destruído minha autoestima", diz. A mãe teve papel fundamental para que isso não acontecesse e de estímulo ao estudo e busca de oportunidades.

O ensino médio foi feito numa escola técnica pública. Depois de cursar administração na Universidade Federal da Bahia, foi morar em Campinas (SP), onde fez mestrado na Unicamp e conheceu o marido, pai dos seus dois filhos.

O ativismo político em defesa da igualdade de raça não era tema muito presente em casa. Mas os pais renovaram depois sua visão sobre o racismo e das dificuldades profissionais que passaram ao longo da vida a partir da atuação dela em defesa dessa agenda.

Clara participou do programa Marielle Franco, criado pelo fundo Baobá após o assassinato da vereadora do Rio. O fundo é o primeiro dedicado exclusivamente à promoção da equidade racial para a população negra. O programa abriu a oportunidade para que ela fosse selecionada para o grupo da ONU.

Virada de chave

Foi nessa época que a "chave" virou e ela percebeu a força de unir os dois lados da sua vida, o de ativista pela causa negra e analista de gestão do governo. "Eu sentia que andava em duas avenidas diferentes", conta.

Na secretaria do Ministério da Economia, Clara participa das pesquisas capitaneadas pelo Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP). É uma agenda nova para tomar as melhores decisões sobre a alocação de recursos.

O Brasil, diz ela, engatinha nesse campo. O País ainda está na fase de produzir relatórios e análises sobre como o dinheiro já empenhado produz efeitos na garantia dos direitos de mulheres e negros. O ideal seria que a preocupação sobre essa agenda surgisse durante a elaboração do Orçamento.

A especialista reconhece que há desafios muito claros de natureza metodológica, porque ainda é muito muito difícil contabilizar como o dinheiro chegou nos lugares e nas pessoas. Outro desafio é evitar a dupla contagem das políticas entre os diversos ministérios.

Mas a servidora avalia que há um caminho aberto para que o Brasil pule da fase de análise para uma de intervenção e aprimoramento dos programas de inclusão. "O que a gente tem hoje e para onde podemos avançar? Não é ainda o que se faz e o que pode ser feito", diz.

Para Clara, a área de finanças públicas têm uma dificuldade histórica de absorver negros. Essa realidade em si já é uma barreira para a adoção de políticas destinadas a esses grupos. "As mulheres vão para áreas que reproduzem a estrutura do cuidar", diz. O quadro tem evoluído, mas os avanços são insuficientes. Clara Marinho agora batalha para multiplicar os exemplos como o dela.

Estadão
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